terça-feira, maio 20, 2008

Da Queda

Parece que foi outro dia que subi a escada eufórico gritando para a minha irmã, "nasceu, nasceu, é menino". Urrei tão alto que quando ela foi contar a novidade na escola para a vizinha amiga, recebeu em resposta: "eu já sei, ouvi o seu irmão". Veio ao mundo gigante, quatro quilos e não sei lá quantas. Um bebê forte, força que eu espero ele ainda ter agora quando mais precisa...Eu tinha então nove anos quando ele nasceu. Eu era constantemente convocado para tomar conta dele e gostava. Lembro em especial de um ursinho azul que usava para fazê-lo gargalhar, aquela gargalhada gostosa de bebê que só de ouvir nos faz rir também. Eu esfregava o ursinho na sua barriga e obtinha o efeito. Até hoje não entendo qual era a graça, não creio que eram cócegas, mas vai lá saber como a esfregada do ursinho era percebida pela sua mente infante. Depois quando ele cresceu um pouco mais, com dois ou três anos, era uma beleza vê-lo na piscina mergulhando. Parecia que tinha nascido nadando. Não é exagero, todo mundo se espantava ao ver aquela coisa miudinha mergulhando, sem bóias. Com cinco e seios anos vinha sempre bater na minha porta pedindo para ir nadar com ele. Soltava a mesma gargalhada do ursinho quando eu o tirava da água e o lançava bem alto.

Desde sexta-feira estou assim, mnemônico, escavando a minha memória e imaginando o que ainda não vi e reluto em ver. Sonho com quedas, penso na queda, imagino a queda, seu corpo estendido no chão, seu crânio com afundamentos em vários lugares, não consigo parar de pensar, principalmente quando estou sozinho. As informações desencontradas, antes foi do terceiro andar, agora é do quarto. Antes tinham chamado o IML ao invés do socorro, agora parece que fizeram o correto. Antes não estava alcoolizado, agora parece que estava. Quase 5 anos sem colocar um pingo de álcool na boca e depois de um mês sozinho, tudo desaba. Uma festa da psicologia, ele bebe muito, ele vai para a casa delas, bebem mais, ele está agitado, elas vão para um quarto, ele para um outro, passa uma ou duas horas, elas escutam um barulho, vão para o quarto onde ele estava, não o vêm lá, olham pela janela e ele está estirado lá embaixo. Foi o que elas contaram. Será que algum dia ele vai recobrar a consciência para nos contar o que houve? Escorregou? Pulou? Se escorregou, foi azar fomentado pela burrice já que ele sabia que uma gota de álcool na sua boca chamaria outras milhares. Se pulou, teve o azar de não obter o fim pretendido. Sim, não é por ser o meu irmão e por amá-lo que vou mudar a minha opinião de que os suicidas devem ser respeitados pela sua escolha, ainda que eu não queira que as pessoas do meu afeto se matem e sofra se o fizerem.

Eu falei em burrice, mas estou sendo injusto. É muito fácil para um não-viciado falar que é burrice um alcoólotra ceder à sua cede etílica. E o que sei eu da intensidade da sua necessidade e desejo? Isso me faz pensar nas pessoas que ficam buzinando no ouvido daqueles que não bebem para beberem, que fazem cara de reprovação moral por não beberem, que oferecem drogas e exaltam seus efeitos; e eu me pergunto se essas pessoas que chegam sempre cheias das melhores intenções de divertimento, ah sim, claro, no fundo elas querem ver esse outro feliz como elas, tendo prazer, tendo lá as suas compreensões mais "ampliadas" do mundo, mas eu me pergunto se em algum momento elas se preocupam em saber se a sua "vítima" é ou não alguém facilmente susceptível ao vício. Não, não estou dizendo que o oferecido é o culpado pelo vício do outro, não retiro o livre-arbítrio deste último, mas devemos reconhecer também que o livre-arbítrio deste último não é tão livre assim e que o oferecido tem sim uma parcela de responsabilidade ao ofertar. As pessoas são diferentes e umas têm uma propensão muito maior a se viciar do que outras. Devemos ter isso sempre em mente.

Esse é um bom exemplo de porque a moral deontológica não funciona sempre, a moral que diz que uma ação é boa se foi motivada por uma intenção boa. Como diz o ditado, de intenções boas, o inferno está cheio. Que se dane a boa intenção de compartilhar com o outro a sua alegria gregária, sim, eu digo, enfie no rabo essa intenção. Seja utilitarista a este respeito, pense nas conseqüências do seu ato, pense que elas podem não ser boas e se há uma chance grande de não serem, evite-o. É o que você DEVE fazer. Vou colocar de uma maneira mais clara para você entender. Se você não sabe se uma pessoa tem alta propensão a viciar (pior ainda se sabe que tem) e dado o efeito devastador que é para uma pessoa viciar-se no que quer que seja, sim, se você ainda não se convenceu disso, leia "O Jogador" do Dosto, então parece moralmente recomendável que você não oferte a essa pessoa substâncias reconhecidamente como viciantes. Deu para pescar a idéia? Espero que sim...

Comecei pensando no meu irmão em tom triste e terminei moralizando em tom de revolta. E fico assim o dia todo mesmo oscilando. Eu penso nele estendido no chão e me entristeço, imagino seus colegas cheios de ofertas efusivas e me revolto. E só para deixar claro aos desavisados, eu não fiz uma apologia contra o uso de drogas ou bebidas, eu bebo, para início de conversa, eu fiz uma consideração moral sobre o ato de ofertar a terceiros drogas ou bebidas.

segunda-feira, maio 12, 2008

Da fraqueza amorosa

Concordo que se eu encarasse todos os dias o medo da perda, a possibilidade do fim, eu desenvolveria talvez uma musculatura emocional para suportar os tempos difíceis, mas esses olhos pequenos que a natureza me deu foram constituídos de tal maneira que eles não conseguem enxergar um palmo a frente se não houver no ambiente um mínimo, um pingo ou cisco que seja, de luz esperançosa. Você me dirá que eu deveria aprender a me virar no escuro, que cegos o fazem, mas talvez eu seja fraco para essas coisas. Ou não. Para falar a verdade, eu tenho mais medo de me acostumar com a escuridão a ponto de não sentir mais falta da luz do que da própria escuridão. Eu sei que uma coisa não implica a outra, sei que é virtualmente possível aprender a viver na escuridão sem cair de amores por ela, que é possível ser forte sem ser ao mesmo tempo indiferente. No entanto, será o forte forte o suficiente para jamais sucumbir à vontade de poder que é inerente ao exercício da sua força? Eu não sei, eu duvido. Nas entranhas de cada psiquê vive um Narciso. Quando ele é despertado pela sua vaidade, nada mais parece importar... Sabe, se ser forte implica em escravizar-se à vontade de poder, à contemplação vaidosa de si, então prefiro ser um fraco e continuar podendo amar um outro que não seja eu mesmo. Prefiro temer perdê-la a amar-me só e apenas.

Você não escuta esses pensamentos que me passam pela mente, já dorme. Eu não tenho sono, não quero dormir, quero continuar assim, velando o teu sono com a mão que acaricia a sua face, sentindo na pele o medo de perdê-la, esse medo que, na verdade, é apenas a face complementar do amor que tenho por ti.

terça-feira, maio 06, 2008

Concurso

Dois meses atrás recebi um e-mail do meu ex-orientador-substituto (sim, não foi possível terminar o doutorado com o "original") me convidando a participar de um concurso para professor na UFMG. Confesso que titubeei, pela UFMG apenas, é verdade. Nunca escondi minha opinião arrogante (ou não) de que a UFPR está alguns anos luz atrás da UFMG. Só que Belo Horizonte é quente demais para mim, tem uma feiúra desorganizada que fere meu senso estético libriano e poluída e morrada a ponto de me proibir caminhadas decentes sem precisar fazer uma viagem quilométrica até encontrar um lugar apropriado. Enfim, inviável. Tem um pró só que me faz falta: seu povo. Nas minhas idealizações, a cidade perfeita seria Curitiba com o frio que diziam fazer no passado e habitada por mineiros. Só pelo seu povo titubeei então com o tal concurso. Mas aí conheci uma pessoa muito especial, a qual, diga-se de passagem, não é curitibana, e a tentação dissipou-se na mesma velocidade com que ela me encantou. Na verdade, nem lembrava ou pensava mais no tal concurso, estava e estou em outra. Lamento, Belo Horizonte, você já me deu tudo o que tinha de me dar.

Eis que hoje recebo um e-mail de um professor daqui falando de um concurso para professor na UFPR. Certo que irei concorrer. Só estou titubeando quanto a direcionar toda a minha atenção para ele nos próximos meses ou mantê-la dividida entre o concurso e a computação. Decisões, decisões. Por mais pesadas e difíceis que sejam, eu as amo. Sinto-me vivo quando tenho de decidir. Ao mesmo tempo, oscilar o pêndulo novamente para a filosofia me faz sentir meio sanfona. Alguns ainda apontarão acusadores e dirão: você é indeciso e não sabe o que quer. Discordo. Sei sim. É que eu não quero uma coisa só, mas várias. Embora eu seja completamente monogâmico no relacionamento, sou promíscuo na minha relação com o saber. Um só não basta, careço de vários. Pronto, confessei. E ainda não decidi o que fazer!