sexta-feira, agosto 04, 2006

Amor

Eu nunca disse que era cristão. Amor e afeto devemos dar e eu procuro dar, mas amor e afeto eu não distribuo universalmente. Quem a todos ama, em verdade, não ama ninguém. Sem diferenciação, o amor é tão vazio quanto a palavra "ser". O motivo é simples. Não existe amor sem atenção e a atenção, entre humanos, é um recurso finito e escasso. Se você diz que ama a todos, então doa uma atenção que tende a zero, isto é, não dá atenção alguma. Se isto é amor, é um bem vazio. Amor genuíno requer atenção e, uma vez que você a distribui, limita a quantidade de pessoas que pode amar. Eu dispenso o amor de uma pessoa que não pode me dar atenção alguma. Não, definitivamente, isso não é amor.

4 comentários:

Maria Helena disse...

Será mesmo, Eros? Eu tenho dúvidas. Em primeiro lugar, o amor cristão não tem limites, é fonte inesgotável. Também não se confunde com atenção. E aí vem um outro problema, o que é dar atenção? Porque eu tenho um pai que sempre foi ausente na minha vida e eu tenho certeza de que ele me ama. Amor não se confunde com segurança, embora tenha ver com acolhimento, com abraço, com demonstração de importância, valorização. Acho que há pessoas que sentem amor, mas não sabem ou não gostam de demonstrá-lo. E vc tem toda razão de querer pra sua vida pessoas que demonstram o que sentem. Mas será que dá para evitar o contrário? Amor em parte é escolha, em parte, não. Compreensão e aceitação dos limites do outro é forma de amor tb. Não estou fazendo uma apologia ao mártire, tb acho que podemos evitar nos relacionar, de forma consciente, com pessoas que não nos correspondem às expectativas. Mas amor, vai além de relacionamento. Apenas estou dizendo que quando o assunto é amor, as coisas não são simples assim.

Eros disse...

Amor ir além do relacionamento? Acho que não, amor é uma relação por excelência, nem que seja consigo mesmo. E uma relação que se espera concreta. Não vejo o menor sentido em dizer "eu amo a criança X que passa fome lá na periferia de Bangladesh", a não ser que eu faça efetivamene algo por ela. Ou, se você quiser, pode achar que aquela frase tem sentido se pressupor que irei fazer algo por essa criança em algum momento futuro. O sentido da frase está condicionada a uma atenção possível futura. Mas se lhe digo que jamais farei nada por ela, não me parece fazer sentido dizer que a amo. A atenção é a melhor medida de amor sim.

Amor que não se manifesta? Concordo que aqui o assunto não é tão simples, pois há inúmeras formas de se manifestar o amor e uma pessoa pode manifestá-lo sem que a outra o perceba, enquanto essa outra espera um tipo de manifestação que jamais acontece. Mas amor que não se manifesta jamais, de forma alguma, percebido ou não? Difícil de conceber. Que relação humana é essa que não se transforma jamais em ação?

Metafisicamente, atenção é medida de amor. Sem atenção, não há amor. Epistemicamente, podemos ou não perceber a atenção. O amor, isto é, a atenção, pode existir e não ser percebida. E podemos nos iludir também, achar que há atenção e amor quando, na verdade, não há.

Maria Helena disse...

Amor vai além de relacionamento no sentido formal da palavra relacionamento, mas tem a ver com uma relação sim, claro. Eu posso amar uma amiga com quem não falo há tempos, por exemplo, posso querer bem, esperar reencontrar, ficar feliz em receber notícias, mesmo que por outras pessoas, posso simplesmente respeitar sua vontade de nunca mais aparecer. Eu posso amar quem já morreu, posso amar em silêncio e à distância. Uma pessoa pode ser importante para mim sem que esteja presente na minha vida cotidiana. Assim, o amor em relação à criança X pode existir a partir do momento e na medida que eu me relaciono com essa criança. Se eu deixo de comprar um produto porque foi feito por crianças em um campo de concentração, estou fazendo por elas um ato de compaixão, de solidariedade e, no sentido cristão, de amor. O amor cristão é manifesto, concreto. Pode chamar isso de atenção. E é justamente isso, atenção manifesta e percebida ou não. Amor pode ser visto através da atenção, mas é algo muito além, porque eu posso dar atenção a uma pessoa e não necessariamente amá-la. São coisas diferentes que não implicam uma na outra.

Eros disse...

Concordo com o que você disse, mas perceba que eu não falei que amor é atenção, eu falei que a atenção é a métrica para o amor e que sem atenção alguma, não há amor. A relação anunciada foi, se há amor, então há atenção. Logo, se não há atenção, não há amor. Mas disto obviamente não se segue que, se há atenção, então há amor, o que seria a falácia do consequente. Muitas pessoas são pagas para dar atenção.
Sim, você pode amar alguém que está morto, visitá-la em seu túmulo, manter lembranças, pensar nela, fazer coisas que deixariam essa pessoa orgulhosa de você etc. Tudo isso é dar atenção, é dar o seu tempo, é fazer algo por alguém.
O amor cristão universal simplesmente não pode existir sendo o tempo e a atenção finitos.