segunda-feira, dezembro 28, 2009

Transcendência? Onde? Eu quero é paz!

Como não creio em felicidade transcendente, nirvana e coisas do tipo, a "felicidade" que almejo se resume em tranqüilidade, paz, ausência de tormenta, dor e sofrimento. Qualquer coisa além disso é brinde. É pouco? É medíocre querer apenas isso? Depende. Acho difícil comparar, nem é coisa tão fácil de se encontrar. Muitos pensam na experiência de paz como simplesmente ausência de sentir, uma espécie de morte em vida e, na pior das hipóteses, como um estado de tédio e apatia. Se estou a usar a palavra certa ou não, pouco importa, o fato é que nada disso está mais distante do que entendo pela experiência de paz. Ela infunde, tranqüiliza, põe-me no melhor contado/entendimento/compreensão que poderia ter de mim mesmo e do lugar que ocupo neste universo. Ela não é apática, põe-me sim em movimento, direciona-me contemplativamente a todas as coisas. E sim, ela tem o seu colorido próprio, uma sensação toda particular.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Confusas sujeiras natalinas

Não vim dizer nada de importante, apenas resolvi espantar um pouco da poeria que se acumulou por aqui. Um pano só não será suficiente para limpar tudo. Mas, pensando bem, que há de tão mal em um pouco de sujeira? Quem tem mania de limpeza é a minha mãe e a Marcely, eu não tenho nada com isso. Até cultivo uma certa estética da bagunça organizada. Pedaços de papel velho aqui e ali, a lata de cerveja vazia fedendo a mijo bem do lado do meu Jaspers, restos de comida sobre o teclado, manchas de café, enfim, é o carimbo da minha vida diária bem aqui ao meu redor, na minha mesa. É isso, não quero limpar nada, cansei de limpar, quero sujeira, bagunça, caos pacífico. Foi um ano bom, com muitas mudanças, muitas provações, muitas descobertas. Vi-me, enfim, como professor. Ainda não curto a palavra, nunca curtirei. Na verdade, eu não a quero para mim, a não ser formalmente, é claro. Eu não ensino nada. No máximo, levanto dúvidas. Brinco. Preparo aulas pensando em múltiplos caminhos a percorrer. São muitos alunos, muitas variáveis. Alguns não precisam de mim, outros precisam, outros carecem de uma mão. Estou ali, presente, não necessariamente para ajudá-los, o que já seria muito professoral, mas para que usufruam de mim, para que tirem o proveito que puderem, se é que podem. Dou-me a eles, em sala de aula. Tento, tento espicaçar ideias. Espero pelo diálogo, pela discussão. Quase me desespero quando não falam. Quero, preciso sempre levar a eles alguma coisa, alguma tormenta. Não há filosofia sem um quinhão de desespero. Sorrio por dentro quando tentam me encurralar. Sinal de que lhes causei alguma coisa. No fundo, é isso, mesmo quando ruidoso, tento produzir algum devir para eles. 

sexta-feira, outubro 30, 2009

Autoengano.

Eu me engano, você se engana, ele se engana, ela se engana, todos se enganam praticamente o tempo inteiro. Entendemos que aqueles que nos elogiam são pessoas confiáveis, competentes e respeitáveis, enquanto aqueles que nos criticam são pessoas incompetentes e desprezíveis. Nos alistamos em grupos, dos mais variados temas e tipos, para que chegue aos nossos ouvidos o reforço daquilo que já cremos. Criamos milhares de teorias conspiratórias para explicar nosso insucesso. É sempre muito mais provável que intenções e forças malignas se interponham à realização de nossas vontades do que não termos simplesmente os recursos físicos e mentais para realizá-las. Quando o elogio alheio não é suficiente para reforçar a crença no quão bom somos, nos autoelogiamos, nos aproximamos dos mais fracos e fazemos comparações. Montamos estratégias de propaganda, alardeamos os nossos feitos, enfatizamos que são nossos, só nossos, mas atenuamos os nossos fracassos, estes são relatados sempre com ressalvas, não são muito nossos. É claro que todo esse campo de força fabricado é útil (até um certo ponto) para a sobrevivência. Nos mantém fortes, convictos, otimistas, esperançosos. Mentiras úteis, enfim. Porém, este campo esconde uma dolorosa verdade: somos tão fracos que simplesmente não nos aquentamos, não queremos nos ver no espelho. Quase nunca nos enfrentamos, quase nunca nos deixamos estar a sós conosco mesmos. Estamos, na maior parte do tempo, com um outro. E não é por fingimento, não estou falando da baboseira metafórica das máscaras, falo algo muito simples: estar honesta e sinceramente com um outro, distante de si, é o modo que a nossa espécie miserável encontrou para sobreviver. Este truque dissociativo, no entanto, pode ser visto como aquilo de que temos de mais forte, é o nosso trunfo.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Mas o que é mesmo um argumento?

Quando o aluno vem me entregar a prova e diz defensivamente, "professor, não sou analfabeta, mas essas palavras 'premissa', 'conclusão', 'inferência', 'argumento' ainda me deixam muito confusa, como muitos aqui, ainda não tive aula de lógica", meu chão cai por completo, não por achar que eu não tenha feito o meu serviço didático direito, posso até não ter feito, mas por outros motivos; essas quatro palavrinhas "misteriosas" não é algo que só se aprende num curso de lógica, são palavras úteis para a apropriação ou interpretação de qualquer texto científico/teórico/jornalístico/informativo e que deveriam ter sido introduzidas à aluna antes mesmo dela entrar na universidade pela sua professora de português e reforçada e exemplificada por todos os outros professores das ciências específicas: histórica, geografia, matemática etc.  Confuso fico eu tentando imaginar a maneira confusa através da qual ela enxerga as relações entre as ideias de um texto que lê...Esses choques de realidade são bons para me fazer perceber que, às vezes, posso estar estimando as capacidades dos alunos erroneamente. É bom por forçar-me a fazer malabarismos para passar o básico junto com o essencial. É ruim se me tenta a baixar o nível do mínimo. 



sexta-feira, outubro 02, 2009

O eu e outro

Quanto mais elas gritam o que não são, mais marcam o que são. Intensifica-se o contraste para facilitar a percepção de si. E de onde vem toda esta necessidade de ser? Ser indistintamente seria, em si mesmo, pior que ser distintamente? A consciência mais radical de si tem um ônus: o peso de ser quem és aumenta. Assim como o seu peso corporal não é o mesmo se está na Terra ou na Lua, seu peso existencial não é o mesmo se a sua consciência de si é mais ou menos aguda. E no entanto, lá está a multidão rejeitando freneticamente tudo o que ela não é. Parece que é quase com repulsa que encontram algo indistinto em si. A idéia é manter consigo uma presença de si esquelética, míngua, mas que, no entanto, é só sua, absolutamente sua, depurada de todo o resto. É com prazer que a pessoa se descobre. Não sei se é com prazer que ela se aquenta.

terça-feira, setembro 29, 2009

Da arrogância arbitrária

Quanto menos incertos estão, mais arrogantes ficam, como se a arbitrariedade justificasse a arrogância. Arrogância arbitrária não tem outro adjetivo, é arbitrária e pronto. Agir como se tivesse alguma razão é dar tiro no pé.

Mas quão difícil é para o homem encontrar o meio termo! Quando certos demais, cometem as maiores atrocidades em nome dessa certeza, como se ela os licenciasse. Quando incertos demais, cometem igualmente as mesmas atrocidades, não em nome da incerteza, mas em nome da arbitrariedade que eles vêem agora em qualquer lugar e, assim, justificando qualquer coisa.

quinta-feira, setembro 10, 2009

O eu só se revela pelo enfrentamento

Ainda sinto uma leve descarga de adrenalina toda vez que entro no corredor que me leva à sala 92. Mas pára por aí. Não fico nervoso, não tenho brancos, brinco, sou irônico com os filósofos que não gosto e tudo isso para um público de 40 a 50 alunos. Quando penso nisso, percebo a trivialidade: nunca nos conhecemos realmente até que nos coloquemos nas situações que, em pensamento, acharíamos não enfrentáveis. Deixar-se levar pelo medo é a melhor maneira de afastar-se do conhecimento de si. Contudo, mesmo repetindo-me esta última frase em alto e bom tom, não farei como a personagem da Clarice, não vou tocar na barata não. Esse meu lado eu faço questão de não conhecer. :)

sexta-feira, julho 17, 2009

Canseira

Embalar, embalar e embalar. Caixas, caixas e mais caixas empilhadas pela casa ou microcasa. Já tinha me esquecido como é chato fazer a mudança, por mais que o mudar seja desejado.

sábado, julho 04, 2009

Potencialização da felicidade

Vê-la sorrindo me faz sorrir mais do que as outras coisas que normalmente me fazem sorrir. É um fato: relacionar-se de forma comprometida potencializa a sua felicidade. É verdade que também potencializa a sua tristeza. A infelicidade do outro transforma-se em sua infelicidade também. Mas se o preço a pagar para ter graus mais elevados de felicidade é poder ter também graus mais elevados de infelicidade, é um preço justo a se pagar. Ademais, a relação em si é algo que, a despeito da felicidade que pode trazer, eu quero. É como se, sem ela, eu não fosse tudo o que posso ser. 

terça-feira, junho 16, 2009

Tagarelice

A ironia é que vamos partir quando finalmente, depois de quase quatro anos, conseguimos criar uma tênue vida social nesta cidade. Não preciso dizer, nossos amigos não são curitibanos; são gaúchos. Podem dizer que eles são mais bairristas ainda que os curitibanos, eu não duvido, são também mais orgulhosos, o que eu também não duvido, mas a diferença é que eles têm muito mais razões para serem assim dos que os curitibanos. Sem dúvida, são mais cultos, legais e interessantes. Generalizo aqui sem qualquer temor de prejuízo.

Foda neste final de semana foi suportar a tagarelice do Sr. A... Eu já falei uma vez aqui que não entendo as pessoas que não param de falar um segundo. Não entendo como elas não gostam de estar consigo mesmas um segundo sequer. Mas eu também não entendo como elas não gostam de estar com o mundo, com as paisagens, com a natureza, com seja lá o que for que possa pairar ao alcance dos cinco sentidos. E seja lá o que for que faça com que elas não queiram nunca estar consigo mesmas poderia ser igualmente remediado estando com o mundo! Mas quem na pára de falar não tem como perceber tanto o mundo. Que coisa mais horrível essa de estar sempre só com os outros. E este "só" aí pode ser entendido tanto no sentido adverbial quanto no sentido substantivo.

domingo, maio 31, 2009

Vida não-linear.

Um ano atrás eu não me imaginaria saindo de Curitiba e voltando a morar em Brasília. Um ano atrás eu recomeçava a me imaginar a trabalhar novamente com filosofia depois de ter passado alguns anos distante dela, a não ser como leitura de cabeceira. Algumas poucas decisões foram se avolumando em grandes decisões. As condições que me levaram de volta à filosofia foram parcialmente fortuitas, não estavam completamente sob o meu controle. Dependeu de um sujeito ter passado em um concurso, de uma certa bolsa ter sido, por isso, liberada e do empenho político em uma reunião departamental de um professor que eu nem conhecia, mas que tinha gostado do meu projeto de pequisa. Esse conjunto de condições favoráveis aliado as minhas saudades filosóficas e ao descontentamento com um vindouro trabalho na área de computação em uma empresa capitalista tradicional fizeram com que eu fosse novamente absorvido pela filosofia. Uma vez de volta, uma vez dando aulas e gostando da coisa, uma vez me sentindo completamente compenetrado nos textos e discussões filosóficos, não poderia me contentar com esta situação insegura de ser bolsista, ainda mais com a chuva de vagas em universidades federais por conta do REUNI e da UAB. Ainda assim, pesava nas costas a minha decisão anterior de ter escolhido vir morar em Curitiba. Poucos acreditam, mas a principal razão de ter vindo para cá foi e continua sendo o clima: é a capital mais fria do país. O prazer estético que tenho ao caminhar pela cidade também conta muito favoravelmente. Além disso, não decido mais as coisas sozinho. A pressão é forte. Anyway, apesar de todos estes fatores pró-Curitiba, vi-me coagido a ter de deixá-la provisoriamente tendo em vista a minha continuidade na filosofia. Dar aulas em instituições privadas de ensino superior, salvo algumas raras exceções, é tão ruim quanto trabalhar como programador na GVT ou na IBM. A minha entrada no departamento daqui, como efetivo, pude perceber muito bem agora, bem claramente, diga-se de passagem, não é algo que dependa apenas de mim, do meu esforço e da minha diligência. Há fatores políticos que fogem completamente do meu alcance. Não dá, assim, para contar com a sorte de bons ventos a meu favor. Então é isso, como o meu amor pela filosofia é maior que o meu amor por Curitiba e como a Marcely cedeu no seu amor por Curitiba para eu saciar o meu amor pela filosofia, decidimos arrumar as nossas malas. E, para a minha felicidade, dentre os poucos departamentos de filosofia fora daqui que me atraem, a UFSC e a UnB, um deles decidiu pela minha aprovação. Vou com algum pesar, Curitiba fica, mas também vou feliz, lá tem excelente filosofia e, pelo que me lembro, um povo muito mais simpático e interessante.

Quando olho para trás, gosto de ver que a vida não é completamente linear. Se ela te soa muito linear, então você certamente não tem tomado muitas decisões, não tem tomado em suas mãos a rédea de sua vida.

quarta-feira, maio 20, 2009

DF aí vou eu

Ao que tudo indica, talvez não tão brevemente, mas, no mais tardar, até o final do ano, parto para o Distrito Federal. UnB aí vou eu.

Livros livres


Não sei de quem foi a iniciativa, se do governo do DF, da União ou de uma ONG qualquer, mas o fato é que ela está surpreendentemente dando certo. Cada ponto de ônibus recebeu uma estante para que livros sejam ali depositados. Quem se interessar, pega o livro emprestado, lê, ali mesmo ou em casa, pouco importa, e depois devolve. Quem quiser contribuir também, escolhe um ponto e despeja as suas doações. 

A gente fica tentado a dizer que algo assim não vai dar certo, pois as pessoas roubariam os livros, não é mesmo? Pois é, mas pelos relatos brasilienses, tal não tem acontecido. Claro que algumas pessoas não devem devolver os livros que tomam emprestado. Mas deste que a percentagem dos que assim o fazem seja suficientemente pequena, ela não prejudicará o bom funcionamento da coisa. 

Fisicamente, Curitiba parece-me até mais propícia para uma iniciativa assim. Como os pontos aqui são tubos, protegendo o seu interior da chuva, a conservação dos livros estaria, em princípio, mais assegurada. Ainda assim eu acho que não daria certo, pois o curitibano médio parece ler muito pouco; infiro isso da pobreza lastimável dos sebos curitibanos. Até em Guarapari-ES encontrei um sebo de dar inveja a qualquer sebo curitibano.  Imagino as estantes nos tubos sempre vazias por falta não de doação, mas do que doar!

sexta-feira, maio 15, 2009

Euforia

Para registrar o dia e, com relativa aproximação, a hora da boa nova que me deixou eufórico. 17:00.  Dois dias de pura ansiedade finalmente resolvidos.

sábado, maio 09, 2009

Do retor

O professor retor, embora não tenha falado absolutamente nada de concreto, embora os alunos ouvintes tenham saído dali sem nenhuma informação clara, conseguiu dar a impressão de ter falado coisas muito profundas. O domínio emotivo que ele tem da linguagem é inegável, diria até que invejável, embora eu discorde dos fins para os quais ele emprega este conhecimento. Ironizar e pintar alguém de tolo é sempre um bom caminho para despertar a aceitação da platéia. Quem manipula bem esse estranho sentimento de sadismo que nos habita consegue facilmente despertar em nós a crença. Tiradas que provocam o riso também nos colocam mais dispostos ao acordo, como se déssemos o aceite em troca do prazer que nos foi dado. 

O retor, por ter o dom da palavra, tem poder, poder de causar a crença. O mais estranho, na verdade, é o que vem a seguir: no ambiente da academia, muitos percebem e captam um retor em seu uso da retórica e não só se admiram do poder do retor como o louvam e premiam, mesmo quando notam que o retor usa o seu dom para causar o assentimento gratuito, desvirtuando completamente o que pareceria, em princípio, as finalidades guias da academia: a verdade e a correção. Mas não nos esqueçamos que estes acadêmicos antes de qualquer coisa são humanos. Quando eles louvam um retor eles estão expressando o desejo de ter o poder do retor, estão cedendo à inveja despertada pela vaidade: "um dia quero ser assim também". 

A beleza da certeza

Em nome da certeza nos sentimos autorizados a fazer as maiores atrocidades. Não é de todo implausível, então, que desejemos a certeza para podermos fazer as maiores atrocidades de consciência livre. Claro que se a atrocidade se conforma com a certeza, ela não é vista como atrocidade. Seu mal só se revela quando cai a certeza, quando percebemos erro e a incerteza da certeza. De qualquer forma, queremos agir sem reprimendas, sem porém. E, por isso, a certeza nos aparece como um bem tão belo. Lá no fundo, pulsa e comanda a vontade de poder. 

sexta-feira, abril 17, 2009

Da injustiça extroversa ou da justiça introversa

Não sou o tipo de pessoa cujo ser se revela em algumas falas
encenadas. Meu ser é contraído, raramente se expande luminosamente
chamando a atenção alheia. Ao contrário, sou o tipo de pessoa cujo ser
se desvela por convívio. Somente o estar com é suficiente para
despertar-me a abertura. Por isso, uma vez me disseram, "quem, em te
conhecendo, não te amarás?". Concordo. Isto vale para outras dimensões
do meu ser: "quem, em me conhecendo, não perceberás o meu engenho?". Mas
há aqueles que conseguem expressar engenho pela casca, sem o conviver, e
outros que o manifestam sem tê-lo de todo. Seu engenho consiste
justamente em serem altamente capazes de parecer engenhosos. Há várias
situações da vida em que demandam de ti apresentar as suas qualidades em
um intervalo pequeno de tempo, isto é, querem de ti a manifestação das
suas qualidades sem terem de conviver contigo. Esta é uma situação
injusta, uma vez que privilegia a maior capacidade natural do extroverso
de parecer o que é ou mesmo de parecer o que não é, enquanto o
introverso pode ser muito mais que o extroverso sem conseguir, em tempo
hábil, parecê-lo. O que só comprova o mote comum de que vivemos numa
sociedade que privilegia muito mais as aparências. Não que a aparência
seja, em si, ruim, não, em muitas ocasiões, a aparência é realmente tudo
o que devemos almejar, mas, em outras, dizemos hipocritamente que
esperamos o ser, quando, na verdade, julgamos erroneamente a sua
presença apenas por umas parcas aparências. Assumamos logo o que
queremos e valorizamos.

terça-feira, abril 14, 2009

"De alegre já basta a vida"

"De alegre já basta a vida", disse o professor amigo, em defesa da sua apreciação estética de ambientes sombrios, vitorianos. Eu vou mais longe: que pena que até a vida seja alegre ou tenha de nos aparecer sempre alegre! Não há nada mais sofrido e entristecedor que a pressão por parecer alegre. Sabe-se que ela é mais cultural que humana. Argentinos, ao contrário de nós, cultivam a experiência dramática da dor, do sofrimento. Cultivam, na verdade, a não-distância entre o que se sente e o que se manifesta. Já  nós na altura dos trópicos temos maior apetite pela esquizofrenia, sentimos a obrigação moral de mostrar os dentes mesmo quando há dor, ou quando a dor é suficientemente insuporável para permitir o sorriso, sentimos a obrigação de nos esconder, de não mostrar a cara à vida, poupando, assim, os nossos pares desta visão maledicente. E muitas vezes pode não ter nada mais doloroso do que ter de esconder a própria dor ou fingir que não a sente. Sem contar o roubo de significado que esta pressão realiza sobre a vida.  A dor é tão signficativa quanto a alegria e o prazer. Absorver este significado demanda, no entanto, encarar a dor de frente, sem máscaras, senti-la de cabo a rabo.  Mas não, a todo instante somos moralmente convidados a se esquivar de nossas próprias vidas, a deixar-lhe passar longe todo o sentido. E, assim, a sociedade que mais transparece felicidade é certamente a sociedade em que as pessoas tem menos chances de perceber os sentidos para as suas vidas, o que é paradoxal, uma vez que ser feliz, agora numa acepção bem geral e não atrelada meramente ao prazer, é um dos principais sentidos da vida. Então quanto mais você se esforça para transparecer feliz mais distante está de ser efetivamente feliz. 

sexta-feira, abril 10, 2009

Energizar Diário

Energizo-me pelos seus abraços, volto à carga total para a vida depois
de um demorado e intenso abraço dela. Resisto, então, aos "nãos" que o
mundo me dá. Não que eu sinta menos falta dos "sims" e sim que eu sofro
menos com a presença dos "nãos". Dormir e acordar ao lado dela engrossa
a casca que me mantém vivo no atrito com o mundo.

De quando o amor/amizade se transforma em ódio/inimizade

Quando acontece? Como acontece? Por que acontece? Pode-se dizer que não havia
antes amor ou amizade genuínos, quando muito simulacros deles, ou, ao
contrário, justamente por serem genuínos é que o ódio e a inimizade
puderam vir à tona? O que acontece na transição? 

A minha tese é a de que, nestes casos, o ódio é uma forma menos dolorida
de se representar a perda. Justamente por alguém significar muito para
você é que, na eminência de vê-la rompendo contigo, você recruta todos
os motivos lembráveis de suas história com ela que corroboram a visão de
que ela é uma pessoa odiável, desprezível e que não merecia a sua
atenção. Dói muito mais a ausência de alguém querido do que a ausência
de alguém odiado. Quando a representação odiosa da pessoa se consolida,
você não só não vê como não sente tanta necessidade de lamentar a
perda. E quanto mais as duas pessoas envolvidas na transformação do amor
em ódio concretizam o seu ódio mútuo, quanto mais elas se ferem pelo
desprezo, mais elas facilitam o processo de lidar com a perda e menos
sentirão a dor da ausência. Sempre que uma lembrar da outra, o fará pela
modalidade odiosa, isto é, a imagem da pessoa lembrada estará
emotivamente carregada de repulsa, o que é suficiente para impedir que os
sentimentos da saudade e da falta despertem. Representar o amado pelo
ódio é, assim, uma forma de mitigar a dor engendrada pela ausência do
amado.  

Para evitar confusão, não estou dizendo que sempre chegamos a odiar
alguém é porque a amamos antes. Não, em muitos casos, não gostamos da
pessoa desde o início. Se a percebemos desde o início como uma pessoa
chata, como alguém que incomoda, então desde o início vamos detestá-la,
odiá-la ou na melhor das hipóteses meramente tolerá-la. Enfim, o vir a
odiar pode ter causas diversas.  

Esta tese, no entanto, explica como acontece e o que fomenta a
transformação de amizade em inimizade, de amor em ódio. Não explica ou
não detalha o que causa esta transformação. Dei uma pista: a percepção
(verídica ou não) do rompimento eminente. Pode explicar alguns casos,
mas não todos. E mesmo aqueles que explica, o faz de modo impreciso. Há
certamente mais coisas envolvidas. Como algo supostamente tão firme e
sólido pode desmoronar tão rapida e definitivamente?

quarta-feira, abril 01, 2009

Quer que eu segure?

Já tinha até me esquecido de certas cordialidades mundanas. Agradeço aos catarinenses por fazer-me lembrá-las, essa em específico: é de bom tom perguntar às pessoas que estão em pé no ônibus se elas desejam ter as suas coisas seguradas por quem está confortavelmente sentado. É interessante investigar porque o impulso solidário diante do sofrimento visível e estampado se retrai e se intimida, entre curitibanos, numa situação tão banal como esta.

 

sexta-feira, março 27, 2009

Do Eu

Este aqui anda vagaroso, em ritmo de idoso, enquanto o outro exibe frescor e juventude, apenas para atestar a obviedade de que a atenção é limitada. Como agora toda a minha atenção se divide entre a Marcely e a filosofia, quase não sobra nenhuma atenção para dirigi-la a mim, ao auto-conhecer-se ou mesmo auto-desconhecer-se, não importa, o fundamental aqui é o "auto". Não poderia ser diferente. Antes, sozinho, tinha em mim toda a fonte de reflexão, tinha ali um Eu cheio de demandas e necessidades clamando por atenção. Agora, entre os filósofos, sou bombardeado de todos os lados com estímulos reflexivos, aos quais reajo incontrolável e prazerosamente. Assim, eu me descuido para cuidar da filosofia. O tanto que eu escrevia aqui eu escrevo lá em dobro ou em triplo. Não vejo nenhum mal nisso, sinto-me, para falar a verdade, até melhor assim.  É como se eu estivesse o tempo todo a brincar. Tudo bem que é um brincar mais a sério, mas é tão lúdico quanto qualquer outro brincar. Meu Eu, assim, encontra-se tão divertidamente ocupado que ele quase não me requer mais qualquer atenção.  Tá como a crinaça que se enturma e não pede mais o colo da mãe o tempo todo. 

sexta-feira, março 20, 2009

De-situado.

Vejo-me de-situado, sempre de fora, alguém a observar, raramente a partilhar. Não é uma posição muito agradável. Muitas vezes rio sem rir, animo-me sem me animar. É uma sensação estranha esta de viver sem imergir. É como se eu vivesse apenas na casca. Deslizo tentando entrar no miolo da fruta, mas nunca a penetro. Não estou falando de fingimento, em ser o que não sou. Estou falando em ser o que não consigo ser. Nem falo que é algo que gostaria de ser, é uma falta que não é falta. É sobretudo estranheza. É, no fundo, não conseguir entender, compreender, captar a essência dos grupos, o que lhe dá razão de ser. Sem esta compreensão, não posso ter nem a impressão do que é ligeiramente viver em grupo. Não que eu não viva em grupo, eu vivo, mas sem vivênciá-lo de dentro, sem aquela sensação de eu pertenço a isto. 

terça-feira, março 03, 2009

Aula boa

Para a maioria dos filósofos brasileiros, aula boa é aquela em que o aluno não entende patavinas. Flósofo que se preza tem de parecer profundo e a profundidade é evidenciada pela obscuridade. Em mais um concurso, me ensinaram um truque adicional: ganha mais pontos pela didática a aula totalmente lida. Óbvio, não? O objetivo é maximizar o não-entendimento. E só agora eu percebo essas coisas. 

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Mas eu disse a verdade...

Aquele orientador que eu admirava e continuo admirando, ao menos enquanto mente, magoou-se com as minhas palavras, que nem lhe foram dirigidas, mas lhe foram repassas por aquele outro orientador com o qual me desentendi intelectualmente.  Não sei como as minhas palavras lhe foram repassadas ou, se repassadas na íntegra, se o contexto em que foram expressas também foi explicitado. Duvido muito, de outro modo, a mágoa não seria sensata. 

O contexto era explicitar se eu tive, dos meus professores, ao longo da graduação, não só apoio mais estímulo para filosofar. A resposta não podia ser diferente: tive algum, porém pouco, bem longe do ideal. Se o contexto fosse outro, isto é, se me pedissem para explicitar se eu tive, dos meus professores, ao longo da graduação, apoio e estímulo formativo, a resposta não poderia ser diferente desta: tive enorme apoio, de alguns professores, em especial do orientador admirado, um apoio e estímulo tão grandes que seria impossível lhe manifestar todo o meu agradecimento. 

Imagino que seja difícil para quem não fez um curso de filosofia no Brasil perceber a diferença entre apoio e estímulo para filosofar e receber apoio e estímulo formativo.  Explico: nossos cursos de filosofia tendem a ser, embora isso venha mudando muito vagarosamente, uma apresentação da história da filosofia ocidental e o aluno é asseverado um bom aluno quando aprende a fazer uma boa história da filosofia. É para isso que ele é treinado e é por isso que ele é avaliado. Vê-se, então, que não cabe nesses cursos ou nem faz muito sentido estimular o filosofar, a não ser secundariamente enquanto meio para o bom historiar. 

E a realidade era essa mesmo. Apesar de a maior parte dos alunos de filosofia de todos os cursos de filosofia no Brasil se frustrarem ao longo do curso pela ausência do filosofar, nenhum estímulo nesse sentido lhes é dado aberta ou explicitamente. Ao contrário, costumam ser até punido se o fazem. Tive a sorte de encontrar alguns professores que não puniam o filosofar, mas também não posso dizer que o encorajavam e, quando o faziam, era de um modo bem tímido. Então eu disse o que eu disse e, em dizendo o que eu disse, eu disse a verdade. 

Talvez essa seja apenas a minha percepção, talvez, na dele, ele tenha feito demais. Eu acho que ele fez demais sim, mas de um modo formativo. Propiciou-me muito conhecimento que de outro modo eu pastaria para obter.  Deu-me algum apoio sim para o filosofar, mas nada revolucionário, nada perto do que eu imaginaria ideal em um curso de filosofia. 

O que chateia mesmo é saber que para sobreviver em meio a esses egos ultrasensíveis é preciso aprender a falar sempre como se estivesse pisando em ovos. E, para isso, eu confesso realmente não ter o menor saco. Por isso, prefiro agora me calar diante deles. Assim, ninguém se magoa. 

 

Casados, enfim.

Enfim, casados segundo a lei dos homens. Bom. :)

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Eu poderia ter feito...que importa?

Pensar no que você poderia ter feito antes para ser melhor hoje não ajudará em nada para ser melhor hoje ou depois. Pensar no que você ainda pode fazer hoje pode ajudar-lhe em ser melhor
depois. Preocupe-se também em pensar se o seu ideal de melhor é algo que necessariamente deve, para a sua satisfação e bem-estar pessoal, ser atingido e, em sendo, se, pelo que você ainda pode fazer hoje e depois, é razoável esperar atingí-lo.  

Em verdade, a verdade.

Em verdade, poucos querem saber a verdade, em especial, a sua verdade. O manto das aparências convém à sobrevivência. Na verdade, a verdade não é assim sempre tão importante.

quinta-feira, janeiro 22, 2009

Quem quer reconhecimento não quer novidade

Quanto maior a necessidade de reconhecimento, 
menor o potencial criativo, o que não significa que serás 
efetivamente menos criativo que fulano caso sua necessidade 
de reconhecimento seja maior que a dele. Entre potência e ato
concorre vários fatores. É óbvio, no entanto, que a necessidade
de reconhecimento favorece a parciomônia e desencoraja assumir
riscos. Este último enunciado pode não ser tão correto se a sua 
necessidade de reconhecimento se satisfaz pelo reconhecimento de
uns poucos, conforme, é claro, este poucos sejam selecionados. 
Se, no entanto, ela demanda o reconhecimento do maior 
número possível de pessoas, então fatalmente a parcimônia será 
adotada como meio e os riscos serão evitados. Nesta situação, 
a criatividade não fica impossibilitada, mas é severamente 
prejudicada e empobrecida. Pode-se dizer que o seu potencial total
é sensivelmente abatido. O novo dificilmente emerge se a sua 
busca é regulada pela convergência. 

De um dos medos

O medo de perder, de sentir saudades, de saber que certas coisas boas presentemente sentidas jamais o serão novamente em tempos futuros. Não qualquer coisa, é óbvio. Posso tomar com avidez um suco de limão sabendo que será o último. A saudade de um gosto não é forte o suficiente para me fazer temê-la. Posso passar sem este gosto em minhas experiências futuras, posso resistir a sua ausência. Mas há outras coisas cujo mero pensamento da ausência me faz fraquejar. Não quero, do fundo do meu sentir, passar sem elas. Por que? Por serem muito prazerosas? Mas também poderia passar sem algo muito gostoso. Sofreria um pouco se comesse agora uma pizza sabendo que seria a última. Sofreria, mas não temeria. O fato de ter outras coisas gostosas ao meu dispor, algumas até bem similares à pizza, acalmam o meu desejo, restringem o sofrimento pela ausência da pizza. Aquelas coisas, então, cujo mero pensamento da ausência me faz tremer devem não primordialmente propriciar-me um grande prazer, embora muitas o façam, mas sim serem tão únicas que nada no mundo faria diminuir o incômodo pela sua ausência. São tão únicas, tão insubstituíveis, tão dessemelhantes a todo o resto que pensar-me para sempre sem elas me angustia, me tira o chão onde piso.  Perder uma dessas coisas é como perder um mundo. Quando uma dessas coisas não é uma coisa, mas uma pessoa, e uma pessoa amada, então não há palavras para descrever tudo o que se perde e o medo de perdê-la transfigura o rosto só de pensá-lo. E cedo ou tarde a morte nos obrigará a enfrentá-lo.

sábado, janeiro 03, 2009

Litoral liberal

Comparando mineiros com curitibanos, sempre atribuí aos primeiros mais afetividade e receptividade. De fato, os mineiros acolhem mais. É improvável que, sendo de fora, em um evento social, nenhum mineiro venha tentar trazê-lo para a roda com algumas perguntas. Em Curitiba, improvável é o contrário. É perfeitamente normal e aceitável que você seja ignorado por todos o tempo todo. Agora percebo, no entanto, que o acolhimento mineiro tem algumas restrições. Ele só se aplica à pessoa se ela se ajusta muito bem à normalidade social. Comparando novamente, vejo que o mineiro é tão conservador quanto o curitibano. No aspecto visual, creio que sejam até mais. Minha namorada-esposa tem o cabelo vermelho, vermelho vivo, bem vivo. Andando pelas ruas de BH, mesmo na minha companhia, tivemos a surpresa da reação negativa de várias pessoas, ela teve, inclusive, de escutar um "cruz credo", outra velhinha, quase em posição de enfarte, colocou a mão na boca apavorada, enquanto apontava para ela e chamava em socorro o seu velho-marido, "olha aquilo". Realmente chocou-me ver tantas pessoas chocadas com o vermelho do cabelo dela. Contraste imediato com o "liberalismo visual" que encontramos ao chegar no ES, mesmo na cidade interiorana em que nasci. Andando pelas ruas, algumas pessoas a pararam para elogiar o seu cabelo, outras para saber como fazer igual. Não é novidade alguma que o calor do litoral e das praias tornam as pessoas menos desapegadas a um certo padrão de decoro e vestimenta. Lembro agora também que, ao chegar em BH, com 14 anos, aposentei logo as bermudas que, aqui, eram meu meio de se vestir diário. Depois de uma semana recebendo os olhares de todos ao entrar em um ônibus qualquer, desisti de resistir. Na época, lá ainda não era tão quente quanto é hoje. Então imagino que agora sejam um pouco menos conservadores quanto às bermudas. Mas certamente os mineiros ainda estão longe de aceitar que os cabelos sejam também uma vestimenta e, por isso, possam ser pintados e trocados das mais diversas maneiras.