segunda-feira, janeiro 29, 2007

Em "Safe", a solidão se traduziu em ódio de si mesmo. Ela não conseguia mais se amar. Terminou desamparada, humilhada. Em "Seul contre Tous", a solidão se manifesta pela revolta. Ele odeia todos os outros. Não odeia a si, mas a sua condição de solitário. Como ele diz, até mesmo quando estamos fazendo amor, estamos sós, completamente sós, imersos em nossos cheiros, tatos e paladares, aprisionados em nossas sensações e pensamentos. A existência é uma puta de uma prisão onde um só pode entrar e da qual jamais sairá vivo, nem morto. Um enamorado contestará: "eu não me sinto só!". "Não precisa sentir para estar", rebateria o personagem. Da mesma forma como há ilusões perceptivas, não poderíamos falar de uma ilusão emotiva? Não estou certo. Aqui parece que a distinção entre ser e sentir desaparece. Sentir-se só implica em estar só e estar só implicar em sentir-se só. Ser e sentir são o mesmo quando se trata da existência. Há o eremita tranqüilo que jamais se sente só na sua companhia. Há também aquele imerso em uma multidão, amado por muitos, nem sabe contá-los todos e, no entanto, está só, sente-se só, não se compreende e não imagina como outros poderiam compreendê-lo. Na base, há o amor. O eremita se divide em eus que podem se amar mesmo na solidão, uma multidão amorosa em um; enquanto o outro, mesmo sendo amado por muitos, por não amar ele mesmo ninguém, não consegue perceber e muito menos sentir o amor de alguém. Sente-se, portanto, só e está, de fato, só.

Para quem se sente só, a vida se torna um grande teste de resistência e paciência.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Match Point

Match Point, do Woody Allen, explora a idéia de que a sorte desempenha um papel fundamental em nossas vidas. A metáfora da rede de tênis usada no início do filme é espetacular. Às vezes, a bola bate no topo da rede e, por um instante, fica suspensa. Ela pode cair do seu lado e você perde ou ela pode cair no campo do seu adversário e você ganha. E a vida é assim cheia de eventos de sorte ou azar. Isso soa como um atentado àqueles que gostariam que a vida estivesse completamente sob o seu controle. Mas é claro que a gente não tem completo controle sobre a vida, a não ser que você e o mundo fossem um só. Não é por outro motivo que temos tanta vontade de poder...O Deus teísta se torna o próprio mundo através da sua masturbação onipotente. Mas aqui neste mundo que não é nosso, que não dominamos, com esses recursos precários e limitados que a natureza nos deu, podemos fazer escolhas de efeito marginal. O grosso da vida, e o que ainda a torna bela, misteriosa e mesmo desejável, é de uma contingência absoluta aos nossos olhos finitos.

Quando eu tinha uns 13 ou 14 anos, uma colega de classe me enviou um bilhete perguntando se eu gostava da M. M era uma sardenta bombardeada pelo foco da minha atenção, objeto de sonhos e desejos que começavam a nascer. Eu respondi, no verso do bilhete, que sim. Essa colega não me viu escrevendo e, quando pegou o bilhete de volta, olhou apenas a parte frontal e fez uma cara de reprovação, tomando o meu suposto silêncio como um não. Depois jogou o bilhete fora. Eu não disse nada. Quando a aula acabou, eu a vi indo na outra sala falar com M. E M nunca veio até a mim e eu nunca fui até a M. Depois eu fui embora daquela cidade e nunca mais vi M.

domingo, janeiro 07, 2007

Pés

Gosto de pés, mas não sou um podófilo pronto para lamber e chupar dedos do pé como se fosse um sorvete. Pés macios e delicados eu beijo, contemplo e massageio. Quando a paixão da carne queima dentro de mim e penso no gozo de uma mulher, não imagino seus seios, pernas, órgãos sexuais ou contorcionismos faciais, mas sim a curva orgástica do seu pé. Imagino eles lutando contra paredes, colchas, travesseiros, pernas ou qualquer coisa que sirva de obstáculo a sua expressão. É através do pé que a mulher manifesta melhor a intensidade do seu gozo ou, pelo menos, é assim que eu gosto de ver. Jamais esqueci o pé de uma paixão.