sexta-feira, dezembro 08, 2006
Cabelos Azuis
Fiquei completamente hipnotizado pelo seu cabelo azul celeste. Fosse verde ou laranja, eu nem a teria notado. Minto. Minto. As palavras pontuadas, a dor expressada, o grito inaudível, incompreensível e a paradoxal vontade de viver mesmo diante da desesperança de ser, todos estes sintomas magnetizam a minha atenção. Por que? Não sei. Mas posso confessar uma razão: a semelhança com aquela que, dez anos atrás, erotizou o meu corpo pela primeira vez, com aquela que pulsou violentamente vida em meu coração quando só havia morte no meu olhar. Lhe tenho olhos ternos e distantes. É por isso que eu digo que amor não acaba, mesmo que o relacionamento termine. Esta moça que eu nem conheço recebe agora um pedacinho desse amor em razão do bem transbordante que outra pessoa me fez no passado. Eu a tocaria com lágrimas se pudesse.
Lá e cá.
Ela nasceu aqui e foi para lá. Eu nasci lá e vim para cá. Eu não sei o que ela foi fazer lá. Eu vim para fugir do calor e do passado. Seria irônico se ela viesse para cá justamente quando eu fosse lá. Por poucos dias isso não acontece. Seja por sorte, destino ou mero acaso, o fato é que a geografia nos permitirá agora um esbarrão. É o lá e o cá se mesclando.
terça-feira, dezembro 05, 2006
Opção
Sinto angústia em ter que escolher, pensando em tudo que terei de deixar para trás, sentindo nostalgia dos passados futuros que nunca foram. Optar nunca é leve. Mas não ter o que escolher é muito mais pesado. É o peso de não ter um Eu para negar, é o peso de não ter uma pausa de si. É um excesso e uma falta de Eu ao mesmo tempo.
sábado, dezembro 02, 2006
Novo morador.
(No elevador)
- Você mora aqui faz tempo?
- Sim, desde o início do ano.
- É tranqüilo aqui?
- É sim.
- Mora sozinho?
- Sim.
- Tem muita mulher também? Morando sozinha? (coçando o saco)
- Tem.
- Assim que é bom, né?
- Pois é.
Apesar dos pesares, não notei malícia ou canalhice no seu olhar. Apenas que é homem e é muito jovem.
- Você mora aqui faz tempo?
- Sim, desde o início do ano.
- É tranqüilo aqui?
- É sim.
- Mora sozinho?
- Sim.
- Tem muita mulher também? Morando sozinha? (coçando o saco)
- Tem.
- Assim que é bom, né?
- Pois é.
Apesar dos pesares, não notei malícia ou canalhice no seu olhar. Apenas que é homem e é muito jovem.
terça-feira, novembro 28, 2006
Dark Moor
Escutando incessante e repetidamente há dois dias. Passado terno que me abraça na voz doce da vocalista. Estarei sim do seu lado até os últimos dias. Amor verdadeiro é eterno, mesmo que ele mude a sua forma ao longo do tempo.
Your Simphony
I know that you need me
To survive in this world
world of empty words
take my hand and feel me
i i'll be your friend...
forever be
[Bridge:]
In the dephts of wind
could be playing with me
your symphony
Playing on and on
never be alone
sing my song
I stay bu your side, girl,
through the endless hate, my dear,
The rain dissapears
the poison of your life
fills my glass and I...
I drink, I die
[Bridge]
[Chorus:]
You give me the light
all my cold nights
Your fantasy
will me my shymphony
Your Simphony
I know that you need me
To survive in this world
world of empty words
take my hand and feel me
i i'll be your friend...
forever be
[Bridge:]
In the dephts of wind
could be playing with me
your symphony
Playing on and on
never be alone
sing my song
I stay bu your side, girl,
through the endless hate, my dear,
The rain dissapears
the poison of your life
fills my glass and I...
I drink, I die
[Bridge]
[Chorus:]
You give me the light
all my cold nights
Your fantasy
will me my shymphony
sábado, novembro 25, 2006
Endorfina
Descobri o que estava faltando: endorfina. Correr é algo imponente. Devido ao trabalho realizado, você impacta a terra com alguns quilos a mais, sente-se agente. Devido à inércia, você continua adiante quando nada mais parece fazer sentido, sente-se leve. Devido à endorfina, você seduz e se deixa seduzir, sente-se encantador. Vida desabrochada e relaxada.
sábado, novembro 18, 2006
Safe
Fui dormir com a última cena de Safe (direção de Todd Haynes, para quem se interessar) no peito, engasgando uma angústia na garganta. Buscando desesperadamente sobreviver, ela se olha no espelho e repete várias vezes: "eu me amo, eu me amo, eu me amo...". Neste momento, ela já tinha perdido a compreensão das suas amigas, do seu marido e de todos que estavam a sua volta. Só, completamente só, fechada hermeticamente em um iglu espartano no meio de um deserto. Ali a verdade revelou-se nua e crua: uma pessoa precisa existencialmente do amor próprio quando não recebe nenhum de fora. A luta pela sobrevivência é desesperada, humilhante.
sexta-feira, novembro 17, 2006
Mentira
Não há nada que eu odeie mais que mentiras escarradas na cara. Não é pela mentira, que pode-se até perdoar, afinal, quem não mente? Mas sim por me julgar idiota o suficiente para acreditar nela.
quarta-feira, novembro 15, 2006
Filosofia.
"A filosofia nunca me dará aquilo de que mais sinto falta. (01/02/98)". Continua sendo verdade em (15/11/2006).
sábado, novembro 11, 2006
Palavra
Rousseau era belo, garboso, por isso, sim não há uma seqüência lógica aqui, dotou a natureza humana de bondade. Quem sorri sempre vê o lingínquo ideal como próximo. Hobbes era feio, ressentido, viveu trancafiado em uma masmorra por mais de década e só pôde olhar gelidamente para a parca humanidade que via em seu espelho. Olhos frios que apalpam a realidade áspera. Há dias em que acordo hobbesiano, com um gosto amargo na boca, achando que as pessoas só falam para magoar e exercer o sadismo. Escavam a alma com gargalhadas diabólicas. Sabe, palavras são armas letais e poucos se dão conta disso. Nem todos estão aptos a usá-las. Nem todos deveriam usá-las.
sexta-feira, novembro 03, 2006
I
Infinito
ilimitado
iluminado
intrépido
ímpeto
imortal
incoerência
iso
i igualdade
in
i irreverente
i individual
i isolado
i interrogador
i invertido
!
Belo i que me dá as mãos, que me olha sorrindo com sua lágrima flutuante. I que flecha o peito.
Ininteligível!
ilimitado
iluminado
intrépido
ímpeto
imortal
incoerência
iso
i igualdade
in
i irreverente
i individual
i isolado
i interrogador
i invertido
!
Belo i que me dá as mãos, que me olha sorrindo com sua lágrima flutuante. I que flecha o peito.
Ininteligível!
sábado, outubro 28, 2006
Superfantástico
Superfantástico amigo!
Que bom estar contigo
No nosso balão!
Vamos voar novamente
Cantar alegremente
Mais uma canção
Tantas crianças já sabem
Que todas elas cabem
No nosso balão
Até quem tem mais idade
Mas tem felicidade
No seu coração
Sou feliz, por isso estou aqui
Também quero viajar nesse balão!!
Superfantástico!
No balão mágico,
O mundo fica bem mais divertido!!
Superfantásticamente!
As músicas são asas da imaginação
É como a flor e a semente
Cantar que faz a gente
Viver a emoção
Vamos fazer a cidade
Virar felicidade
Com a nossa canção
Vamos fazer essa gente
Voar alegremente
No nosso balão!
Sou feliz, por isso estou aqui
Também quero viajar nesse balão!!
Superfantástico!
Lembro da minha emoção ao entrar no estádio para ver a turma do balão mágico. Eu, então, com 7 ou 8 anos. Emoção sim, taquicardia, pernas trêmulas, olhar compenetrado e sonhos infantis de um encontro que nunca aconteceu. Eu estava apaixonado e não era pela Symony. Sempre achei ela sem graça, patricinha, esnobe. Eu gostava era da Luciana, com seus cabelos cor de mel, meiga e doce. Poucos se lembram dela. Sua participação era míngua e eu sofria muito com isso. Aliás, hoje ela consegue ser mais anônima do que eu no Google. Incrível. Podem pesquisar, Luciana Benelli, três ou quatro entradas no máximo. Mas era dela que eu gostava e são delas os movimentos sobre o palco que me lembro agora ao escutar Superfantástico.
Que bom estar contigo
No nosso balão!
Vamos voar novamente
Cantar alegremente
Mais uma canção
Tantas crianças já sabem
Que todas elas cabem
No nosso balão
Até quem tem mais idade
Mas tem felicidade
No seu coração
Sou feliz, por isso estou aqui
Também quero viajar nesse balão!!
Superfantástico!
No balão mágico,
O mundo fica bem mais divertido!!
Superfantásticamente!
As músicas são asas da imaginação
É como a flor e a semente
Cantar que faz a gente
Viver a emoção
Vamos fazer a cidade
Virar felicidade
Com a nossa canção
Vamos fazer essa gente
Voar alegremente
No nosso balão!
Sou feliz, por isso estou aqui
Também quero viajar nesse balão!!
Superfantástico!
Lembro da minha emoção ao entrar no estádio para ver a turma do balão mágico. Eu, então, com 7 ou 8 anos. Emoção sim, taquicardia, pernas trêmulas, olhar compenetrado e sonhos infantis de um encontro que nunca aconteceu. Eu estava apaixonado e não era pela Symony. Sempre achei ela sem graça, patricinha, esnobe. Eu gostava era da Luciana, com seus cabelos cor de mel, meiga e doce. Poucos se lembram dela. Sua participação era míngua e eu sofria muito com isso. Aliás, hoje ela consegue ser mais anônima do que eu no Google. Incrível. Podem pesquisar, Luciana Benelli, três ou quatro entradas no máximo. Mas era dela que eu gostava e são delas os movimentos sobre o palco que me lembro agora ao escutar Superfantástico.
domingo, outubro 15, 2006
Vizinha
A minha vizinha trocou de roupa. Ontem ela vestia um gordinho simpático, porém ciumento. Era visível pelo modo como a agarrava quando nos encontrávamos no elevador. Ele tinha um carro branco. Hoje ela veste um lutador de jiu jitsu, magro, másculo, óculos escuros, sabe, desses com cara de pegador. Carro preto e esportista. Eu levei um susto quando, ao sair para o trabalho, topei com a leve notável mudança. Ela era tão apaixonada, sempre roçando o gordinho...havia, ainda há, uma placa na sua porta: "aqui mora uma família feliz". Uma família cambiante, é verdade.
A vida é um amontoado de flashes. Deus parece que se esqueceu de contratar alguém para juntar essas fotos esparsas em um filme com movimento. Ou ele existe, mas passa numa velocidade muito rápida ou muito devagar para percebermos.
A vida é um amontoado de flashes. Deus parece que se esqueceu de contratar alguém para juntar essas fotos esparsas em um filme com movimento. Ou ele existe, mas passa numa velocidade muito rápida ou muito devagar para percebermos.
sábado, outubro 14, 2006
Bred
Pertencia ao meu irmão, mas era mais amado pelo meu pai. Sim, ele morreu, já faz algumas semanas. Gosto de lembrar da sua alegria em brincar de pega-pega ou do modo faceiro com que ele vinha pedir um pão de queijo. Por essa iguaria, ele sorria. Triste cão. Teve uma vida solitária como a de todos da minha família. E ontem eu me debulhava em lágrimas no cinema assistindo Valentin, vendo uma criança dando tanto amor, quando não lhe davam nenhum. E hoje fiquei pensando em quão distantes estão as pessoas que eu mais gostaria de abraçar. Venha, venha Bred lamber meu rosto!
sábado, outubro 07, 2006
Coincidências
Uma coincidência é uma coincidência. Duas coincidências são duas coincidências. Mas três ou mais coincidências não são três ou mais coincidências; são um sinal do destino, ao menos na perspectiva do esperançoso. É quando o mundo deixa de ser, aos seus olhos, apenas mundo e passa a ser também vida vivida. Mas sem esperança, infinitas coincidências serão sempre infinitas coincidências e o mundo, sem sinais e magia, se enche de vidas mortas, de eus que se esbarram mecanicamente sem qualquer propósito.
segunda-feira, outubro 02, 2006
Trampolim
Eu gosto deste, escrevi para uma pessoa que amei muito, anos atrás.
O beijo trampolim
Amar também é beijar
Um beijo sem fim
Um beijo que não quer terminar
Um beijo trampolim
Saltita daqui
Saltita dali
Vai pulando o beijo
De beijo em beijo
Um nasce do outro
Um pede o outro
Num desejo transfim
Eis o beijo trampolim!
Gosto dele por me fazer lembrar da alegria transbordante de um amor genuíno. Por me fazer pensar também em quão especial deve ser uma pessoa para que ela mereça o meu amor. É verdade, posso não escolher quem eu amo, mas posso escolher a quem dou o meu amor. E eu só vou dá-lo novamente a uma pessoa que, como na época em que escrevi esse poema, me faça sentir pleno. Menos que isso eu dispenso.
O beijo trampolim
Amar também é beijar
Um beijo sem fim
Um beijo que não quer terminar
Um beijo trampolim
Saltita daqui
Saltita dali
Vai pulando o beijo
De beijo em beijo
Um nasce do outro
Um pede o outro
Num desejo transfim
Eis o beijo trampolim!
Gosto dele por me fazer lembrar da alegria transbordante de um amor genuíno. Por me fazer pensar também em quão especial deve ser uma pessoa para que ela mereça o meu amor. É verdade, posso não escolher quem eu amo, mas posso escolher a quem dou o meu amor. E eu só vou dá-lo novamente a uma pessoa que, como na época em que escrevi esse poema, me faça sentir pleno. Menos que isso eu dispenso.
sábado, setembro 30, 2006
Sonho
Tema e Variações
Sonhei ter sonhado
Que havia sonhado.
Em sonho lembrei-me
De um sonho passado:
O de ter sonhado
Que estava sonhando.
Sonhei ter sonhado...
Ter sonhado o que?
Que havia sonhado
Estar com você.
Estar? Ter estado,
Que é tempo passado.
Um sonho presente
Um dia sonhei
Chorei de repente,
Pois vi, despertado,
Que tinha sonhado.
(Bandeira).
Um dia sonhei despertado. De repente, chorei. Pois vi, lúcido, que não estava dormindo.
Sonhei ter sonhado
Que havia sonhado.
Em sonho lembrei-me
De um sonho passado:
O de ter sonhado
Que estava sonhando.
Sonhei ter sonhado...
Ter sonhado o que?
Que havia sonhado
Estar com você.
Estar? Ter estado,
Que é tempo passado.
Um sonho presente
Um dia sonhei
Chorei de repente,
Pois vi, despertado,
Que tinha sonhado.
(Bandeira).
Um dia sonhei despertado. De repente, chorei. Pois vi, lúcido, que não estava dormindo.
domingo, setembro 24, 2006
Eterno
Tenho memórias de amor que nem deus seria capaz de me tirar. Elas estão tão presentes no meu fluxo consciente que só fabricando um outro completamente diverso do que sou se poderia eliminá-las. O paradoxal delas é que, às vezes, me arrancam sorrisos, noutras, lágrimas. É a diferença entre lembrança e nostalgia, entre lembrar e querer viver a lembrança. E, por favor, querer viver a lembrança não tem nada a ver com querer reviver a lembrança, é a diferença entre nostalgia e saudades.
sábado, setembro 23, 2006
Primavera
Tem gente que aniversareia e fica mais velho. Eu não; eu fico mais novo. Meu corpo pode putrefar, mas minha alma só rejuvenesce. Não é por outro motivo que nasci junto com o desabrochar da primavera. Todo ano ela vem até a mim com o seu beijo vital, enlaçando a criança que pulula em meu peito. Durmo com ela e acordo com o desejo infantil de viver.
quinta-feira, setembro 21, 2006
Livro
E teve a experiência do deja vu. Por alguns instantes, eu tive a certeza de que o livro que eu ganhei hoje eu havia dado de presente para uma pessoa especial no passado. Era como se a natureza estivesse a me retribuir de volta o carinho de outrora em igual medida. Todavia, eu me enganei, cheguei a pegar o livro azul na livraria, mas acabei dando outro.
Livro
um livro azul veio parar hoje em minhas mãos, ganhado de maneira azulada. Abro ele, folheio, escolho uma página aleatoriamente, e invariavelmente encontro uma sensação azul. Hoje tudo é azul, inclusive o meu sorriso.
quarta-feira, setembro 20, 2006
Melancia
Ficar duas semanas sem falar com o próprio pai, e quando, por alguns instantes, sua voz aparece, ela é mesclada com o barulho de uma melancia degustada; boca que mastiga e balbucia, um diálogo de jornal recortado, nonsense. Quando a atenção finalmente se manifesta, é para exaltar os ganhos financeiros de outro filho. A vida é assim, há dias em que o ar é leve, noutros, pesado, como se estivesse a respirar chumbo.
quarta-feira, setembro 13, 2006
Tempo
Quando estava ocioso, o tempo não passava e, nesses momentos de tédio, era como se a vida estivesse congelada. O nó na garganta que chamamos de "angústia" é, em alguns casos, causado por essa paralisia vivencial, por essa percepção de que só a identidade reina absoluta no mundo, livre de qualquer mudança. Agora, atarefado, o tempo passa ligeiro. Mas, de maneira semelhante, às vezes também dá sensação de uma vida congelada. É tanta coisa para se fazer que a vida mesmo parece ficar em modo stand by, como se, de fora para dentro, nos colocassem no piloto automático. Então eu me pergunto. Quando é que realmente vivemos o tempo? Quando o ócio é criativo e quando o amor toca no peito. Só então somos livres para voar.
sábado, setembro 09, 2006
Escolhida
domingo, setembro 03, 2006
Gavetas
Algumas gavetas mnemônicas são trancadas por chaves musicais. Elas se abrem ao toque da melodia correta e jorram o seu conteúdo como se fossem caixas de pandora. Depois de muitos anos, escutei hoje It's a hard life, do Queen, e logo na minha frente apareceu vivamente a sardentinha que ocupou, lá no início da adolescência, dois anos das minhas batidas cardíacas. E ainda me lembro como se fosse agora seu toque em meu braço enquanto desenhava o seu nome sobre ele. Azar o meu que isso tenha acontecido no último dia de aula. Quando voltamos das férias, meu nome já não era mais uma melodia para ela. Ainda assim, sem qualquer esperança concreta (a razão naturalista para sermos capazes de sonhar é justamente essa, possibilitar a esperança, ainda que ilusória), eu desejei ser aquele que contaria as suas sardas a noite inteira, aquele que tocaria seus lábios. It's a hard Life, oh yes.
domingo, agosto 27, 2006
Ventos
Os ventos hoje me trouxeram a boa notícia de uma amiga que está a amar e ser amada. É um ar fresco que infla meus brônquios enchendo meu peito de esperença e sorriso. É um cheiro que afaga o meu rosto e me faz voltar a face para o futuro. É um tato que me empurra para frente. E eles balançam meus cachos com doçura.
quarta-feira, agosto 23, 2006
Seleção
Um pingo de imagem sobre a retina, e os olhos brilham, acordam; um toque suave sobre a pele, e um arrepio sobe pela coluna; uma onda sonora esbarrando nos tímpanos, e uma paz dançando pelo corpo; um odor entrando pelas narinas, e lembranças pipocando na tela mental; um sabor deslizando pela língua, e um formigamento pelo corpo, pelo sexo. A maravilha da seleção natural ao nos dotar de sentidos não foi tanto nos propiciar um meio de obter informações sobre o meio circundante, foi antes a de nos dar essa ponte mágica que nos leva do eu ao outro e do outro ao eu e do eu ao eu. Sem isso, jamais nos adaptaríamos ao mundo das relações.
segunda-feira, agosto 21, 2006
Psique
"A energia de Psique se perde sem a luz do encontro com Eros" (Algum poeta).
É por isso que eu corro ao seu encontro, no tempo e no espaço, para lhe salvar a vida, e a minha também.
É por isso que eu corro ao seu encontro, no tempo e no espaço, para lhe salvar a vida, e a minha também.
sexta-feira, agosto 18, 2006
Venusiana
Outro dia olhava para as estrelas quando vi que uma delas piscava. Mas não era bem uma estrela e sim Vênus. Fiquei intrigado, pois ele piscava de maneiria incomum, com regularidade. Passei a observá-lo noites seguidas, até perceber que os intervalos luminosos seguiam o padrão do código morse. Qual não foi, então, a minha surpresa quando li, no céu estrelado, o chamado, "Eros, estou observando você". Esfreguei os olhos, mas quando os abri, percorri outra seqüência luminosa, que dizia, "Não se assuste, Eros, já faz tempo que eu o acompanho". Pensei que estivesse ficando doido. No entanto, depois de mais algumas interações, notei que os seres de Vênus podiam ler meus pensamentos. E assim passei a dialogar com o planeta todas as noites. Na verdade, não era com o planeta, mas com uma venusiana. Fiquei encantando com as coisas que ela falava sobre mim, vendo-me lá de cima. Certa vez, ela me disse que sempre sonhara em me dar as mãos nas minhas caminhadas solitárias e que um dia desejou ser a luz para se projetar sobre mim, quando me viu pensativo sobre as gramas do Botânico. Outro dia eu perguntei a ela se a distância não era um empecilho para o nosso amor e ela me respondeu mais ou menos assim: "Tolinho, pense bem. A distância pode até diminuir a força gravitacional, mas é impotente para aniquilar com ela. E olha que, entre as forças físicas, ela é a mais fraca, a menos significante. Acha então que a distância poderia fazer algo contra a mais intensa das forças metafísicas?". Mesmo assim eu chorava por não poder abraçá-la e ela me consolava dizendo para eu jamais deixar de sonhar, que, se eu o fizesse, aí sim deixaria de ser possível o que desejava. E como sonhei e como ainda sonho ser resgatado pela minha namorada venusiana.
quinta-feira, agosto 17, 2006
Fé
Sou um ateu que acredita fervorosamente na possibilidade do amor. Eu não preciso ter vivido um amor de cem anos, nem estar amando para acreditar que posso vivenciar um encontro efetivo, assim como um cristão não precisa de qualquer evidência para abrir o seu peito à graça divina. Eu simplesmente abraço o mundo com essa vontade transcendente de amar, mesmo que ele jamais venha a me corresponder.
Natureza
Quando ele acordou do seu sonho azul, entristeceu-se com a possibilidade de a realidade ser cinza. Mas depois pensou que poderia acordar deste pesadelo. Por fim, percebeu que não importa se está em vigília ou dormindo. Em suas veias, flui a esperança, em seu peito, bate a força aliterativa do t, e o vento que lhe penteia os cachos vai lhe abrindo o caminho para o futuro. A natureza há de levá-lo para um bom lugar.
quarta-feira, agosto 16, 2006
Azul
Apesar de o céu ter amanhecido acinzentado, o que, nestes tempos de estiagem e racionamento, é extremamente desejável, eu estampei no peito, em franca rebeldia, um azul celeste. Não precisei da luz solar para me iluminar, todo o eu já estava radiante.
terça-feira, agosto 15, 2006
Homeoteleutos
Homeoteleutos, eu já vos conhecia, mas não com este nome. Agora que vos vejo, meus olhos matam a fome.
Quero para mim a força aliterativa do t esbravejada no "Eu te amo".
Quero agradecer às palavras fônicas o conhecimento que me sibilaram
Quero para mim a força aliterativa do t esbravejada no "Eu te amo".
Quero agradecer às palavras fônicas o conhecimento que me sibilaram
Amar
Dormir e acordar com um brilho nos olhos, por ter em quem pensar, cumprimentar o mundo, por saber que ela o habita, envolver-se com os braços, para sentir a sua pele, andar correndo, por estar sempre indo ao seu encontro, abrir os olhos para vê-la, fechar os olhos para vê-la novamente, sorrir muito, transbordar amor, por saber que ela existe, respirar sempre fundo, para inspirar a sua presença. No mundo que vislumbro, faremos assim. Em meu mundo, eu sou assim.
segunda-feira, agosto 14, 2006
Abundante
O amor universal cristão era possível para Cristo, pois, por suposição, ele era/é onipotente. Com uma atenção ilimitada, ele podia/pode amar a todos igualmente. Mas a mensagem que ele nos deixa ao morrer na cruz, por amor a nós humanos, é clara: não deixe a sua atenção ociosa e nem a desperdice em vão. Como seres finitos, temos uma obrigação ainda maior de gerir os nossos recursos amorosos com maior preocupação e diligência. A vontade de amar jorra abundante no mundo que vislumbro.
sexta-feira, agosto 11, 2006
Pães
Simplicidade. Gosto de ir comprar pães na padaria. Ver o sorriso de olhos esverdeados da atendente. Ela retribui em igual media o cumprimento aberto que lhe dou.
quarta-feira, agosto 09, 2006
Curitiba
Quando a minha mãe disse que achava muito difícil andar pelas ruas de Curitiba como pedestre, em virtude da falta de sinalização, o que eu concordo, o escroque do seu primo carioca, que aqui mora há mais de dez anos, disse: "sim, é verdade, mas só esse povo pobre, humilde anda à pé.". Essa resposta ele já não deu mais como carioca e sim como curitibano. Eu sinto um cheiro de esnobsimo no ar desta cidade. Evidentemente, não falo da totalidade, falo do típico, que nem precisa ser a maioria, basta que seja representativo.
domingo, agosto 06, 2006
Sorriso
Algumas experiências são impagáveis e indeléveis. O sorriso feliz de alguém que mata as saudades ao lhe ver é uma delas. Nove anos atrás eu desembarcava em Brasília para receber um sorriso assim, contagiante, envolvente, que tinha a capacidade de me fazer sentir completamente vivo, conectato ao mundo. São alguns poucos segundos de existência física que se prolongam por uma eternidade, que transbordam em sentido. Eu me sinto agraciado por ter visto um dia os olhos de um ser humano brilhar.
sábado, agosto 05, 2006
Espera
Nunca espere absolutamente nada de outro ser humano. Deixe-o completamente livre. Se, ainda assim, ele lhe der algo, será genuíno. Espere menos para sofrer menos também.
sexta-feira, agosto 04, 2006
Amor
Eu nunca disse que era cristão. Amor e afeto devemos dar e eu procuro dar, mas amor e afeto eu não distribuo universalmente. Quem a todos ama, em verdade, não ama ninguém. Sem diferenciação, o amor é tão vazio quanto a palavra "ser". O motivo é simples. Não existe amor sem atenção e a atenção, entre humanos, é um recurso finito e escasso. Se você diz que ama a todos, então doa uma atenção que tende a zero, isto é, não dá atenção alguma. Se isto é amor, é um bem vazio. Amor genuíno requer atenção e, uma vez que você a distribui, limita a quantidade de pessoas que pode amar. Eu dispenso o amor de uma pessoa que não pode me dar atenção alguma. Não, definitivamente, isso não é amor.
domingo, julho 30, 2006
Valor
O valor de uma pessoa é medido pela quantidade de memórias que existem atualmente dela. Não me refiro às memórias históricas, mas às memórias emotivas, presentes nas mentes das pessoas. Por isso, cuide para que você mesmo esteja sempre em seu coração. Se não estiver impresso no coração de mais ninguém e nem no teu, então não tens valor; é como se não existisse. Exerça a bondade, ame-se, pois só assim poderá amar o outro. Se você se abandonar, perderá a chance de ter algum valor.
sexta-feira, julho 28, 2006
Avante
A verdade é que eu sou um futurista otimista e um contemporâneo pessimista. Miro o futuro com olhos esperançosos e interpreto o presente com lentes turvas.
quinta-feira, julho 27, 2006
Esperança
Uma vez eu disse que, sem esperanças, nos tornamos bestas. Mas talvez não seja assim tão ruim ser uma besta. Muito pelo contrário. Quem não espera, não se frustra, não sente dor, não sofre. Não falo evidentemente da dor física. A vida bestial é infinitamente mais suportável. Observem. Alguém já viu um animal não-humano arquear a coluna por causa do peso de seu futuro? Não! Mas entre nós, simetria perfeita não há. Todos nós temos algum problema de coluna, por menor que seja. Ao que acham que isso se deve? Sabe, tenho medo que a minha musculatura fique exageradamente enrijecida com todos esses chutes que me dão ou que eu sinto estarem a me dar sem parar, dia após dia. Não faz muita diferença se dão ou não. Esse est percipi, já dizia o filósofo. Como, como então arrancar do peito toda essa esperança que transborda em mim e que me pune e me fustiga diariamente?
quarta-feira, julho 26, 2006
Morte
Algumas pessoas morrem para doar a própria vida, outras pessoas doam a própria vida para morrer.
segunda-feira, julho 10, 2006
Vento
Eu corro para sentir o toque suave e gelado do vendo sobre a minha face. Depois de avaliar bem o caminho, fecho os olhos, por alguns poucos segundos, para me concentrar nesta sensação. É como uma mão doce a me acariciar. Não é quente como a humana, mas é terna e envolvente. É o afago da mãe natureza.
domingo, julho 09, 2006
Culpa
É preciso muita força de vontade para expurgar-se de todos os pensamentos ruins. A natureza humana falhada é um golpe natural contra a virtude. O caminho que preciso percorrer ainda é muito longo. Mesmo não vendo, no horizonte, qualquer chegada, continuarei firme. Mas hoje senti que me desviei um pouco da rota. Angustiei-me. Ouço os violoncelos de Bach e é como se eles não estivessem contentes comigo. O som está áspero, corta-me a carne, a alma.
sábado, julho 08, 2006
Só
Só se sente só quem alimenta a sua própria solidão. Só se sente só quem espera que alguém venha assisti-lo. Ora, mas se você já tem um espectador fiel, disponível 24 horas do dia, compreensivo e íntimo, por que depositar tanta ansiedade em uma assistência externa inconstante, ausente, estranha e truculenta? Rodopeie os ouvidos e os olhos em 180 graus e assista o seu próprio espetáculo. Dê-se o alento, o carinho e a atenção de que precisa. Sim, reuna forças, pois é mais fácil lamentar e se ruir sobre a fraqueza. Não seja um fraco tentando conquistar a atenção alheia pela compaixão. Não se humilhe. Simplesmente seja, exista para si e em si.
Sentido
Ontem me perguntaram o que eu fiz ao longo da minha vida toda. Essa é uma pergunta que atordoa, pois inicialmente ficamos tentados a buscar na memória grandes feitos e, não os encontrando, corremos o risco de julgar a própria vida sem sentido. Resolvi, então, indagar o que são grandes feitos. Realizações que, por um motivo ou outro, são elegíveis ao registro histórico? Três ou dois mil anos atrás, atos heróicos em uma batalha eram elegíveis ao registro histórico. Alexandre, Cézar e Átila são por isso lembrados. Hoje tais atos não são mais elegíveis, muito embora, em qualquer batalha moderna, ainda haja um ou outro a agir brava e heroicamente. Em uma sociedade centrada no conhecimento, descobertas científicas são mais elegíveis ao registro histórico. Sim, hodiernamente, um grande feito seria descobrir uma vacina para a AIDS, unificar a física quântica e a da relatividade ou solucionar alguns dos problemas matemáticos formulados por Hilbert no século passado. Não há, assim, grandes feitos em absoluto. Natural que seja assim. Feitos há aos montes e qualquer vida terrena realiza vários deles. "Grande", "pequeno" ou "insignificante" são adjetivos que lhes iremos aplicar conforme a nossa ordem de valores. Minha vida é insignificante se procurar nela realizações científicas de grande feitura. Nem eu busco engrandecê-la com tais realizações. Por outro lado, minha vida está longe de ser insignificante aos meus olhos se a julgo como uma busca por humanização. A busca por um sentido é incessante, mas há tantos recortes possíveis que encontrar um sentido único e preciso é tão difícil quanto não encontrar nenhum. Com olhos bem abertos, cada um pode encontrar o seu caminho. E eu não preciso de holofotes sobre mim para merecer a luz do sol.
sábado, julho 01, 2006
Atenção
Todos estão cansados de saber o quanto essa cena é freqüente, essa que narrarei logo em seguida. Mas saber é uma coisa, perceber o seu impacto emocional, é outra. Quem a vê, sente melhor o quanto essa situação é ruim. Lá estavam eles desfrutando o almoço. Ela tinha olhos meigos e carentes. Olhos de quem se sentia constrangida. Olhava para o prato, comia, olhava para o marido, mas, como este não a olhava, ela procurava, ao redor, pessoas que estivesse percebendo a sua falta de atenção. Assim ela me viu algumas vezes. Este ciclo repetiu-se durante uns quarenta minutos. O tempo inteiro permaneceram calados. Mas ele não falava por ter o silêncio como hábito. A razão do seu silêncio era uma atenção muito bem dirigida. Logo acima dele, havia uma televisão, onde passava um jogo de futebol. Não, não era um jogo do Brasil e, se fosse, também não justificaria o seu comportamento. Ele impassível, ela envergonhada. E eu me perguntava, como, como não dar atenção gratuitamente, sem esforço, mas com prazer, a quem lhe quer e que supostamente você ama?
sábado, junho 24, 2006
Virtual
Cansei de ser um nick, um contato, um e-mail, um endereço, um blog, uma página, um link, uma mensagem, um amontoado de palavras em uma tela, um par de olhos em uma outra. Ser apenas tudo isso é muito pouco. No entanto, é mais fácil lidar com um ser que é apenas tudo isso. É mais domésticável, é mais olvidável, é mais guardável, é mais postergável, é, enfim, mais apagável. Nunca a existência foi ao mesmo tempo tão múltipla e efêmera.
quinta-feira, junho 22, 2006
Eco
Pensava que a maior bairreira entre mim e as pessoas fosse a timidez. Mas não é. Embora eu a tenha em grande medida, consigo enfrentá-la. Domino-a, quando necessário. Mesmo tremendo por dentro, arrisco-me, ofereço a face para que a vida a esbofeteie, se lhe aprouver. A maior barreira é o meu silêncio. E a sua causa não é a timidez. Não, há coragem suficiente para me pôr a falar. A causa do meu silêncio externo é o meu silêncio interno. Simples falta do que dizer. Sou, por isso, um excelente ouvinte.
domingo, junho 18, 2006
Nascimento
Minha mãe diz que praticamente não chorei ao nascer. A verdade é que eu estava ansioso para observar o mundo e meus berros seriam um obstáculo. Fiquei ali, em silêncio, observando aqueles que me observavam, buscando absorver ao máximo a nova realidade que me impactava; sintonizava cada um dos meus canais perceptivos no que tinham para me ofertar. Deslumbrei-me com o mundo. Mas esta escolha fundamental que eu fiz, ao nascer, teve conseqüências. Naquele instante, fixei a minha atitude mais de observador e menos de agente diante do mundo. Escolhi a percepção em detrimento da ação. Sim, é verdade, preciso agir para potencializar a minha percepção. Mas o seu máximo demanda apenas um mínimo de ação. Tivesse eu urrado ao nascer, tivesse eu me deslumbrado não com o mundo, mas com a minha força, com a minha vontade, eu seria hoje uma pessoa completamente diferente. Eu não lamento. Os dois modos de ser, quando vividos intensamente, são autênticos. Mas eu me escolhi, ali, naquele instante em que nasci.
sábado, junho 17, 2006
Separação
Discussões não combinam com parques. Mas eles discutiam. Preocupado com a resposta que ela lhe daria até segunda-feira, ele fazia visível resistência para acompanhá-la. Ela, por outro lado, não queria perder o ritmo da sua caminhada. A resistência dele foi o sinal que ela precisava para perceber que ele já não mais a acompanhava em nada, muito menos em uma simples caminhada. Naquele instante, ela se decidiu e resolveu lhe antecipar a resposta: estava tudo terminado. Ele tentou protestar, mas já era tarde. A vida é assim, cheia de situações com pequenas causas que se transformam em grandes efeitos.
terça-feira, junho 13, 2006
Humanidade
Pessoas vivendo próximas umas das outras, atadas por laços de sangue, às vezes se cuidam menos que pessoas distantes sem parentescos. Meu tio mora em uma cidade habitata por pelo menos mais dois de seus irmãos e alguns sobrinhos. Mas ninguém percebeu a gravidade do seu quadro, a sua provável demência. Em seu quarto, foram encontrados vários ratos mortos em estado de putrefação, com os quais ele convivia. Doces espalhados por todo lado. Ele era diabético. Mas ninguém viu, ninguém viu... Não falo isso para culpar alguém. Falo isso apenas para me lembrar que posso frequentemente ser uma dessas pessoas que não vê o que se passa ao redor, que devo tentar ser mais humano.
domingo, junho 11, 2006
Sonho
Às vezes, o passado brota do nada. Desta vez, ele veio na forma de um sonho. Estávamos juntos novamente. Ela parecia feliz, eu também. Nossos corpos estavam sedentos, se enlaçavam e se sorviam. Mas havia em seu rosto uma indecisão, como se tudo aquilo fôsse efêmero. Eu olhava fundo em seus olhos, mas não conseguia obter resposta alguma. Então nos afundávamos na sensação. E, por mais prazeroso que fosse, me angustiava. Acordado, passei o resto do dia olhando para trás.
Vocês
Onde quer que vocês estejam, eu penso em cada um de vocês, desejando-lhes o melhor. Sim, vocês que eu mantenho vivos em minhas memórias, vocês que estarão sempre comigo, vocês que, em algum momento, deram-me uma fração de sua existência, de seu olhar, de sua atenção. Com cada um de vocês pude sentir o que é saborear a vida. Por mais longe que estejam no tempo e no espaço, estarão sempre em mim, vivos através da minha vivência. Esquecer de vocês equivaleria a esquecer-me, a esquecer de todas as vezes em que pude me ver pelo reflexo ocular. Ter um passado é uma dádiva.
quarta-feira, junho 07, 2006
Tio
Enquanto o meu pai relatava o estado deplorável em que ele foi encontrado, eu fazia um esforço enorme para evocar as melhores lembranças que tenho dele. Eis que me vejo, então, com a cabeça para o lado de fora da sua Brasília, tomando vento na cara e rindo grande. Aquele teto solar era o deleite dos seus sobrinhos. Ele sempre sorrindo e fazendo graças. Endurecia a barriga e pedia para que o socássemos o mais forte possível. "Nem Hulk pode comigo!", dizia ele. Impossível chupar uma bala de mel e não lembrar das que ele nos dava. Sempre tinha uma no bolso. Nunca vi um átomo de maldade em seu coração.
sábado, junho 03, 2006
Jonathan
Jonathan, Jonathan que foi abusado e abandonado na infância, Jonathan que teve uma mãe esquizofrênica; mãe que se tornou esquizofrênica em um longo tratamento a base de choques. Jonathan, Jonathan que era gay, que me faz lembrar do meu irmão: bonito, inteligente e exageradamente sensível. Sensibilidade que os deixa sempre oscilando entre o desespero profundo e a criatividade explosiva. Assistam Tarnation.
quinta-feira, junho 01, 2006
Carência
Jamais esquecerei o retrado da carência humana no rosto daquela dona de casa. Suas palavras foram mais ou menos assim: "Tudo que eu idealizava, mas nunca encontrava no mundo e pensava que não poderia existir, eu encontrei aqui, na herbalife. Hoje eu sou uma pessoa completa.". Completa na ilusão.
terça-feira, maio 30, 2006
Olhos
Hoje um vizinho com o qual falei apenas duas vezes veio me pedir para acompanhá-lo amanhã num jantar de formatura de um curso. Disse-me que pediu à irmã e ela negou, pediu a um amigo e ele negou. Pediu a outros vizinhos e eles negaram. Ele não precisava ter me falado de todas essas negativas, eu já tinha visto em seus olhos que era importante para ele não ir sozinho. Mas ninguém se dignou a olhar para os seus olhos. Eu olhei, então eu vou.
sábado, maio 27, 2006
Decisão
A decisão tem uma face, um rosto? Tem si, eu a vi ontem. Não era a minha, mas a de outrem. Ela veio ao meu encontro vagarosamente. A decisão transformadora é lenta. Ela carece deste tempo para solidificar a sua firmeza. A decisão é também completamente interna. Eu vi isso enquanto olhava para ela, indiferente ao mundo. Ou melhor, indiferente ao mundo físico, mas intensamente imersa no seu mundo vivido. Era um olhar cego para fora e vivo para dentro. Por que olhar para si, ao decidir? Ora, para se sentir através do que vê. A decisão é emocional. No rosto daquela mulher eu pude ver que a sua vida estava sendo assistida. Como se assim ela pudesse sentir como retomá-la em suas mãos. Não decide quem não se escuta.
quarta-feira, maio 24, 2006
Menino
Durmo olhando para o menino que ainda sou. Sempre achei difícil me desgarrar do passado e, quando posso, tento resgatá-lo para o presente. É o medo da perda. Mas é pelo medo da perda que acabo me perdendo. É no presente, no espelho que devo me encontrar.
segunda-feira, maio 22, 2006
Outros
Outros aparecem em cena e eu submerjo novamente no limbo. Por que agimos de modo tão egoísta? Os outros pela indiferença, eu por reclamar da indiferença.
Barco
Um barco que navega sozinho e se conserta sozinho, mesmo em alto-mar. Ele não precisa de uma direção, já que não carece de porto algum. Seu único destino é navegar. Vasculhar os mares que o mundo lhe oferece. Talvez ele os percorra todos, talvez não. Enfrentará tempestadas e aprenderá a suportá-las. É possível que venha a desejar desafiá-las. Sente melhor o seu casco quando a água bravia tenta cortá-lo ao meio. A sombra da destruição é o meio pelo qual ele ascende à vida. Passará por mares calmos e aprenderá também a suportá-los. Ali, quase sem vento, correrá o risco de se esquecer. A sombra da permanência é o meio pelo qual ele ascende ao esquecimento e à morte. Para sair daí só remando com a sua própria força. E assim navegará, sempre. Devo me satisfazer com esta imagem?
quarta-feira, maio 17, 2006
Fluxo
Pode-se viver uma vida inteira em alguns poucos instantes. É desumano. É humano. Pode-se passar uma vida inteira sem viver um instante sequer. É humano, é desumano.
terça-feira, maio 16, 2006
Certeza
Certezas são como represas que por mais bem reforçadas que estejam jamais poderão imepedir a força explosiva de águas incertas. Medos minam a mais bela das certezas. Tenho visto isto e sentido o seu efeito.
segunda-feira, maio 15, 2006
Presença
Não consigo me libertar dessa imagem que consome todos os meus pensamentos, todas as minhas sensações. Há uma outra presença em mim que não sou eu. Não se trata agora de algo que vi ou observei. É mais forte, é mais intenso, é mais real. Não posso dizer que a percebi, pois está além dos meus cinco sentidos, mas sim, eu a sinto. Está bem aqui dentro de mim.
domingo, maio 14, 2006
Surpreso
Uma imagem sem imagem. Não a via, para dizer a verdade, mas podia sentir seus dedos e seu olhar curioso sobre o que há de mais etéreo e verdadeiro sobre mim. Eu lhe respondia com sorrisos que ela também não podia ver, embora estivesse em posição vantajosa. Quando nos despedimos, fui embora ainda surpreso, sem encontrar uma razão para aquelas pupilas tão penetrantes. O que ela teria visto e como o teria visto? De qual ângulo me percebe? Senti-me como um quadro mais belo do que seria capaz de pintar.
quarta-feira, abril 26, 2006
Mary Jane
Sim, era uma Mary Jane embrutecida. Os traços não eram tão delicados, mas tinham a mesma forma. Era o tipo de mulher que trocaria o namorado de dois anos por uma paixão de fim de semana sem qualquer remorso ou sofrimento. Mulher de desejos e interesses, desumana e maligna. Percebi isso enquanto a via comendo impassível. Ainda assim, cativou os meus olhos com a sua lembrança externa de Mary Jane.
segunda-feira, abril 10, 2006
Nojo
Aquele nariz empinado só servia para exibir a sua frescura. A abrobinha era meticulosamente raspada, repelindo, em seguida, a sua casca. Olhos indignados, ofendidos. Como ela, uma princesa, ogra, para falar a verdade, poderia estar sendo submetida àquela refeição? Indignado fiquei eu.
quarta-feira, abril 05, 2006
Rostos
No meio daquela balburdia, entre rostos que não são vistos, saltaram diante de mim aqueles olhos ternos. Desta vez, estavam com uma moldura preta, mais grossa, mas, nem por isso, menos delicada. Foram breves segundos, mas suficientes para que o seu rosto se destacasse da multidão e eu pudesse mirar em teus olhos e ela nos meus.
sábado, abril 01, 2006
Passadas
Rápidas passadas, toda de preto, balzaquiana. Suprimia as baforadas do cansaço com um semi-sorriso. Seus óculos escuros me impediram de perceber onde seus olhos pousavam. A música no seu fone de ouvido era alta, pude ouvi-la, mas não identificá-la. Sempre rápida, decidida.
quarta-feira, março 29, 2006
Bandejas
No fundo, bandejas metálicas latejantes. Era a parte realmente mais barulhenta do refeitório. Seu sorriso acompanhava a intensidade das batidas. O tempo todo esteve com ele no rosto. Alias, era-me familiar, semelhante ao de uma conhecida agora já desconhecida. Sua mão destra envolvia o garfo completa e rigidamente para cortar. Olhou-me poucas vezes, é verdade. Ela estava mais interessada na cacofonia das bandejas.
terça-feira, março 28, 2006
Olhares
Mãos canhotas sobre a mesa, olhares encontrados. Doce olhar, rodeado de um lápis cinza escuro. Parecia querer falar-me. Unhas um pouco grandes em uma mão delicada, grande, mas suave. Comia pouco para a sua altura. Queria ter visto um sorriso entre os seus lábios, aliás, grandes e carnudos, e agora a minha memória o constroi visualmente para mim.
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