quinta-feira, dezembro 25, 2008
A bela feia
De longe, realmente é bela; de perto, as imperfeições machucam as vistas. Muita pichação, não há quase prazer algum em sair pelas ruas a fim de se deleitar com os sentidos, pensando aqui no aspecto urbanístico e arquitetônico. O sobe e desce desanima qualquer perna. Ainda assim a visita vale à pena pelas guloseimas e o sorriso hospitaleiro que se vê estampado em cada mineiro. A melhor parte: os amigos de décadas com a mesma amizade incólume, faz-me pensar que, para algumas coisas mais abstratas, porém reais, o tempo é inofensivo.
terça-feira, dezembro 23, 2008
Da maturidade intelectual
quinta-feira, dezembro 04, 2008
Da Covardia
quarta-feira, novembro 19, 2008
Da erudição e Da contradição
Então, já perto das 16:30, o professor especialista em Nietzsche encerrou a sua fala. Embora a maioria sempre saia embasbacada com a fala de eruditos que citam de cabeça não só frases do seu pensador preferido, mas também a página e o parágrafo onde se encontram e que arrotam sentenças em 4 línguas diferentes, o que, felizmente, não ocorreu desta vez, eu sempre saio com a impressão de que nada realmente profundo me foi dito, apesar de reconhecer a riqueza de informação e a persistência mnemônica do sujeito que se dá o trabalho de ficar decorando páginas e parágrafos. Mas riqueza de informação eu encontro na internet também. É por isso que, salvo raras exceções, o papel do erudito perdeu a sua razão de ser. Desde os anos 90 que a informação não precisa de mentes humanas para circular no espaço. Ela está virtualmente em todo o espaço. Há quem diga que os eruditos ainda são relevantes pelas associações que fazem entre as milhares de informações que eles acumularam e programa algum é capaz de fazê-las. Concordo que a computação ainda é muito burra para isso. Mas comparando os tempos, os 60 minutos dedicados a relatar as obras que Nietzsche leu ou deixou de ler, quando as leus, onde estudou, com quem estudou, a ordem de publicação dos seus livros, por fim, como um ou outro conceito foi usado de maneira diferente aqui e ali, e, em seguida, os ligeiros 5 minutos dedicados a formular o perspectivismo de Nietzsche e distinguí-lo do relativismo, eu concluo que o ganho de associação e clareza é quase nulo, e olha que julguei esse erudito, em especial, bastante inteligente. Não foi por falta desse atributo que a discussão ficou rala. Enfim, eu só queria dizer que, apesar de respeitar a figura do erudito, espero que sejam felizes com o que fazem, que se divirtam, eu pessoalmente geralmente não me enriqueço vendo o desempenho de um. E o motivo é muito claro: eu tenho mais sede de compreensão e verdade que de informação.
Só que a minha sede de verdade é circunscrita pelo ceticismo, relativismo e pluralismo. Quando lhe foi dada a palavra, o aluno acusou: "Eu acho que Nietzsche é cheio de contradições, são muitas contradições". Diferente do acadêmico inseguro, minha rusga com o aluno não é pelo seu "eu acho". Eu realmente não entendo qual é a indignação do acadêmico com o "eu acho". Em muitos contextos, "eu acho que", "eu penso que" e até um leve "eu sei que" são equivalentes. Se vamos considerar ou não o que a pessoa diz depois do "que" depende da responsta que ela nos der para o porquê. Simples, não? Minha rusga com o aluno se resume na conotação moral do seu ato de fala. Aponta-se a contradição em um autor como se estivesse exibindo uma chaga, algo ignóbil e vergonhoso. Incompreensível que ninguém tenha percebido a incongruência dessa reação ou, pior, o seu caráter exemplar, justamente depois de se destacar a luta de Nietzsche contra a verdade apolínea, a verdade socrática, metafísica, de uma cor e dimensão só. Ninguém mais que o princípio da não-contradição esteve em defesa ao longo dos séculos dessa verdade transcendente. Quer chegar até a verdade, ver a sua face, dar-lhe uma espiada? Eis a chave: não se contradiga. Mas não é só uma questão de imputar erro a quem se contradiz ou vetar-lhe a vista da verdade. Vai além, moralizou-se a coisa. Quem se contradiz, é mentiroso, é inconstante, não é confiável etc. E lá estava o dedo do aluno apontando indignado para a sujeira contraditória de Nietzsche. Fechemos o livro, não há nada ali que preste. O mesmo aluno que bebeu o mito da caverna, que se catequizou pela verdade apolínea, perde a visão das contradições da vida, escapa-lhe o devir vital. Trocou o ser pelo não-ser.
quarta-feira, novembro 05, 2008
Da consciência do pé
terça-feira, outubro 21, 2008
Back to Philosophy
segunda-feira, outubro 06, 2008
Da única possível razão, desarrazoada.
sábado, setembro 20, 2008
As cores.
Eu diria que ela é uma artista coloral. Suas cores estão sempre em rica harmonia, cintilando meus olhos, me fazem lembrar das caixas de lápis de cor e massinha que ganhava quando criança no início das aulas. Passava horas contemplando a beleza das cores lado a lado, o azul celeste, o azul turquesa das águas das piscinas, o amarelo sol, o verde grama, o marrom tronco, o beje azulejo, o vermelho telhado, o cinza nuvem, infantil mesmo nas representações; as massinhas em barrinhas retangulares, macias de apertar, demorava-me enamorando-as antes de partir para a destruição tatual, gostava de fazer cobrinhas coloridas. O ciclo da massinha lembra o ciclo das vivências. Primeiro você se deslumbra com a nitidez e diversidade das cores, a novidade colorida. Depois a frustração entediante da massa acinzentada. Perdemos o interesse com o igual das coisas. Ela porém nunca se acinzenta diante dos meus olhos, mesmo na sua versão menos viva e colorida, ela desperta a reação de todos os meus bastonetes. Ela tem sede de cores invisíveis, de cores que não existem ou simplesmente de cores que estão além do nosso infante aparelho visual. Quantas lágrimas não pipocam dos seus olhos verde-negros borrados pela impercepção de todas essas cores transcendentes. Se pudesse, lhe daria uma caixa de lápis de cor com todas essas cores inomináveis. Eu que sempre fui muito cinza por fora e por dentro, tenho me sentido bastante colorido, tanto que até ela suspeita do meu acinzentado passado. Diz-me que era conversa fiada minha. Não era. Só que com o seu colorido presente tão vivo diante dos meus olhos, eu me esqueço do cinza de ontem e ignoro o de amanhã. Se alguma vez transpareci irritar-me com ela, confesso-o, foi comigo que me irritei profundamente por não conseguir irradiar uma nova cor que lhe despertasse o sorriso.
segunda-feira, setembro 08, 2008
Sinta mais e pense menos
Já passei da idade que me permitira ser assim tão destemido. O corpo é sábio e traz, junto com o envelhecimento, a compreensão do seu retardo para se recuperar. Daí a reação emocional mais medrosa diante de situações que coloquem a integridade do corpo em risco.
O corpo é tão sábio que se não o ouço claramente, se não me atento ao seu modo não-verbal e intuitivo de dizer-me as coisas, de indicar-me para que lado ir e com que força, sou lançado ao chão. É como tocar violão. A última coisa que se deseja em uma atividade motora é a intervenção da consciência reflexiva. Se ela brota, o desempenho será pífio. Notas erradas em um caso, cara no chão, no outro. Para todas as aprendizagens motoras, vale a máxima: sinta mais e pense menos.
Eu e os meus patins que o digam. É uma questão de foco. Não se concentrar jamais no que se deve fazer, quais ações tomar, mas sim no que se está fazendo, no produto. Concentrar-se sim na música produzida, no som, e os dedos irão para onde devem ir; jamais pense nos dedos ao tocar. Igualmente, jamais pensar em como mover as pernas; devo apenas sentir o meu corpo, o seu equilíbrio; concentrando-me nele, nessas sensações, evito a cara no chão.
terça-feira, setembro 02, 2008
Agora foi, mas do outro lado da força.
Sobre as condições, bem melhores agora. Sou aluno do curso e, portanto, relativamente "conhecido". Não vou me desfazer do meu argumento da postagem anterior, ainda penso o mesmo. No entanto, preciso dizer: por mais cabaços que as pessoas de exatas "tendam" a ser, estas em específico, os examinadores, me surpreenderam, em primeiro lugar, ao aceitar a minha inscrição e, em segundo, ao mostrar uma tal atitude ética na avaliação que se esperaria encontrar mais facilmente naqueles que justamente teorizam sobre a coisa: os filósofos. Justamente o contrário. Posso estar pisando em falso, não tenho obviamente como provar que houve favorecimento no concurso para prof. substituto no departamento de filosofia, embora tenha ficado meio na cara. Muita conjunção providencial de uma vez só. Também não posso dizer que eu ser conhecido pelos professores que me examinaram no departamento de informática não tenha também me favorecido de alguma maneira. Certamente que sim. No entanto, os candidatos que deixei para trás também foram alunos não só do curso, mas também do mestrado do departamento, de modo que, se eu fui favorecido por ser conhecido, eles também foram.
O que de certa maneira me deixa puto. Puto por ter de reconhecer que filósofos possam adotar a moral das panelinhas com muito mais facilidade e estar mais fechados à alteridade que as pessoas das exatas. Na verdade, essa guerrinha humanas vs. exatas é uma guerrinha boba. Importam as pessoas. Dei sorte de encontrar algumas pessoas boas na computação e azar de encontrar outras ruins na filosofia. Bem e mal é outra distinção difícil de ser feita a não ser em uma perspectiva pessoal, como fiz agora, para deixar claro.
segunda-feira, agosto 04, 2008
Do sentido sem sentido.
quarta-feira, julho 23, 2008
A diferença que faz diferença não é qualquer diferença
Meu Lema
Outras naturezas, outras reações. Mas não existe explicação sensata para o fato de 70% da população desta cidade usar casacos e blusas de lã num dia ensolarado (21/07/2008) que bate os 30 graus.
segunda-feira, julho 21, 2008
Bom dia
E quão surpresa e feliz não ficou a minha namorada quando, saindo pelo portão da casa de minha mãe, chegou-lhe nos tímpanos o desabafo: "mas que cabelo bonito, moça, quero pintar o meu assim também!". Era o motorista do caminhão de lixo que, com toda a simplicidade e sem nenhuma malícia, soltava alegre, de sorriso banguelo, o efeito que lhe imprimia nas vistas o cabelo cherry bombado da minha namorada.
Mas pára por aí. Não muito mais que o seu povo me agrada em BH, já o disse outras vezes. Lembro agora do e-mail que meu tio enviou ao governador sugerindo que a capital fosse transferida para Curvelo. A idéia era resgatar a BH pacata e até fria dos anos 60. Depois, na viagem de volta, eu e a Marcely tivemos a idéia de entrar com um projeto no congresso, pleiteando a mudança da capital do Paraná para BH e a de Minas para Curitiba, obrigando todos os curitibanos a se mudarem num prazo de até 2 anos para BH e os mineiros de BH para cá. Mas como eu sei que dificilmente chegaremos a viver no melhor dos mundos possíveis, fico aqui só sonhando em quão Curitiba ficaria *das mais estribada* se recheada de mineiros.
quarta-feira, julho 02, 2008
Cozinhar é bom se...
Uma das coisas boas, entre inúmeras outras, de se morar com a pessoa amada é que somos levados, eu ao menos, à arte de cozinhar com fervoroso impulso. Desde que ela veio para cá, sinto enorme prazer em assumir o papel de chefe. Meio canhestro ainda, é verdade, mas se antes eu tinha preguiça até de fazer um miojo para mim, é notável que agora eu passe com alegria algumas horas preparando uma deliciosa sopa eslava para nós.
Cozinhar é bom se você tem um outro a quem deseja dar prazer. É como no sexo. Quando ama, só o seu gozo jamais é suficiente, pelo contrário, seu gozo só é completo quando o outro goza também. O amor é incompatível com o egoísmo na cama. Na cozinha é a mesma coisa, você só fica satisfeito com a própria comida quando o outro, ao degustá-la, expressa na face um verdadeiro gozo palatal.
quinta-feira, junho 26, 2008
Esperança Instintiva
O ser humano, a besta das bestas, foi dotado pela natureza com uma inigualável capacidade de ter esperanças, somos instintivamente esperançosos. Eis a sabedoria da sobrevivência. Ao nos dotar da capacidade de "conhecer" o mundo e prever o futuro, a natureza precisou compensar o pessimismo que daí emergiria naturalmente, posto que a probabilidade de quem tá na merda é continuar na merda, nos congratulando com este instinto de se agarrar a meras possibilidades mesmo quando elas são improváveis.
Quase diariamente me perguntam, e eu também, a razão pela qual não me mato. Tivesse eu uma razão para não me matar talvez aí sim me mataria, pelo gosto de contestá-la, para sentir-me livre dela também, ainda que pela última vez. Mesmo o amor não é uma razão. Mesmo com amor, as coisas ruins continuam ruins, a diferença é que aquele instinto de esperança recebe um reforço.
Com o amor há, porém, uma compensação: as coisas que já eram boas ficam ainda melhores. Mas eu sei que isso não serve de consolo e não diminui em nada o desconforto do que é ruim.
Do Concurso.
Das aulas
quinta-feira, junho 19, 2008
Eu por mim mesmo.
É difícil para mim precisar em que momento tive o meu primeiro contato com a história da filosofia. Provavelmente, ainda pequeno, quando, curioso pela origem do meu nome, fui em busca de livros sobre a mitologia grega. Mas não foi nesta época que a conheci de fato. Passei a infância e a pré-adolescência com a mesma inquietação dos filósofos pré-socráticos, interessado em conhecer a origem do universo e seus elementos mais fundamentais. Cheguei, então, à física bem antes de conhecer a filosofia e, por muito tempo, motivado também pelo gosto e facilidade com os cálculos, projetei-me no futuro como físico. Somente naquele ano de decisão inadiável sobre o futuro profissional é que tomei um contato direto e efetivo com a filosofia através da leitura de alguns livros sobre filosofia da ciência indicados por um tio que, então, se formava em filosofia pela UFMG.
A leitura desses livros provocou uma completa reorientação das minhas inquietações intelectuais, percebi pela primeira vez que entender o que era o conhecimento e como ele poderia ser obtido eram questões para as quais eu precisava de uma resposta antes de procurar saber sobre as leis físicas que regem o universo. Hoje, claro, não vejo o assunto assim, mas na época, senti-me completamente compelido para a filosofia em virtude dessa reorientação das minhas próprias questões. Não só isso, senti-me, de fato, curioso por saber o que era o conhecimento, o que os filósofos haviam falado sobre ele. Era algo novo para mim, até então, essas questões tinham passado pela minha mente, se é que tinham, apenas de maneira obscura, confusa; quando as vi postas claramente, senti a necessidade de passar mais tempo com elas. Decidi, assim, pela filosofia profissionalmente. A física poderia esperar, ela tinha de esperar.
Ingressei na graduação de filosofia da UFMG em 1995, então, com 17 anos. Foi um ano desafiador e amedrontador, meu contato anterior com a disciplina se limitava àqueles livros citados acima, e, de cara, deparei com professores sequiosos em esbanjar o jargão filosófico. Muita coisa foi dita nas salas de aula sem que eu conseguisse entender. Temi que o curso não fosse para mim. Cogitei até mudar para física ou ciência da computação. Mas a medida que aprofundava as minhas leituras e me acostumava com o palavreado obtuso dos filósofos, senti-me mais à vontade entre eles. Vieram as provas, os trabalhos e sai-me bem neles. Alguns professores elogiaram a minha argumentação e eu comecei a me convencer que tinha jeito para a coisa. Novamente, as ciências exatas tiveram de esperar um pouco mais.
No ano de 1996, foi abrutamente arrancado do curso de filosofia. Já tinha ouvido falar de Hobbes e dos tentáculos poderosos do Leviatã, mas só fui compreender a sua real força quando ele me agarrou. O Exército achou que eu era interessante nas suas fileiras. Ironicamente, eu era, na época, anarquista. Aceitei, no entanto, o destino sem revolta, curioso até pela experiência inusitada, consolado com os relatos de filósofos que tinham também passado pela experiência militar.
Em 1997, voltei ao curso, com muita vontade e mesmo vigor físico para a pesquisa. Agradeço aos milicos por esse preparo. Conheci Wittgenstein e apaixonei-me pela sua vida e obra. Percebi que mais fundamental ainda que a questão do conhecimento era a questão do sentido. Nem tanto assim, é verdade, como se verá em seguida. Na época, pareceu-me claro, antes de perguntar qualquer coisa, essa pergunta precisa ter um sentido e o filósofo austríaco incutiu-me a dúvida de que muitas perguntas não tinham. Eu precisava, assim, saber (vejam só) o que era o sentido.
Daí em diante fui perdendo a minha ingenuidade intelectual e aprendendo a exercer essa atividade que se costuma denominar de "acadêmica", fazendo pesquisa, criticando artigos, buscando entender os filósofos, suas idéias e tentando escrever as próprias. Algo nessa atividade me irritava, na filosofia brasileira, em especial, a hegemonia exegética. Mas, por sorte, encontrei alguns professores que me estimularam e encorajaram a abordar a filosofia de uma maneira mais temática, que é o tipo de abordagem com a qual me sinto mais à vontade, por nenhuma razão fundamental, é verdade, apenas uma questão de gosto. Assim pude continuar na filosofia, seguindo mais ou menos o percurso esperado de um acadêmico: especializando-se. Formei-me no ano de 2000 e já em seguida iniciei o mestrado. Ainda interessado no conhecimento, foquei-me num tipo específico, o perceptivo. Critiquei aqueles que combatiam a idéia de que há crenças justificadas não-inferencialmente pela percepção. Em seguida, no doutorado, enfim, tentei positivamente articular essa idéia, provendo uma compreensão filosófica de como essa justificação se dá. Defendi a tese em 2007. Desde, então, sou um filósofo desempregado.
quarta-feira, junho 18, 2008
Do azar
terça-feira, maio 20, 2008
Da Queda
Desde sexta-feira estou assim, mnemônico, escavando a minha memória e imaginando o que ainda não vi e reluto em ver. Sonho com quedas, penso na queda, imagino a queda, seu corpo estendido no chão, seu crânio com afundamentos em vários lugares, não consigo parar de pensar, principalmente quando estou sozinho. As informações desencontradas, antes foi do terceiro andar, agora é do quarto. Antes tinham chamado o IML ao invés do socorro, agora parece que fizeram o correto. Antes não estava alcoolizado, agora parece que estava. Quase 5 anos sem colocar um pingo de álcool na boca e depois de um mês sozinho, tudo desaba. Uma festa da psicologia, ele bebe muito, ele vai para a casa delas, bebem mais, ele está agitado, elas vão para um quarto, ele para um outro, passa uma ou duas horas, elas escutam um barulho, vão para o quarto onde ele estava, não o vêm lá, olham pela janela e ele está estirado lá embaixo. Foi o que elas contaram. Será que algum dia ele vai recobrar a consciência para nos contar o que houve? Escorregou? Pulou? Se escorregou, foi azar fomentado pela burrice já que ele sabia que uma gota de álcool na sua boca chamaria outras milhares. Se pulou, teve o azar de não obter o fim pretendido. Sim, não é por ser o meu irmão e por amá-lo que vou mudar a minha opinião de que os suicidas devem ser respeitados pela sua escolha, ainda que eu não queira que as pessoas do meu afeto se matem e sofra se o fizerem.
Eu falei em burrice, mas estou sendo injusto. É muito fácil para um não-viciado falar que é burrice um alcoólotra ceder à sua cede etílica. E o que sei eu da intensidade da sua necessidade e desejo? Isso me faz pensar nas pessoas que ficam buzinando no ouvido daqueles que não bebem para beberem, que fazem cara de reprovação moral por não beberem, que oferecem drogas e exaltam seus efeitos; e eu me pergunto se essas pessoas que chegam sempre cheias das melhores intenções de divertimento, ah sim, claro, no fundo elas querem ver esse outro feliz como elas, tendo prazer, tendo lá as suas compreensões mais "ampliadas" do mundo, mas eu me pergunto se em algum momento elas se preocupam em saber se a sua "vítima" é ou não alguém facilmente susceptível ao vício. Não, não estou dizendo que o oferecido é o culpado pelo vício do outro, não retiro o livre-arbítrio deste último, mas devemos reconhecer também que o livre-arbítrio deste último não é tão livre assim e que o oferecido tem sim uma parcela de responsabilidade ao ofertar. As pessoas são diferentes e umas têm uma propensão muito maior a se viciar do que outras. Devemos ter isso sempre em mente.
Esse é um bom exemplo de porque a moral deontológica não funciona sempre, a moral que diz que uma ação é boa se foi motivada por uma intenção boa. Como diz o ditado, de intenções boas, o inferno está cheio. Que se dane a boa intenção de compartilhar com o outro a sua alegria gregária, sim, eu digo, enfie no rabo essa intenção. Seja utilitarista a este respeito, pense nas conseqüências do seu ato, pense que elas podem não ser boas e se há uma chance grande de não serem, evite-o. É o que você DEVE fazer. Vou colocar de uma maneira mais clara para você entender. Se você não sabe se uma pessoa tem alta propensão a viciar (pior ainda se sabe que tem) e dado o efeito devastador que é para uma pessoa viciar-se no que quer que seja, sim, se você ainda não se convenceu disso, leia "O Jogador" do Dosto, então parece moralmente recomendável que você não oferte a essa pessoa substâncias reconhecidamente como viciantes. Deu para pescar a idéia? Espero que sim...
Comecei pensando no meu irmão em tom triste e terminei moralizando em tom de revolta. E fico assim o dia todo mesmo oscilando. Eu penso nele estendido no chão e me entristeço, imagino seus colegas cheios de ofertas efusivas e me revolto. E só para deixar claro aos desavisados, eu não fiz uma apologia contra o uso de drogas ou bebidas, eu bebo, para início de conversa, eu fiz uma consideração moral sobre o ato de ofertar a terceiros drogas ou bebidas.
segunda-feira, maio 12, 2008
Da fraqueza amorosa
Você não escuta esses pensamentos que me passam pela mente, já dorme. Eu não tenho sono, não quero dormir, quero continuar assim, velando o teu sono com a mão que acaricia a sua face, sentindo na pele o medo de perdê-la, esse medo que, na verdade, é apenas a face complementar do amor que tenho por ti.
terça-feira, maio 06, 2008
Concurso
Eis que hoje recebo um e-mail de um professor daqui falando de um concurso para professor na UFPR. Certo que irei concorrer. Só estou titubeando quanto a direcionar toda a minha atenção para ele nos próximos meses ou mantê-la dividida entre o concurso e a computação. Decisões, decisões. Por mais pesadas e difíceis que sejam, eu as amo. Sinto-me vivo quando tenho de decidir. Ao mesmo tempo, oscilar o pêndulo novamente para a filosofia me faz sentir meio sanfona. Alguns ainda apontarão acusadores e dirão: você é indeciso e não sabe o que quer. Discordo. Sei sim. É que eu não quero uma coisa só, mas várias. Embora eu seja completamente monogâmico no relacionamento, sou promíscuo na minha relação com o saber. Um só não basta, careço de vários. Pronto, confessei. E ainda não decidi o que fazer!
terça-feira, abril 29, 2008
Paranóia.
E, no entanto, seria capaz de me lançar ferino a quem me acusasse de falta de amor próprio. Vivo essa contradição. Eu simplesmente não consigo imaginar razões sensatas para que me rejeitem, para que me pretiram tanto, tenho ampla convicção e consciência de inúmeras qualidades minhas, e, no entanto, não só sinto a rejeição como a interpreto e vejo em tudo quanto é canto. Daí nasce mais uma situação, entre tantas outras, para a sensação de completa solidão.
quarta-feira, abril 23, 2008
Ela, o vermelho e a confissão.
Sei que nesse primeiro encontro não causei nela o mesmo impacto que ela me causou. Só no segundo, talvez. Paciência. Culpa minha de ter falado menos para observar mais? Não sei. Quando nos despedimos, ela me deu um abraço e um sorriso, guardei-os comigo a noite toda; na verdade, até hoje os tenho bem vivos e coloridos. Fui embora para casa sonhando alto, só fui dormir quando a madrugada perdia a sua mocidade.
terça-feira, abril 15, 2008
Babaquice
segunda-feira, abril 14, 2008
A Lágrima lúgubre-feliz
terça-feira, abril 08, 2008
Somente um pesar...
sexta-feira, abril 04, 2008
Carência ética
E o não-carente? Ah, ele vai seguindo a vida com o bom-senso e a prudência aristotélicas. Ele anda, para e escuta as vozes alheias. Pensa, realinha-se caso ache necessário e continua o ciclo. E para ele, tudo é permitido? Não, mas a sua linha do que é e o que não é permitido também não está traçada para todo o sempre. Ele se permite o retraçado, movido pela sua força interna, não pelo oba-oba do carente que concluiu que tudo é permitido. Para este, não há retraçado, só rabiscos.
Assim, a questão de se tudo é ou não permitido, caso não haja um absoluto, não se conclui por uma martelada demonstrativa, ela se fecha pela psicologia. É preciso se conhecer, perceber as suas necessidades e carências. E eu, o que eu sou, um carente ou um não-carente? Ora, eu sou um ser humano, imerso no tempo, impossível ser apenas uma coisa ou outra o tempo inteiro, a vida toda. É o que eu acho. Esmero pela sobriedade prudente. Sinto-a presente. Tenho por ideal: a não-carência e o relativismo nada oba-oba que se lhe segue.
quinta-feira, abril 03, 2008
Temor
terça-feira, abril 01, 2008
1 de abril.
segunda-feira, março 31, 2008
Rafael
Rafael conclui: a dificuldade toda está em viver a tensão de se conhecer sem se conhecer. Nem é tão paradoxal o que ele pensou quanto parece à primeira vista. Rafael não se deixa enganar, duvida tanto, levanta tantas possibilidades, que afasta de si qualquer predicado, qualquer assertiva, não assume nenhuma, não se deixa apanhar, nem se apreender pela linguagem, pelos conceitos. Ele se vê, assim, um nada, um vazio. Ele não se conhece. Contudo, há um quê de si com o qual ele se encontra e se confronta no seu viver pela emoção e o sentir. O fato de a decisão não estar assentada num solo duro do conhecer-se afirmativo não faz do sujeito uma marionete, um projeto para qualquer coisa, um nada que pode ser tudo. Não, definitivamente, não. No ato da decisão, Rafael encontra-se consigo mesmo da maneira mais intensa e intuitiva possível, ele se sente por completo durante e pela decisão. Esse sentir que lhe dá o conhecimento de si jamais é verbalizado, mas é automaticamente transferido, na verdade, já está imerso nela, na convicção da decisão. Quando Rafael decide contra o que ele é, a própria decisão já vai se tornando branda em seu ato. Ele já decide enfraquecido, desgostoso de si, às vezes, até arrependido. Quando, ao contrário, ele se encontra na decisão, o ato é pleno de vida, Rafael se vê todo comprometido no ato, até suas últimas células. Não, esse contato emocional que Rafael tem consigo ao decidir não é sensualista, não é efêmero, nem arbitrário, é de fato sua apreensão mais absoluta de si, ainda que ele não possa lhes dar qualquer razão a favor. Tampouco pode duvidar que assim seja. Ele se conhece sem se conhecer. Então, o que há de ruim em não se conhecer a priori é a espera angustiante de só se conhecer a posteriori, pois Rafael tem muita necessidade de si e sabe que nem toda vivência é um encontro consigo. E ele teme os desencontros.
sábado, março 29, 2008
Duração
sexta-feira, março 28, 2008
Arrependimento e Burrice
"burro", "burrice", "estultice" geralmente são palavras usadas em contextos em que queremos falar ou da falta de uma capacidade, ou da negligência de uma responsabilidade. Quando alguém diz "fulano é burro", e atenção aqui para o "é", está querendo dizer que falta a este sujeito alguma capacidade. Talvez ele não seja bom em uma matéria qualquer e alguém já lhe lança a ofensa, "seu burro". Penso que este não seja um bom uso da palavra, embora seja corriqueiro e eu esteja muito longe de querer legislar sobre a linguagem, o que realmente seria uma estultice. Contudo, imagine uma pessoa disléxica cuja capacidade de leitura é, então, deficitária. Embora alguns possam jocosamente se referir à leitura dessa pessoa como burra, há uma certa incongruência em fazê-lo. O disléxico não tem culpa pela sua deficiência. Ele simplesmente a tem. E "burro" é uma palavra de carga negativa, ela segrega, ela estigmatiza, ela contém um tom de reprovação moral. E não parece fazer muito sentido reprovar alguém por ter uma deficiência pela qual ela não é, nem foi responsável. Em todo caso, algumas capacidades podem ser adquiridas e mesmo desenvolvidas e, nesses casos, quando há uma falta e chamamos a pessoa de burra, não estamos tanto nos referindo a sua falta, mas a sua irresponsabilidade ou desleixo em não desenvolvê-la. Se eu digo que quero aprender a jogar bem xadrez, mas não treino muito e, a o me verem jogar mal, alguém diz "o cara ali está sendo burro", o que ele está dizendo é que estou sendo desleixado e negligente ao não tentar desenvolver a minha capacidade de jogar xadrez.
Então chegamos nessa segunda acepção da burrice, que não tem nada a ver com faltas cognitivas, mas sim com desleixo, negligência e irresponsabilidade. Este tipo de burrice está mais para um acontecimento, ela ocorre quando você sabe que seria melhor fazer X, mas acaba fazendo não-X. Daí até dizermos, nesses casos, que "fulano foi burro", não que ele seja. Por exemplo, fulano, universitário instruído, sabe tudo sobre a transmissão de DSTs, saí numa baladinha, conhece uma gostosinha, e acaba transando com ela sem camisinha, no furor lá do seu tesão. Ele sabe que não estava fazendo o melhor para si, mas fez mesmo assim. Foi burro. E a sua burrice pode vir a lhe custar muito cara, como disse. Ela sempre tem um preço elevado. Se vai ser cobrado ou não é, em parte, uma questão de sorte ou azar. Mas se for cobrado, não tem para onde chorar. Enfim, sempre que tenho um conhecimento e o negligencio nas minhas ações, fazendo o contrário do esperado, estou sendo burro e legitimo que outros apontam para mim e digam "ele foi burro!".
Este tipo de burrice não ocorre apenas quando você negligencia um conhecimento, ocorre também quando você ignora um valor que lhe é fundamental. O preço a pagar, nesse caso, será a auto-flagelação da sua própria consciência. Nada mais burro do que ser infiel a si mesmo e amargar depois a dor de enojar-se de si.
Assim todos os arrependimentos que tive em minha vida se resumem em todas as vezes em que fui burro, pois todas as minhas burrices me custaram muito e nem sempre pude contar com a sorte de uma dívida não cobrada. De outro modo, jamais me arrependo, mesmo que, mais tarde, adquirindo NOVAS informações e conhecimentos, eu perceba que decisões passadas não foram as melhores. Mas, se, no passado, foram as melhores, então não tenho porque me arrepender. Fiz o melhor de mim e, principalmente, fui fiel a mim mesmo. Jamais me arrependo por ser fiel a mim mesmo, ainda que mais tarde eu perceba, guiado por novos conhecimentos, que não tomei o melhor caminho. E julgar o meu eu passado pelo meu eu presente seria, aí sim, uma grande estultice, uma irresponsabilidade sem tamanha comigo mesmo e a minha auto-estima.
domingo, março 23, 2008
Achocalhado
sexta-feira, março 21, 2008
Egolatria.
Embora sejamos todos essencialmente egoístas, há diversos sabores de egoísmo, conforme os desejos e as vontades eleitos como centrais em cada sujeito. Há aqueles que têm o desejo e a vontade de se sacrificar para atender os desejos e as vontades de terceiros. No fundo, é possível que estejam sendo movidos por algum medo, medo de magoar, de frustrar, de decepcionar. Então essas pessoas sacrificam muitos dos seus desejos para atender um desejo seu, o de não desapontar o outro. O outro nem precisa saber, e frequentemente não sabe, se essa pessoa atende as suas vontades por medo ou por querer, para ele, o efeito é o mesmo. E há aqueles que não se sentem muito inclinados para atender os desejos alheios a não ser quando assim estão com vontade, mas não por medo. Claro que entre um e outro há uma infinita gradação. Desconheço quem não tenha sentido medo de magoar alguma vez, que não tenha se sacrificado uma vez que fosse, da mesma maneira, mesmo os mais temerosos em magoar solapam em algum momento os seus medos para escutar outros desejos seus. E também é evidente que, em cada situação, cada qual ponderará a dimensão do seu sacrifício e a intensidade da mágoa alheia para a tomada de decisão. Não tudo é assim só branco ou preto, no meio há espaço para muita arte equilibrista.
Eu tenho como ideal o segundo sabor de egoísmo, embora esteja muito longe dele e me veja agindo por medo de magoar freqüentemente. Por que o prefiro? Por conta de outras crenças que eu tenho sobre autenticidade e sentido das minhas vivências. Quando alguém atende um desejo meu por medo, embora ela, de certa forma, não tenha se traído, pois atendeu o seu próprio medo, ela vive uma tensão, vive uma morte, a morte do desejo que ela teve de solapar para dar vida ao seu medo. Ela vive e morre ao mesmo tempo. E eu estaria vivendo uma ilusão, a ilusão de que a pessoa estaria, naquela minha vivência de prazer, pulsando, como eu, apenas vida. E nem eu, de fato, estaria pulsando vida completamente, quando muito, uma ilusória. Quando, ao contrário, os desejos e vontades de ambas as partes se conformam, a experiência de ambos é autêntica, genuína, repleta de vida, sem morte, sem cisão do ser, ambos estão plenos ali naquela vivência. Não tenho uma razão para lhes dar, mas essa é uma vivência que aos meus olhos está repleta de sentido.
Não espero dela certezas eternas, assim em um plano mais elevado do pensamento, embora em um momento ou outro, a insegurança emocional possa fazer esse clamor, mas isso é efêmero, não devo permitir que me domine. Como não desejar que ela dê vazão a toda a sua necessária solidão, que lhe é tão afeita e produtiva, que lhe rende o bem-estar de estar consigo mesma e as palavras de quem se entende ou busca se compreender? Como poderia gostar, ter por ela um sentimento e lhe desejar uma vida cindida, tensa e regida pelo medo? Não, não posso fazer isso sem deixar de ser fiel às minhas demandas mais profundas de sentido. Quando estivermos juntos será pela sinceridade das suas vontades, e das minhas, e isso é sublime, é vida pura, é belo. Eis um dos meus tons esperançosos diante da vida. Dela espero a mais admirável das sinceridades consigo mesma. E tentarei retribuir em igualdade. Tudo isso é muito ideal, é verdade, mas nossas ações são pautadas em ideais.
segunda-feira, março 17, 2008
5 personagens
Eis a lista:
Anna Karenina. Já faz tanto tempo que pousei os olhos sobre ela que perdi os detalhes do seu caráter, mas impressionou-me indelevelmente a sua intempestividade sentimental, os seus arroubos caprichosos e, o que nos transparece de maneira mais viva no seu drama, a vivência angustiante do vazio, até que ela encontra alguma esperança ou sentido no amor.
Bentinho. É o exemplo mais do que perfeito do efeito de um caráter cético na vida prática. Como é a vida de alguém que tem a desconfiança incrustada no peito? Eis Bentinho. A mesma narrativa contada por outros olhos provavelmente teria um tom mais conclusivo a respeito da suposta traição de Capitu, mas não pelos olhos céticos de Bentinho.
Príncipe. O que mais me chamou atenção em sua personalidade não foi tanta a sua imensa disposição para a compaixão, mas a consciência sofrida das suas limitações mentais. E acabei me compadecendo por ele ao longo de quase todo o livro.
Andrey Nikolayevich Bolkonsky. O que é a experiência de morte? Como enfrentar o medo da morte? Bolkonsky é ferido gravemente em uma batalha contra os franceses de Napoleão e durante duas semanas, em seu leito de morte, o vemos refletindo sobre essas questões. É a narrativa mais densa que já li sobre a experiência de morte, sobre o enfrentamento da própria morte. Cheguei até a idealizar uma morte igualmente lenta para mim, a fim de que pudesse degustá-la também aos poucos.
Sinclair. É um personagem tão sombrio quando deveria ser para alguém que se coloca desde cedo a árdua e sofrível missão de mergulhar em si mesmo em busca do auto-conhecimento. O enfrentamento das verdades pessoais mais duras é vivenciado com profunda consciência e introspecção. Não há muito espaço para o auto-engano.
domingo, março 16, 2008
nonsense
sábado, março 15, 2008
Amor nos tempos do Cólera.
Lembro em especial agora das dores de morte, dores que nascem com términos, abandonos, finais e, claro, com a própria morte. Uma em especial é-me inesquecível, pela forma como me arrebatou, me consumiu e dilacerou ao longo de algumas semanas. Noites em claro, choro compulsivo, e o que era mais aterrador: impossibilidade completa de imaginar o amanhã, como se a mente estivesse amarrada no pé da cama e não conseguisse se projetar no além. E o além tomava a forma do próprio vazio. Chegava a sentir pânico com o embotamento da imaginação, a impossibilidade de sonhar, por mais que tentasse e esforçasse, não conseguia. Era-me mesmo impossível imaginar até as coisas mais banais do dia-a-dia, como tomar café da manhã, ir para a faculdade etc. Eu pedia desesperadamente pelas imagens, mas a mente recusava-se a formá-las. Tal desespero emocional infundia-se pelo corpo na forma de calafrios, náuseas e uma certa queimação da região lombar que até hoje não sei identificar muito bem o que é. Quando a dor psíquica é muito grande, o corpo se ressente também, se enfraquece. Penso nesses dias sem pesar algum, mesmo com um olho atento ao temor que me provocam, pois também me evocam um amor que já senti e desta lembrança eu gosto. É esperançosa.
O filme do título é bom, mesmo para quem já leu o livro, mas desaponta logo na primeira fala com o inglês canhestro saído da boca do Juvenal, ali estirado no chão, morrendo. Espanhol, por favor!
terça-feira, março 11, 2008
Fé em si mesmo
domingo, março 09, 2008
Ato público
Na verdade, até hoje eu achava que o meu juízo deveria se limitar ao curitibano do sexo masculino. Mas eis que minha mãe, tendo passado oito meses em Porto Alegre, lança, sem que eu lhe tenha falado absolutamente nada sobre o assunto, o mesmo juízo a respeito dos porto-alegrenses. Fiquei imensamente surpreso na hora. Não que eu pretenda agora alargar o meu juízo e transformá-lo numa sentença regionalista, continuarei me limitando aos curitibanos, foram os que presenciei. No entanto, o fato de a minha mãe ter notado lá em Porto Alegre o mesmo que observo aqui sugere, pela diversidade das fontes de informação, que nossos olhos não estão, neste caso, tão carregados de prejuízo. Até porque a minha mãe não é do tipo antropólogo e se este comportamento lhe saltou às vistas, então é mais provável que de fato haja uma diferença comportamental do que ela tenha simplesmente notado algo que também é habitual na sua cidade apenas por estar com olhos mais abertos.
Tudo começou quando, andando em uma rua bem próxima do centro, de movimento considerável de carros e pessoas, observei um cidadão fazendo X. Achei um pouco estranho, mas na hora nem dei muito assunto, pensei se tratar de coisa de bêbado, apesar da claridade e do horário: meio-dia. Com o tempo, comecei a observar outros cidadãos fazendo o mesmo com relativa freqüência, e o que é pior, não se poderia dizer que estavam bêbados, de modo algum. Vi trabalhadores, jovens, adultos, vi até aluno da UFPR fazendo X ou pelo menos usava a mochila da instituição e se vestia como estudante, enfim, o ato não parece fazer distinção social ou de idade. Vi eles fazendo isso em ruas movimentadas em pela luz do dia. Não é nada recatado, não percebo nenhuma vontade de esconder o ato. Parece que fazem disso um assunto público mesmo. Um dia, para o meu espanto, vejo um moleque de uns 10 anos de idade fazendo X em pleno pátio do centro politécnico. O pai ao lado nada falou. Eu fiquei encafifado, ficava pensando, será que em Belo Horizonte faziam isso e nunca notei? É tão comum e despudorado lá quanto é aqui?
Em meu socorro vieram outros forasteiros, alguns paulistas, outros nortistas, compartilhando o meu espanto. Falando baixinho, quase segregando, relataram-me também as inúmeras vezes que viram curitibanos do sexo masculino fazendo X. Contaram-me a mesma despreocupação com o horário e o lugar que eu já tinha observado. Era o que me faltava para fortalecer a convicção do meu juízo e afastar a idéia de que estava sendo preconceituoso com os curitibanos. Ainda assim faço o juízo com certa timidez, pois é espantoso que um povo tão orgulhoso da sua civilidade, que não joga papel no chão, o que aliás muito me agrada, faça isso assim nas suas ruas de maneira tão despudorada e com tanta freqüência.
O que é X, afinal? Cansei de ver nessa cidade os seus espécimes masculinos abrirem sem vergonha suas barguilhas, retirarem seus equipamentos sexuais para fora a fim de regar a cidade com o seu amor uréico. Sim, já ouço o clamor indignado. Até parece que ninguém mija nas ruas em Belo Horizonte ou São Paulo. Claro que muitos mijam, eu mesmo já mijei. Mas na noite calada, na surdina, completamente bêbado, e ainda assim envergonhado, andando várias quadras até encontrar um beco bem escuro, olhando para todos os lados temendo o flagrante. O que me espanta aqui não é o fato bruto de mijarem, mas o fato de não sentirem vergonha, de não se preocuparem em se esconder, de não selecionar ruas vazias e desertas. Talvez em Belo Horizonte mijem nas ruas com a mesma freqüência que se mija aqui, mas como fazem isso na surdina, ninguém nota, ninguém vê, não é algo que salta às vistas. Aqui não, não há dia que caminhe umas três horas pela cidade sem ver uma instância do ato impudico. E segundo os relatos da minha mãe, acontece o mesmo em Porto Alegre. Vai ver é coisa do sulista fazer da mijada um ato público.
sexta-feira, março 07, 2008
Silêncio Introverso
E eu ali ao lado absorvendo e apreciando maravilhado a empatia que me infundia, mas é certo que ela não sentiu nenhuma e exasperava-se com o meu mutismo. Nessas horas penso em falar aleatoriamente qualquer coisa só para deixar o outro menos incomodado, mas acabo resistindo a essa idéia de não ser eu mesmo. Talvez esteja sendo um pouco egoísta ao agir assim, ao não tentar resistir ao magnetismo das minhas emoções internas, no entanto, o que a outra pessoa ganharia, além de uma falsa sensação de entrosamento, ao me perceber forçando uma fala que não saiu de mim naturalmente? Opto pela sinceridade silenciosa, mesmo que isto me custe a dolorosa percepção do enfado nos olhos alheios. Eu compreendo tudo isso muito bem, o que não me impede de sentir na pele o estranhamento que provoco.
quinta-feira, março 06, 2008
Homem vai na barbearia. Ponto.
Então que essa semana eu precisava cortar o cabelo, com esse calor, não o suporto muito grande. Acordei bem cedo para ver se encontrava o salão ainda vazio, só que exagerei na antecipação, estava fechado. Resolvi dar uma volta no quarteirão, passei ali no Mercado Municipal e lá dentro deparei com uma barbearia. Opa, vamos tentar, logo pensei. Entrei e sentei na poltrona de espera. Um sujeito nos seus 40 anos estava já na cadeira sendo servido pelos cortes do babeiro e um velhinho esperava também a vez. Ambiente silencioso, sem tagarelice e ao meu lado a gazeta do povo que, se não é um bom jornal, pelo menos é um jornal, pois lá no salão tinha só Caras, Gente e sei lá mais o que fofoqueiro que não me dizem respeito.
As conversas não foram ininterruptas, ao contrário, eram agradavelmente permeadas por silêncio, falou-se do caso da Colômbia, do governo, de carros e um pouco de futebol também, é claro, difícil faltar, o velhinho, quando me viu lendo a seção de economia, chegou mais perto para perguntar o preço da soja e me falou um pouco sobre o mercado da commoditie, mas sabe, tudo assim bem leve, agradável, pausado, nada histérico, nada muito pessoal, como aconteceu uma vez lá no salão, chegou-me uma patricinha, não, não sou eu que estou lhe dando esse rótulo, ela mesma se descreveu assim, estava cheia de trejeitos, chamando a atenção, e logo se pôs a narrar em alto bom tom e com detalhes sórdidos a briga que teve com a sua mãe na noite anterior; eu quase desesperado olhava para as outras mulheres esperando alguma cara de indignação ou mesmo de enfado, mas todas estavam muito bem sintonizadas e interessadas no relato, como se a novela da noite anterior continuasse ali. Nesse dia eu até queria um corte mais curto, mas quando a cabeleireira me perguntou pela primeira vez se estava bom, não pensei duas vezes, já fui me levantando, falando que estava ótimo e fugi dali o mais rápido possível.
Enfim, pela metade do preço tive um corte tão bom quanto o do salão e a minha espera foi adornada pela mais perfeita paz. Saí dali convicto de que lugar de homem é na barbearia.
segunda-feira, março 03, 2008
Fé
sábado, março 01, 2008
In-verdades à trois
- É verdade...
- Você começa a discutir um assunto com uma pessoa e ela já vem logo te calando: "você tem a sua opinião, e eu tenho a minha". E o que é pior, ela acha que tanto você quanto ela estão corretos.
- E num é? (concordando em tom irônico com a indignação).
- É um absurdo. Se eu digo uma coisa, e a outra pessoa diz o contrário, ou eu, ou ela está correto.
- Evidentemente...(que tolinho, pensa secretamente)
- Assim fica tudo muito fácil e todo mundo vai para casa com ares de sabichão.
Sim, sim, a senhorita Verdade é uma mocinha muito da metida e vaidosa, difícil de ser conquistada, os mais céticos diriam impossível obter o seu coração, quanto muito a sua atenção; já os relativistas, gozadores da vida, chamam de "Verdade" a rapariga mais barata da esquina, e enfiando a mão no bolso, saem de mãos dadas cada qual com a sua. Desfilam esnobes pelas ruas.
Há verdades psicológicas por trás disso tudo. Como vamos chamar esse senhor que anda atrás de uma moça que nunca viu e que acredita piamente ser capaz de reconhecê-la quando lhe pousar as vistas? Que sabe ele dela? Na verdade, nada, nem mesmo se ela existe, embora já tenha se convencido da sua existência e delire com a sua virgindade. Parece que nasceu com essa convicção inscrita no peito. Na sua alma, notamos o carimbo da sua verdade psicológica: sonhador frustrado. Refugiando-se em seus sonhos e delírios, ele vive até com uma certa animação a sua frustração diária do desencontro.
Esse senhor tem um amigo, um falso amigo, para dizer a verdade, que anda em sua companhia para tudo quanto é lado: o cético. Este aí não passa de um fingidor, minha gente. No fundo, bem secretamente, ele não acredita que a moça perseguida pelo seu amigo exista. Mas ele jamais lhe confessa tal coisa. Faz justamente o contrário. Ele pega na mão do amigo, meio assim viadinho mesmo, e sai com ele pelas ruas fingindo que a procura também, mas sua intenção secreta é destilar o sadismo e rir-se por dentro com a frustração do amigo. Sempre que o vê arregalando os olhos cheios de esperança diante de uma moça, ele chega bem pertinho do seu ouvido com uma dúvida penetrante. Que prazer sente em vê-lo chorar! Tanto ódio só por invejar a esperança do amigo e apenas nesse ódio encontra o sentido da sua existência parasitária.
Que sujeirada! O relativista é um piolho de puteiro, o sonhador, um lunático frustrado e o cético, um infiel invejoso! Que balbúrdia! Você me coloca o relativista para falar do cético, o cético, do sonhador e o sonhador, do relativista. Opa, e agora, quem está falando? Isso não é justo, quem ficará com a palavra final? Ora, pouco importa. Na memória da platéia, vence quem gozou mais.
sábado, fevereiro 23, 2008
Filósofo
Eu já tinha quase me esquecido dessa época áurea e encantada dos primeiros anos de encontro com a filosofia em uma graduação regular. Tudo é muito intenso e apaixonado, a ingenuidade e a esperança são elevadas, o vírus cético ainda não se infiltrou na carne, a mente vive imersa em sonhos longínquos, densos e coloridos, cada rosa que se vê na rua parece lhe dizer algo profundo, cada mente humana, um universo sem fronteiras, até que, ao final do curso, você começa a entrar em um contato mais íntimo com a sua dimensão institucional e burocrática. Em um dia terrível, que te marcará para sempre, você pergunta ao seu provável futuro orientador se seria possível escrever a dissertação de mestrado na forma de um diálogo, e ele, com olhos de reprovação e quase indignação - afinal, como, a essa altura, você aparece com um absurdo desses na boca? -, lhe dirá que absolutamente não, que um diálogo não é científico, não tem a estrutura de um texto acadêmico, apesar de ter sido cultivado
amplamente na antiguidade e ter sido resgatado na modernidade por uns e outros. Claro, filosofia agora é ciência e o seu gênero literário, o paper. Seja coerente com o seu tempo, meu filho.
Você avança nos degraus da academia e se vê cada vez mais cercado de pressões que não lhe parecem ter absolutamente nada a ver com aquela paisagem livresca e sublime que lhe infundia os sentidos nos primeiros anos. A liberdade que você supunha ter para pensar é cada vez mais restringida até o dia que você chega mesmo a sentir vergonha por pensar. Filósofo não pensa, ou melhor, como ousa, como ousa pensar que é um filósofo? De onde veio toda essa arrogância? Quando muito, você é um estudante de filosofia. E do pior tipo: um estudante que não busca nada além de uma compreensão fingida. Vamos, meu filho, venha comigo, vou lhe ensinar a repetir bem, temos muitos mantras aqui, há de gostar de algum.
Um dia você é apresentado ao paper, esse modelo primoroso e consagrado da literatura científica. Essencial para o adestramento do seu pensar, para lhe dar, assim, uma certa linearidade e objetividade e, eu acrescentaria também, monotonia. Vamos lá, é fácil, fácil até demais. Introdução, revisão bibliográfica, paráfase, paráfase e mais
paráfases, desenvolvimento, isto é, comentário, comentário e mais alguns comentários, por fim, a sua tênue e ligeira conclusão onde você finge ter pensado alguma coisa. Os mais covardes até lhe segregam nos ouvidos conselhos valiosíssimos: nunca diga nada a não ser que esteja apoiado em um gigante, e se lhe apontarem os erros, balance os ombros, como quem diz: ora, é o gigante ali quem errou, ele é o culpado, estou isento. A filosofia que antes era sentida como um oceano de possibilidades, paraíso livre para a imaginação, lhe aparece agora como um deserto árido sob o cárcere do paper, onde só se pode andar de quatro. Nem preciso dizer o porquê. E o que é pior: tornou-se uma atividade tão fácil quanto entediante. Filosofia mecanizada, afiliada
à indústria científica, fábrica de papers.
A vivência entre os pares que antes era harmoniosa, fraterna e repleta de partilha torna-se cada vez mais violenta a medida que vamos sendo envenenados pela vaidade e o orgulho. Entramos no curso com ingênua franqueza, argumentos focados no assunto, e saímos de lá peritos nos golpes ad hominem. Se é para bater, bata forte. Na pessoa, claro, idéias aqui pouco nos importa. Fomos expulsos do paraíso idílico, estimulados a falar línguas diferentes, a nos odiar, a encarar o diferente como oponente, a maltratá-lo, a olhá-lo de cima para baixo, arrogantemente. Cada vez mais vaidosos e cada vez mais solitários. A experiência filosófica se confunde, neste estágio, com a experiência de extrema solidão. Alguns levam tão a sério o mantra do repeteco, aprendem a copiar tão bem que cresce neles a convicção de que conhecem até melhor a obra do autor que o próprio autor, se bobear alguns até pensam ser a reencarnação espiritual do autor; babam raivosos quando você menciona os filósofos que eles tomaram por prediletos. É uma coisa meio louca e doentia mesmo. Cada qual achando que tem monopólio sobre a boca do filósofo adotado, como se já não bastasse o ridículo de adotar um.
Por fim, você tem o azar de cair nas mãos de um orientador que além de não ler o que você escreve, te faz passar de duas a quatro horas numa sala para ouvi-lo palestrar sobre os assuntos que interessam a ele, não sobre os que te interessam e que estão ali escritos no texto que ele deveria criticar. Mas ele critica, mesmo sem ler, ele critica. Ele aponta erros. Veja, esse argumento está fraco, não responde a essa possibilidade. Não? Respondo sim, veja aqui na página N. Ah, é verdade, devo ter passado rápido por ela. Se isso acontecesse vez ou outra, mas não, é a própria constante.
Então fiquei ali com ares de nostálgica melancolia contemplando todo aquele frescor filosófico juvenil ainda incólume das perversidades que a instituição acadêmica há de lhe inocular mais cedo ou mais tarde. Já notei, aliás, os primeiros indícios de vaidade crescente.