sábado, junho 24, 2006

Virtual

Cansei de ser um nick, um contato, um e-mail, um endereço, um blog, uma página, um link, uma mensagem, um amontoado de palavras em uma tela, um par de olhos em uma outra. Ser apenas tudo isso é muito pouco. No entanto, é mais fácil lidar com um ser que é apenas tudo isso. É mais domésticável, é mais olvidável, é mais guardável, é mais postergável, é, enfim, mais apagável. Nunca a existência foi ao mesmo tempo tão múltipla e efêmera.

quinta-feira, junho 22, 2006

Eco

Pensava que a maior bairreira entre mim e as pessoas fosse a timidez. Mas não é. Embora eu a tenha em grande medida, consigo enfrentá-la. Domino-a, quando necessário. Mesmo tremendo por dentro, arrisco-me, ofereço a face para que a vida a esbofeteie, se lhe aprouver. A maior barreira é o meu silêncio. E a sua causa não é a timidez. Não, há coragem suficiente para me pôr a falar. A causa do meu silêncio externo é o meu silêncio interno. Simples falta do que dizer. Sou, por isso, um excelente ouvinte.

domingo, junho 18, 2006

Nascimento

Minha mãe diz que praticamente não chorei ao nascer. A verdade é que eu estava ansioso para observar o mundo e meus berros seriam um obstáculo. Fiquei ali, em silêncio, observando aqueles que me observavam, buscando absorver ao máximo a nova realidade que me impactava; sintonizava cada um dos meus canais perceptivos no que tinham para me ofertar. Deslumbrei-me com o mundo. Mas esta escolha fundamental que eu fiz, ao nascer, teve conseqüências. Naquele instante, fixei a minha atitude mais de observador e menos de agente diante do mundo. Escolhi a percepção em detrimento da ação. Sim, é verdade, preciso agir para potencializar a minha percepção. Mas o seu máximo demanda apenas um mínimo de ação. Tivesse eu urrado ao nascer, tivesse eu me deslumbrado não com o mundo, mas com a minha força, com a minha vontade, eu seria hoje uma pessoa completamente diferente. Eu não lamento. Os dois modos de ser, quando vividos intensamente, são autênticos. Mas eu me escolhi, ali, naquele instante em que nasci.

sábado, junho 17, 2006

Separação

Discussões não combinam com parques. Mas eles discutiam. Preocupado com a resposta que ela lhe daria até segunda-feira, ele fazia visível resistência para acompanhá-la. Ela, por outro lado, não queria perder o ritmo da sua caminhada. A resistência dele foi o sinal que ela precisava para perceber que ele já não mais a acompanhava em nada, muito menos em uma simples caminhada. Naquele instante, ela se decidiu e resolveu lhe antecipar a resposta: estava tudo terminado. Ele tentou protestar, mas já era tarde. A vida é assim, cheia de situações com pequenas causas que se transformam em grandes efeitos.

terça-feira, junho 13, 2006

Humanidade

Pessoas vivendo próximas umas das outras, atadas por laços de sangue, às vezes se cuidam menos que pessoas distantes sem parentescos. Meu tio mora em uma cidade habitata por pelo menos mais dois de seus irmãos e alguns sobrinhos. Mas ninguém percebeu a gravidade do seu quadro, a sua provável demência. Em seu quarto, foram encontrados vários ratos mortos em estado de putrefação, com os quais ele convivia. Doces espalhados por todo lado. Ele era diabético. Mas ninguém viu, ninguém viu... Não falo isso para culpar alguém. Falo isso apenas para me lembrar que posso frequentemente ser uma dessas pessoas que não vê o que se passa ao redor, que devo tentar ser mais humano.

domingo, junho 11, 2006

Sonho

Às vezes, o passado brota do nada. Desta vez, ele veio na forma de um sonho. Estávamos juntos novamente. Ela parecia feliz, eu também. Nossos corpos estavam sedentos, se enlaçavam e se sorviam. Mas havia em seu rosto uma indecisão, como se tudo aquilo fôsse efêmero. Eu olhava fundo em seus olhos, mas não conseguia obter resposta alguma. Então nos afundávamos na sensação. E, por mais prazeroso que fosse, me angustiava. Acordado, passei o resto do dia olhando para trás.

Vocês

Onde quer que vocês estejam, eu penso em cada um de vocês, desejando-lhes o melhor. Sim, vocês que eu mantenho vivos em minhas memórias, vocês que estarão sempre comigo, vocês que, em algum momento, deram-me uma fração de sua existência, de seu olhar, de sua atenção. Com cada um de vocês pude sentir o que é saborear a vida. Por mais longe que estejam no tempo e no espaço, estarão sempre em mim, vivos através da minha vivência. Esquecer de vocês equivaleria a esquecer-me, a esquecer de todas as vezes em que pude me ver pelo reflexo ocular. Ter um passado é uma dádiva.

quarta-feira, junho 07, 2006

Tio

Enquanto o meu pai relatava o estado deplorável em que ele foi encontrado, eu fazia um esforço enorme para evocar as melhores lembranças que tenho dele. Eis que me vejo, então, com a cabeça para o lado de fora da sua Brasília, tomando vento na cara e rindo grande. Aquele teto solar era o deleite dos seus sobrinhos. Ele sempre sorrindo e fazendo graças. Endurecia a barriga e pedia para que o socássemos o mais forte possível. "Nem Hulk pode comigo!", dizia ele. Impossível chupar uma bala de mel e não lembrar das que ele nos dava. Sempre tinha uma no bolso. Nunca vi um átomo de maldade em seu coração.

sábado, junho 03, 2006

Jonathan

Jonathan, Jonathan que foi abusado e abandonado na infância, Jonathan que teve uma mãe esquizofrênica; mãe que se tornou esquizofrênica em um longo tratamento a base de choques. Jonathan, Jonathan que era gay, que me faz lembrar do meu irmão: bonito, inteligente e exageradamente sensível. Sensibilidade que os deixa sempre oscilando entre o desespero profundo e a criatividade explosiva. Assistam Tarnation.

quinta-feira, junho 01, 2006

Carência

Jamais esquecerei o retrado da carência humana no rosto daquela dona de casa. Suas palavras foram mais ou menos assim: "Tudo que eu idealizava, mas nunca encontrava no mundo e pensava que não poderia existir, eu encontrei aqui, na herbalife. Hoje eu sou uma pessoa completa.". Completa na ilusão.