Alguns vieram me dizer que Alfredo é um puto por ter roubado e rasgado a carta alheia, infligindo um sofrimento gratuito e injusto sobre o remetente. Como conheço todas as partes envolvidas nesta história e, posso assim, portar-me, no relato, como ser onisciente, saio em defesa de Alfredo em virtude do que vim a saber. Apesar da sua má intenção, Alfredo acabou fazendo bem ao remetente quando liquidou com a carta. Sejamos sinceros, eu conheço bem a vizinha de Alfredo e a verdade é que o melhor sentimento que ela conseguiu sentir pelo remetente foi a compaixão. Nada mais. Não vou dizer que nada menos também, pois eis aqui o nó da questão. Sabe quando a mulher, após achar graça e se envaidecer ao perceber olhares interessados, começa a se incomodar com a persistência desses mesmos olhares e, por fim, toma nojo deles se não sente nenhum interesse correspondente? Pois é nesse limiar que encontramos a vizinha de Alfredo. Vivida e experiente, já vinha percebendo a comoção que a sua presença provocava no remetente, mas não levou muito a sério, imaginando que a sua frieza lhe mataria mais cedo ou mais tarde a esperança. Para o seu infortúnio, o delírio parece ser apanágio dos apaixonados e mesmo diante de um comportamento que qualquer um veria como irritação ou rejeição, o remetente interpretava como desatenção, timidez ou mesmo um jogo de sedução, que, certamente, só na sua cabeça fazia algum sentido. Um coitado, falemos a verdade, mas nem por isso incapaz de despertar o desprezo crescente da vizinha. Eis então que Alfredo salva o remetente de cair sob a mira do ódio ao rasgar a sua carta patética, pois era o estopim que faltava para ela se explodir em uma rejeição definitiva, em um nojo sem volta.
Vários dias se passaram, reinando entre a vizinha e o remetente o mais profundo silêncio. Hoje a angústia do remetente não é mais a da espera e sim a do arrependimento, pois já não está mais febril como antes. Mal sabe ele que desta vergonha está livre graças ao puto do Alfredo.
sábado, novembro 10, 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Nossa, que reviravolta! Gostei!
Postar um comentário