quinta-feira, junho 19, 2008

Eu por mim mesmo.

Esses dias recebei do meu ex-orientador, o legal, não o ex-ex, o chato, um e-mail em que ele me pedia para escrever uma autobiografia de até 5000 caracteres; o motivo: minha tese foi escolhida para concorrer, pelo departamento de filosofia da UFMG, ao prêmio CAPES lá de melhor tese do ano. Eis, então, a minha "autobiografia":

É difícil para mim precisar em que momento tive o meu primeiro contato com a história da filosofia. Provavelmente, ainda pequeno, quando, curioso pela origem do meu nome, fui em busca de livros sobre a mitologia grega. Mas não foi nesta época que a conheci de fato. Passei a infância e a pré-adolescência com a mesma inquietação dos filósofos pré-socráticos, interessado em conhecer a origem do universo e seus elementos mais fundamentais. Cheguei, então, à física bem antes de conhecer a filosofia e, por muito tempo, motivado também pelo gosto e facilidade com os cálculos, projetei-me no futuro como físico. Somente naquele ano de decisão inadiável sobre o futuro profissional é que tomei um contato direto e efetivo com a filosofia através da leitura de alguns livros sobre filosofia da ciência indicados por um tio que, então, se formava em filosofia pela UFMG.

A leitura desses livros provocou uma completa reorientação das minhas inquietações intelectuais, percebi pela primeira vez que entender o que era o conhecimento e como ele poderia ser obtido eram questões para as quais eu precisava de uma resposta antes de procurar saber sobre as leis físicas que regem o universo. Hoje, claro, não vejo o assunto assim, mas na época, senti-me completamente compelido para a filosofia em virtude dessa reorientação das minhas próprias questões. Não só isso, senti-me, de fato, curioso por saber o que era o conhecimento, o que os filósofos haviam falado sobre ele. Era algo novo para mim, até então, essas questões tinham passado pela minha mente, se é que tinham, apenas de maneira obscura, confusa; quando as vi postas claramente, senti a necessidade de passar mais tempo com elas. Decidi, assim, pela filosofia profissionalmente. A física poderia esperar, ela tinha de esperar.

Ingressei na graduação de filosofia da UFMG em 1995, então, com 17 anos. Foi um ano desafiador e amedrontador, meu contato anterior com a disciplina se limitava àqueles livros citados acima, e, de cara, deparei com professores sequiosos em esbanjar o jargão filosófico. Muita coisa foi dita nas salas de aula sem que eu conseguisse entender. Temi que o curso não fosse para mim. Cogitei até mudar para física ou ciência da computação. Mas a medida que aprofundava as minhas leituras e me acostumava com o palavreado obtuso dos filósofos, senti-me mais à vontade entre eles. Vieram as provas, os trabalhos e sai-me bem neles. Alguns professores elogiaram a minha argumentação e eu comecei a me convencer que tinha jeito para a coisa. Novamente, as ciências exatas tiveram de esperar um pouco mais.

No ano de 1996, foi abrutamente arrancado do curso de filosofia. Já tinha ouvido falar de Hobbes e dos tentáculos poderosos do Leviatã, mas só fui compreender a sua real força quando ele me agarrou. O Exército achou que eu era interessante nas suas fileiras. Ironicamente, eu era, na época, anarquista. Aceitei, no entanto, o destino sem revolta, curioso até pela experiência inusitada, consolado com os relatos de filósofos que tinham também passado pela experiência militar.

Em 1997, voltei ao curso, com muita vontade e mesmo vigor físico para a pesquisa. Agradeço aos milicos por esse preparo. Conheci Wittgenstein e apaixonei-me pela sua vida e obra. Percebi que mais fundamental ainda que a questão do conhecimento era a questão do sentido. Nem tanto assim, é verdade, como se verá em seguida. Na época, pareceu-me claro, antes de perguntar qualquer coisa, essa pergunta precisa ter um sentido e o filósofo austríaco incutiu-me a dúvida de que muitas perguntas não tinham. Eu precisava, assim, saber (vejam só) o que era o sentido.

Daí em diante fui perdendo a minha ingenuidade intelectual e aprendendo a exercer essa atividade que se costuma denominar de "acadêmica", fazendo pesquisa, criticando artigos, buscando entender os filósofos, suas idéias e tentando escrever as próprias. Algo nessa atividade me irritava, na filosofia brasileira, em especial, a hegemonia exegética. Mas, por sorte, encontrei alguns professores que me estimularam e encorajaram a abordar a filosofia de uma maneira mais temática, que é o tipo de abordagem com a qual me sinto mais à vontade, por nenhuma razão fundamental, é verdade, apenas uma questão de gosto. Assim pude continuar na filosofia, seguindo mais ou menos o percurso esperado de um acadêmico: especializando-se. Formei-me no ano de 2000 e já em seguida iniciei o mestrado. Ainda interessado no conhecimento, foquei-me num tipo específico, o perceptivo. Critiquei aqueles que combatiam a idéia de que há crenças justificadas não-inferencialmente pela percepção. Em seguida, no doutorado, enfim, tentei positivamente articular essa idéia, provendo uma compreensão filosófica de como essa justificação se dá. Defendi a tese em 2007. Desde, então, sou um filósofo desempregado.

3 comentários:

Maria Helena disse...

Ficou excelente!!! Nota dez! :)

Anônimo disse...

Tbm adorei! Dá até vontade de ler a tese depois disso!

Fernanda

Arlequim disse...

Estava eu a reler os teus posts de 2006. Impressionante o quanto me identifico em várias passagens. É estranho, reconfortante e em certa medida entristecedor quando isso acontece. Sou tentado a pensar que as pessoas com as quais me idenfico apenas por meio das palavras escritas sintam de maneira muito parecidas as minhas inquietações, agonias e incertezas. Mesmo sabendo que essa inferência não é totalmente válida, ainda assim me entristeço. Algumas das tuas palavras do passado ainda fazem muito sentido pra mim. Ainda acredito e vivo muitas delas.