quinta-feira, dezembro 04, 2008

Da Covardia

Eu voltei, mas terei culhões para resistir dessa forma acovardada? Esse é o problema de ter a sobrevivência nas mãos de outros com os quais você discorda radicalmente em um assunto capital: a educação. A bolsa é boa, mas é uma merda. Penso também que se estivesse na iniciativa privada da computação, daria no mesmo. Sapos para engolir não faltariam. Melhor aqui, então, apesar de todos os pesares. Hoje escutei calado, muito embora não fosse dirigido a mim, a frase encorajadora: "não há nada que você diga que já não tenha sido dito de uma forma melhor por outra pessoa". Que forma estupenda de estimular a criatividade dos seus alunos! Sobre o ar interrogador desses últimos, ainda ouvi a analogia fenomenal: "as pessoas vão aprender a dirigir na auto-escola e não questionam as regras de trânsito, por que não adotam o mesmo comportamento aqui no curso?". Eu estava realmente ali? Quão mal o gênio malígno às vezes consegue ser comigo. Incrível como qualquer pessoa comum tem um bom senso infinitamente maior que a de qualquer filósofo acadêmico brasileiro. Os alunos querem ouvir mais sobre o papel do filósofo na sociedade, sua possível intervenção política e social. Depois de se olharem mutuamente, como se chegassem a um acordo implícito, desabafam raivosos: "não compete à filosofia agir, não conheço professor de filosofia que atue politicamente". Certamente Marx e Sarte não deram aulas de filosofia. Gênio, gênio, assim vou preferir ficar surdo. As psicólogas vieram relatar os resultados dos seus estudos sobre a evasão dos alunos. Atualmente, em torno dos 40% e teve ano que ficou em torno dos 80%. A maioria queixou-se do pouco espaço para pensar, da falta de estímulo para o pensamento próprio, ao contrário, ele é violentamente podado. No entanto, o corpo uníssono dos acadêmicos parece pensar que tudo vai bem, afinal, "nosso curso tem exclusivamente o objetivo de formar professores universitários". Quem ouve uma frase assim até se encolhe diante de tanta seriedade. Mas quem é que pode levar isso realmente a sério? Eu não posso. Estamos falando de dinheiro público. A graduação não pode ter apenas por objetivo formar alunos que farão mestrado e doutorado. Um curso que não tem esse objetivo exclusivo não perde, por isso, qualidade. Mas isso é o de menos, perto de tudo que ouvi, foi o menor dos males. O pior é o acordo tácito que está por trás dessa fala naquele contexto: a idéia pilar de que o professor universitário deve ser mais um papagaio que alguém que saiba pensar. Voltei para casa arrasado, principalmente comigo. Covarde. É só o que consigo me repetir. Consola-me pouco dizer-me que não adiantaria nada tentar convencê-los da importância de se estimular a criatividade dos alunos e valorizar suas idéias próprias. O tom de voz já exaltado diante de um simples relato de resultado de pesquisa se elevaria ao grito, eu não duvido, diante da discórdia frontal. Covarde. Seja um lobo em pele de cordeiro. 

4 comentários:

Trunkael disse...

Cara eu não sei exatamente o contexto, e nem sou professor universitário par entender a pressão que você sofre. Mas para mim discutir não é só importante, mas é como um tipo de esporte, ou hobbie.

Caminhante disse...

Entendo a tua indignação, mas nada disso me surpreendeu. Passei toda a vida na federal e tive aula com alguns desses teus colegas. Eles não apenas são assim como morrem de orgulho disso!

Unknown disse...

Lendo seu texto e quanto os seus argumentos são bons novamente, fiquei com vontade de ver você falando para os professores: não, não é assim. E dizendo tudo isso na cara deles. Será que eles realmente teriam um contra-argumento decente? Duvido.
Não acho que você perderia sua bolsa por isso, só por discordar. O problema é que se perdesse talvez ficasse até mais indignado. Mas, por experiência própria: infelizmente, engolir sapos e ainda assim não ser reconhecido pelo muito que fez além disso é mais indignante ainda. Você vai pensar: engoli meu orgulho e ainda trabalhei a favor deles pra nada... Em resumo, você não só ignorou a bunda mole deles, apalpou e ajudou a espalhar toda a merda expelida. Bom, mas, no seu caso, eu duvido que seja nada o resultado da bolsa.
Quando eu estava na adolescência eu revidava e contra-argumentava bravamente, dando minha cara a tapa literalmente. Muitas das pessoas que pareciam concordar comigo, mas não me apoiavam abertamente por covardia, me convidavam a ser covarde também. Diziam algo como: não adianta falar para alguém que não quer escutar, ou que não vale a pena gastar nossas palavras. Eu fiquei pensando nisso agora. Quando a gente vai crescendo aprende a ser covarde e fica igualmente surdo. Talvez valesse a pena continuar abrindo a jaula, botando pra quebrar tudo, discordando e fazendo desse tipo de vale-tudo um esporte igual ao do Trunkael. Estaríamos mais próximos do idílico 2 meses de vida que eu tanto sonho, fim da repressão, a coragem de dar a cara a tapa e assumir os resultados, mas ficar contente consigo mesmo no final. Se todo mundo não abaixasse a cabeça como acontece, talvez os idiotas fossem mais obrigados a ouvir (se as pessoas que me apoiavam na adolescência me apoiassem abertamente eu teria mais força).
O problema é que é difícil aceitar as conseqüências. Eu tenho vontade de botar a boca no mundo sobre o Bom Jesus, de tacar um molotov lá dentro à noite, de pixar e colar panfletos nos muros da escola com tudo o que tenho pra dizer. Mas exércitos de um homem só não funcionam e o resultado seria que eu só me foderia e não conseguiria outro emprego. A gente acaba aprendendo que a rebeldia não funciona se você é fraco, assim vamos nos tornando mais fracos e subjugados ainda. Quem começou tudo isso, Gandhi?
Sei lá, Eros, mas e se começarmos a viver como se fôssemos morrer mesmo e parar de sermos tão bonzinhos, educadinhos, poupadinhos, quietinhos, bons alunos, bons profissionais... Bons pra quem? Quem está se beneficiando com tudo isso? A busca de aceitação é uma farsa, você não é aceito de verdade, só vira degrau pros outros. As pessoas gostam de quem podem pisar e a gente se deixa pisar com gosto, como prêmio levamos elogios. Nós não somos tão cheios de honra, podemos agir assim e dizer: é pro meu próprio bem, as consequências se eu agisse ao contrário seriam piores. Mas depois nos tornamos esses seres infelizes, enjaulados, perdidos, sem saber quem somos de verdade, com medo o tempo todo, sendo submissos o tempo todo pra esconder a raiva que vai cada vez mais se avolumando.
Se formos rebeldes, talvez nos tornemos fortes, talvez sejamos escutados, enfim, pelo menos seremos nós mesmos e não seremos mais uns bunda-moles... viva la revolución o/ (surtei, né? mas tente pensar a sério nisso...)

Maria Helena disse...

Não é a academia que é frustrante. É o mundo. As pessoas. A gente acha que porque as pessoas estudaram, tiveram oportunidade, etc., vão se entender, compreender e dar oportunidades e a democracia vai sair daí. É horroroso. Tem alguma coisa que torna as pessoas decentes, coerentes, razoáveis, alguma coisa que escapa. Infelizmente. Não sei se fez sentido o que escrevi... Parece que estou falando outra coisa. Mas acho que vc vai entender.