sábado, setembro 20, 2008

As cores.



Eu diria que ela é uma artista coloral. Suas cores estão sempre em rica harmonia, cintilando meus olhos, me fazem lembrar das caixas de lápis de cor e massinha que ganhava quando criança no início das aulas. Passava horas contemplando a beleza das cores lado a lado, o azul celeste, o azul turquesa das águas das piscinas, o amarelo sol, o verde grama, o marrom tronco, o beje azulejo, o vermelho telhado, o cinza nuvem, infantil mesmo nas representações; as massinhas em barrinhas retangulares, macias de apertar, demorava-me enamorando-as antes de partir para a destruição tatual, gostava de fazer cobrinhas coloridas. O ciclo da massinha lembra o ciclo das vivências. Primeiro você se deslumbra com a nitidez e diversidade das cores, a novidade colorida. Depois a frustração entediante da massa acinzentada. Perdemos o interesse com o igual das coisas. Ela porém nunca se acinzenta diante dos meus olhos, mesmo na sua versão menos viva e colorida, ela desperta a reação de todos os meus bastonetes. Ela tem sede de cores invisíveis, de cores que não existem ou simplesmente de cores que estão além do nosso infante aparelho visual. Quantas lágrimas não pipocam dos seus olhos verde-negros borrados pela impercepção de todas essas cores transcendentes. Se pudesse, lhe daria uma caixa de lápis de cor com todas essas cores inomináveis. Eu que sempre fui muito cinza por fora e por dentro, tenho me sentido bastante colorido, tanto que até ela suspeita do meu acinzentado passado. Diz-me que era conversa fiada minha. Não era. Só que com o seu colorido presente tão vivo diante dos meus olhos, eu me esqueço do cinza de ontem e ignoro o de amanhã. Se alguma vez transpareci irritar-me com ela, confesso-o, foi comigo que me irritei profundamente por não conseguir irradiar uma nova cor que lhe despertasse o sorriso.

segunda-feira, setembro 08, 2008

Sinta mais e pense menos

Downhill Roller

Já passei da idade que me permitira ser assim tão destemido. O corpo é sábio e traz, junto com o envelhecimento, a compreensão do seu retardo para se recuperar. Daí a reação emocional mais medrosa diante de situações que coloquem a integridade do corpo em risco.

O corpo é tão sábio que se não o ouço claramente, se não me atento ao seu modo não-verbal e intuitivo de dizer-me as coisas, de indicar-me para que lado ir e com que força, sou lançado ao chão. É como tocar violão. A última coisa que se deseja em uma atividade motora é a intervenção da consciência reflexiva. Se ela brota, o desempenho será pífio. Notas erradas em um caso, cara no chão, no outro. Para todas as aprendizagens motoras, vale a máxima: sinta mais e pense menos.

Eu e os meus patins que o digam. É uma questão de foco. Não se concentrar jamais no que se deve fazer, quais ações tomar, mas sim no que se está fazendo, no produto. Concentrar-se sim na música produzida, no som, e os dedos irão para onde devem ir; jamais pense nos dedos ao tocar. Igualmente, jamais pensar em como mover as pernas; devo apenas sentir o meu corpo, o seu equilíbrio; concentrando-me nele, nessas sensações, evito a cara no chão.

terça-feira, setembro 02, 2008

Agora foi, mas do outro lado da força.

Parece inusitado que um aluno da graduação seja contratado para ser professor, ainda que substituto, deste mesmo curso e na mesma instituição. Eu não esperava que aceitassem a minha candidatura, mas um professor encorajou e lá no edital estava escrito que aceitariam títulos equivalentes de mestre. "Equivalência" sem critério não diz muita coisa, pode ser tanta uma coisa larga quanto restrita. E o professor foi categórico enquanto me encorajava: "filosofia é IA". Conforme entendamos esse "é", eu devo discordar, óbvio. Por outro lado, é inegável a penetração que uma disciplina tem na outra. Então apostei na equivalência dos meus títulos com os de informática/computação. Aceitaram.

Sobre as condições, bem melhores agora. Sou aluno do curso e, portanto, relativamente "conhecido". Não vou me desfazer do meu argumento da postagem anterior, ainda penso o mesmo. No entanto, preciso dizer: por mais cabaços que as pessoas de exatas "tendam" a ser, estas em específico, os examinadores, me surpreenderam, em primeiro lugar, ao aceitar a minha inscrição e, em segundo, ao mostrar uma tal atitude ética na avaliação que se esperaria encontrar mais facilmente naqueles que justamente teorizam sobre a coisa: os filósofos. Justamente o contrário. Posso estar pisando em falso, não tenho obviamente como provar que houve favorecimento no concurso para prof. substituto no departamento de filosofia, embora tenha ficado meio na cara. Muita conjunção providencial de uma vez só. Também não posso dizer que eu ser conhecido pelos professores que me examinaram no departamento de informática não tenha também me favorecido de alguma maneira. Certamente que sim. No entanto, os candidatos que deixei para trás também foram alunos não só do curso, mas também do mestrado do departamento, de modo que, se eu fui favorecido por ser conhecido, eles também foram.

O que de certa maneira me deixa puto. Puto por ter de reconhecer que filósofos possam adotar a moral das panelinhas com muito mais facilidade e estar mais fechados à alteridade que as pessoas das exatas. Na verdade, essa guerrinha humanas vs. exatas é uma guerrinha boba. Importam as pessoas. Dei sorte de encontrar algumas pessoas boas na computação e azar de encontrar outras ruins na filosofia. Bem e mal é outra distinção difícil de ser feita a não ser em uma perspectiva pessoal, como fiz agora, para deixar claro.