terça-feira, novembro 27, 2007

Belo Horizonte

Confesso que senti inveja da cidade que me abrigou por tanto tempo. Deu até um pingo de saudades. Veja.

E num dia desses, sentou no banco da frente, no mesmo ônibus costumeiro, uma mineira de BH. Fosse só mineira, não daria nada. Mas ela começou a falar com a amiga sentada ao seu lado de situações e lugares que me foram próximos. Falou do CMBH, da festa da Poeira, que uma vez ajudei a organizar, quando prestei serviço militar obrigatório e, por fim, citou a minha imponente e saudosa UFMG.

Mas da UFMG, para falar a verdade, eu me lembro e sinto saudades quase todos os dias ao entrar na biblioteca e nos banheiros da UFPR...Não vou nem comparar a diferença monumental dos acervos, pois seria grotesco da minha parte, mas puxa, há 8 anos atrás, quando iniciava o meu mestrado em filosofia na UFMG, eu podia fazer reservas e renovações dos livros pela internet, ao consultar o livro, tinha acesso a desenhos que mostravam, no ambiente da biblioteca, a localização da sua estante, aqui me ofertam apenas uma consulta online muito da porca e a renovação, que não pode ser feita pela internet, tem de ser presencial, se limita a uma única vez por não terem um sistema simples de reservas que impediria um aluno de renovar um livro indefinidamente. Não vou nem comentar que aqui só posso emprestar dois livros simultaneamente...

sábado, novembro 24, 2007

A caminhada

A labuta obstinada e incessante recompensa sempre o autor, inventor ou artista, conferindo em suas mãos e mentes os artefatos e as capacidades necessárias para esculpir as suas obras com primor e perfeição. Sim, concordo com a F. que o caminho retilíneo, sem dúvidas, sem paradas, sem mudanças, é, ao menos no mundo euclidiano, o mais curto até a criação cristalina. Contudo, não podemos desprezar a importância do vadio que erra pelo mundo sem propósito, desbravando paisagens inauditas, ainda que apenas para colocar por onde passa uma placa grosseira que será depois meticulosamente pintada e polida pelo artista.

As coisas só não ficam bem, para o vadio, quando ele não aceita o seu destino e se compara com o artista, queixando-se da falta de retidão, incomodando-se com o seu andar em ziquezague, procurando retroativamente, em desespero, uma ligação entre as paisagens visitadas. Tudo em vão. O vadio só vai conseguir tirar proveito da sua situação, forjando olhos para o inusitado, com alegria e vivacidade, quando aceitar a sua existência paradoxal, quando perceber que o seu propósito é justamente não ter propósito algum, que ele não anda para chegar em algum lugar, mas simplesmente para andar, a fim de que sempre tenha alguém andando.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Força

Até que ponto está em suas mãos não se deixar afetar pelo que acontece nas imediações, pelo que te fazem ou deixam de fazer? Uma sensação nos atropela. Reagimos emocionalmente ao mundo e às pessoas sem um ato de reflexão, o corpo se modifica em piloto automático, para o seu bem ou mal, como anjo ou algoz. No entanto, sinto emanar de mim uma força, uma vontade, uma capacidade de resistir a um pensamento penoso que se reitera segundo após segundo diante de uma emoção que tenta me sugar e engolfar em lágrimas. Uma luta caótica, um eu que se cinde, que se ataca e se defende. Agora ele apenas sorri, vitorioso, imaginando, antecipando, o vento fresco que buscará na aurora do dia junto com o azul que lhe cobrirá os olhos, e as pernas que libertará para correrem vadias o mundo que o encanta.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Testa

A testa deveria ser um letreiro luminoso onde apareceria o nome do livro que a pessoa está lendo no momento. Poxa, a moça passou o percurso inteiro do ônibus com um sorriso na boca enquanto lia o seu livro. Provavelmente era de literatura, pois pude identificar que era um daquela coleção de bolso da Martin Claret, mas não consegui ver o título. Saco, agora vou ter de morrer na curiosidade. E o trecho deveria estar realmente muito bom, pois ela não desfez o seu sorriso em nenhum momento. Qual era o contexto, o que estava acontecendo, qual era a história? Ó céus!

sábado, novembro 10, 2007

Há males que vem para bem

Alguns vieram me dizer que Alfredo é um puto por ter roubado e rasgado a carta alheia, infligindo um sofrimento gratuito e injusto sobre o remetente. Como conheço todas as partes envolvidas nesta história e, posso assim, portar-me, no relato, como ser onisciente, saio em defesa de Alfredo em virtude do que vim a saber. Apesar da sua má intenção, Alfredo acabou fazendo bem ao remetente quando liquidou com a carta. Sejamos sinceros, eu conheço bem a vizinha de Alfredo e a verdade é que o melhor sentimento que ela conseguiu sentir pelo remetente foi a compaixão. Nada mais. Não vou dizer que nada menos também, pois eis aqui o nó da questão. Sabe quando a mulher, após achar graça e se envaidecer ao perceber olhares interessados, começa a se incomodar com a persistência desses mesmos olhares e, por fim, toma nojo deles se não sente nenhum interesse correspondente? Pois é nesse limiar que encontramos a vizinha de Alfredo. Vivida e experiente, já vinha percebendo a comoção que a sua presença provocava no remetente, mas não levou muito a sério, imaginando que a sua frieza lhe mataria mais cedo ou mais tarde a esperança. Para o seu infortúnio, o delírio parece ser apanágio dos apaixonados e mesmo diante de um comportamento que qualquer um veria como irritação ou rejeição, o remetente interpretava como desatenção, timidez ou mesmo um jogo de sedução, que, certamente, só na sua cabeça fazia algum sentido. Um coitado, falemos a verdade, mas nem por isso incapaz de despertar o desprezo crescente da vizinha. Eis então que Alfredo salva o remetente de cair sob a mira do ódio ao rasgar a sua carta patética, pois era o estopim que faltava para ela se explodir em uma rejeição definitiva, em um nojo sem volta.

Vários dias se passaram, reinando entre a vizinha e o remetente o mais profundo silêncio. Hoje a angústia do remetente não é mais a da espera e sim a do arrependimento, pois já não está mais febril como antes. Mal sabe ele que desta vergonha está livre graças ao puto do Alfredo.

Introversão

Eis aqui um bom texto sobre o que é a introversão e como introvertidos se comportam. Tenho de concordar com o autor que a maior dificuldade do introvertido é se fazer entender para um extrovertido, explicar para ele que precisamos de momentos de solidão após uma interação social, que não desejamos estar na companhia de outros seres humanos o tempo inteiro e que isso não é sinônimo de gostar menos ou de frieza e muito menos de infelicidade ou tristeza. Já cansei de ver extrovertidos me olharem com aquela cara de compaixão depois de tomarem ciência dos poucos amigos que possuo ou dos longos tempos que passo sozinho na minha agradável companhia. O extrovertido simplesmente projeta sobre o introvertido o seu sofrimento ou angústia de quando está só, de quando o seu celular fica sem tocar ou receber mensagens por uma hora, levando-o quase ao pânico. A ele só me resta dizer que não tenho esse tipo de sofrimento e, por isso, sua compaixão é completamente sem sentido. No final, sou eu quem acabo ficando com pena do extrovertido pela sua falta de capacidade de se colocar no lugar do outro. O extrovertido precisa entender que o introvertido está bem quando procura a reclusão. Ou melhor, ele procura a reclusão justamente para ficar bem e sente-se feliz ao usufruí-la.

O texto também distingue apropriadamente a introversão da timidez e da misantropia. Essas características não andam necessariamente juntas em uma pessoa. Indivíduos introvertidos podem fazer discursos para grandes públicos sem um cisco de nervosismo ou apreensão. Mas certamente procurarão a reclusão após a fala. No meu caso, além de introvertido, também sou tímido, mas essa conjunção de características na minha pessoa é acidental. E não vejo em mim nada que possa me caracterizar como anti-social. Muito pelo contrário, minha calma e paciência fazem com que o meu trato com os outros, mesmo desconhecidos, seja, em princípio, bem amigável. Esses dias mesmo passei a cumprimentar o vigia de um restaurante que fica no meu caminho de retorno para casa. Eu sempre passava ali e o via e ele a mim também, por que não saudá-lo, na sua sim solidão obrigatória, labutada, talvez sofrida, com um "boa noite" ou "tudo bem"?. Sociabilidade não tem nada a ver com falar pelos cotovelos. Conheço, aliás, pessoas extrovertidas que são exageradamente irascíveis, que se deixam afetar visivelmente por qualquer contrariedade e, portanto, são muito mais anti-sociais do que eu.

Lembro quando falei pela primeira vez ao meu irmão, então com os seus 15 ou 16 anos, que eu precisava ficar só depois de passar um bom tempo mesmo com as pessoas que eu mais gostava, os familiares, os amigos ou a namorada. Ele reagiu com espanto, interpretando o meu comportamento como indício de que gostava menos dos meus familiares que eles de mim, por exemplo. Não é nada disso. Se posso colocar a matéria de uma forma clara, é essa: depois de um certo tempo interagindo com outras pessoas, sinto saudades colossais de mim, de falar comigo, de pensar comigo e, neste momento, a reclusão se torna um imperativo, uma necessidade da qual não posso, sem sofrimento, me furtar. Por sorte, o meu irmão acabou me entendendo. Infelizmente, não é sempre assim.

sexta-feira, novembro 02, 2007

Espera

Carta que Alfredo roubou da vizinha, antes que ela lhe pusesse as mãos. Ele ainda não sabe se vai entregá-la, é o destino de duas vidas em sua mãos. No entanto, tudo indica que o desenrolar da história já tem um destino previsível. Ele entregar ou não a carta terá apenas o efeito de antecipar ou retardar a espera angustiada do outro, o remetente. Mas quem disse que Alfredo não aprecia um pouco de sadismo?

Fico me perguntando se deveria me calar, aceitar a percepção que se me
apresenta como evidente, fazendo com que o tempo encubra com montes de
areia o sentimento que hoje é latente, sentimento solitário, sem
par. Ganho ou perco ao falar? Não sei, realmente não sei. Sei apenas
que, ao falar, cristalizo a verdade, mato a esperança que tece
ilusões. Não é nada elegante o que vim aqui fazer, sim, eu sei, e já
imagino você franzindo a testa achando isso tudo um grande absurdo. E
não deixa mesmo de ser. Mas acaso há alguma retidão no que a gente
sente? Na verdade, até tem, posto que nenhum sentimento nasce do
nada, ele tem uma história, uma gênese. Se o torna racional, eu não
sei, mas é certo que faz dele um pedacinho de si, para o qual você
olha e se reconhece. Quando a vi pela primeira vez, voltei para casa
com o gosto da admiração na boca. Mas sem comoção, apenas deslumbre,
afinal, ainda estávamos deslizando sobre a superfície das
aparências. Mas calhou de nos vermos mais e mais vezes, muitas vezes e
nesse vaivém pude começar a conhecer os detalhes, a ver um pouco mais
a fundo, pincelar seus meandros. Aos poucos, a admiração foi ganhando
um tom emocional e quando eu me dei conta do que se passava comigo, já
não era mais possível olhar para as tuas mãos de mulher e não imaginar
as minhas a apertá-las, ver teus lábios e não desejar beijá-los,
acordar pela manhã e não me perguntar pelo seu bem-estar, ouvi-la
falar e não me deixar levar pela musicalidade do seu timbre.
Não me tomes por exagerado, não dei nenhum nome
para o sentimento aqui declarado, nem pretendo pintá-lo com mais cores
do que possui. Ele ainda é fetal, germinal e antecipo o seu parto
justamente para lhe dar um fim antes que nasça por completo. Só venho
pedir pelo teu "não" claro e explícito, pois mesmo que eu já o tenha
intuído, a esperança não me deixa escutá-lo. Só o teu "não" tem a
capacidade de penetrar em minha alma com a verdade verdadeira,
derradeira. Ajude-me a abortar esse bem que só me faz mal!


Alfredo sorri, desponta em seu íntimo a curiosidade pela vizinha que até então ele só havia visto algumas vezes de relance. Em causa própria, rasga a carta. Sua moral é rasa, pragmática, o mero amor possível lhe alivia a consciência do delito cometido. Já sente, aliás, raiva e ciúmes do rival, o pobre e desavisado remetente, que, pelo andar da carruagem, amargará ainda mais com a sua espera angustiada.