quinta-feira, setembro 16, 2010
Do Aluno
Supostamente é um espécime ávido por saber ou, se não tanto, pelo menos comprometido em aprender, por razões internas ou externas. Na prática, porém, não conseguimos saber ao certo porque a maioria está ali. Seus comportamentos não parecem ser meios adequados à finalidade de aprender. Tome, por exemplo, o caso do aluno que, ao ficar ciente de uma nota já revela estar indignado com ela sem nem olhar para as correções ou mostrar curiosidade por elas. Tal aluno, por princípio, não aceita ser avaliado, não aceita ser corrigido e, portanto, não aceita ser ensinado. E, no entanto, por que ele despende energias para aparentar ter o desejo de aprender alguma coisa? São os mistérios da educação.
quarta-feira, setembro 15, 2010
Dos arrogantes
Há dois tipos de pessoas arrogantes, os verdadeiramente sábios e os idiotas. Os primeiros se tornam arrogantes por cansaço. Começam pacientes, visto que almejam levar sua sabedoria aos menos dotados. Com o tempo, porém, percebem que a delicadeza raramente é efetiva na transmissão do saber. Os menos dotados parecem sentir prazer em serem arrebatados por certezas, não têm a persistência para acompanhar um raciocínio longo e complexo, ainda que dividido didaticamente em passos bem simples. Querem já o resultado. Bater violentamente, assim, parece ter mais efeito, ainda que o resultado seja a absorção de fórmulas que não entendem, mas, nem por isso, inválidas. Como os sábios estão majoritariamente cercados de bestas e precisam lidar com elas o tempo todo, acabam fazendo da arrogância um hábito, o qual, contudo, não se retém quando estão apenas entre iguais. Se sábios só vivessem entre sábios, esse vício não lhes tentaria. Já o idiota se transforma no tipo mais bestial de arrogante por ignorar a sua idiotice e manter, justamente por isso, as crenças elevadas mais estapafúrdias a seu próprio respeito. São como cegos andando pelas ruas sem bengalas. Só causam incômodo e aborrecimento. Quanto menos ciência têm da sua cegueira, mais peremptório é o seu passo. Não há como se lhes opor, nem o que lhes dizer, também são surdos. O melhor a fazer é se desviar. Mas são tantos que uma hora também precisamos lhes bater energicamente. Só assim tomam ciência de uma realidade que se lhes opõe. Mas pouco fazem disso também. Não há cura para eles. Entre esses dois extremos de arrogantes há uma pequena classe média de inteligentes, ávidos de saber o suficiente para acompanhar as longas e minuciosas explicações dos sábios, e pacientes o bastante para tolerar a intolerância das bestas, refreando-as quando necessário e possível.
terça-feira, julho 13, 2010
Não há tempo para o tempo
O tempo precisa de tempo, de tempo para que lhe dediquemos atenção sincera e curiosa, para que lhe descubramos seus meandros, ou mesmo sem tantas pretensões filosóficas ou intelectuais, ainda assim o tempo precisa de tempo para que o sintamos, é preciso de tempo para sentir o tempo, é preciso de tempo para percebê-lo passar, rapida ou vagarosamente, não importa, sem ele, nos direcionamos às coisas, às mudanças, aos acontecimentos, mas não à própria passagem do tempo, perdemos tempo com coisas outras que o próprio tempo, precisamos de tempo para perder tempo com o próprio tempo, mas não há tempo para o tempo, não damos tempo ao tempo, nem ele coopera conosco para que lhe demos mais tempo, nem mesmo com os meus alunos encontrei tempo para o tempo, enquanto assunto, foi negligenciado por outros assuntos, não houve tempo para o tempo, e assim o tempo vai passando sem que encontremos um lugar para ele, ele que a tudo circunscreve, jamais é circunscrito. Não há tempo para o tempo.
sábado, maio 08, 2010
Do amor das misérias
Só entendemos o outro quando aprendemos a amar as suas misérias, faltas e pulsões. É o que nos permite enxergar a sua alma em cada movimento.
terça-feira, abril 27, 2010
Antes de dormir
Antes de dormir se pergunte se pede para ler tanto quanto pede para ser lido. Embora não haja nada de errado em pedir mais para ser lido do que para ler, isto lhe dá uma boa medida do quanto você acha que as coisas que diz são mais importantes que as coisas que os outros dizem. A medida não é tão fiel, já que muitas vezes você pode pedir para ser lido com o intuito de se corrigir. Ainda assim, pode-se retrucar: por que se corrigir seria mais importante que corrigir os outros a não se que se julgue mais importante que os outros? Mas também é perfeitamente natural que cada um se julgue, em certo sentido, mais importante que os demais. Pelo menos, em muitos contextos, prioritário. Feio é quando pelo fato de em geral você ser ou lhe ser permitido ser prioritário você conclua que seja ou o deva ser sempre.
domingo, abril 18, 2010
Cefaléia Ordinária!
Hoje tive a pior cefaléia de minha vida. Fui deitar com uma leve dor de cabeça e fui acordado de madrugada por uma dor aguda insuportável. Ela pulsava no ritmo da minha respiração. Quando inspirava, era como se algo estivesse sendo forçado para dentro no meu cérebro, quando espirava, a dor não sumia, mas o esforço para explodir a minha cabeça abrandava. Fiquei fraco e tive calafrios. Tomei duas neosaldinas. O tempo passava e nada. Ao mesmo tempo, estava mortalmente cansado, com muito sono. Bocejava sem parar, um sono daqueles que em qualquer outra circunstância me faria apagar em segundos. Mas ele não era nada diante dessa dor que me possuía. Cogitei ir a uma hospital e pedir: "me apaguem". Sem efeito, resolvi tomar mais um comprimido. Só depois de uma hora e meia agonizado os remédios começaram a abrandar a situação. Não o foi de uma vez, nem de forma gradual contínua. Às vezes parecia diminuir, mas logo depois voltava a sentir aquelas fortes pontadas na cabeça. Mas essa oscilação já me dava alguma esperança. Quando vieram os calafrios, apesar da desagradável sensação de fraqueza, animei-me com a idéia de que pudesse desmaiar. Seria a minha salvação. O corpo heróico, no entanto, suportou. Por mim, ele teria se acovardado desde o início. Definitivamente, dor física não é para mim. Passou, o pior pelo menos já passou. Consegui dormir. A dor que se apossou de mim, aquela dor ordinária, de vida própria, ainda não foi totalmente abatida. Ainda sinto ela tentando se remexer na minha cabeça. Acho que vou tomar mais um comprimido, dar-lhe mais uma vassourada, que tá difícil desse bicho ruim morrer
quarta-feira, abril 14, 2010
Brincando de calcular
Brasília está melhor que Curitiba? Sim, claro. Então Curitiba é pior que Brasília? Não, evidentemente. O português felizmente me dá sem ginástica linguística esta preciosa distinção entre ser e estar. Lá eu me fazia caber num cubículo, aqui eu realmente moro. O conceito de "andar pela casa" pode agora ser aplicado. Lá eu achava que até comia bem fora de casa, especialmente nos últimos tempos, quando a renda o permitiu, mas agora vejo que este bem poderia ser bem melhor. Aqui eu me delicio com a diversidade gastronômica e posso me permitir deliciar ainda mais vezes com a renda mais segura e abastada. Fui conquistado pela comida do cerrado e do nordeste. Mas que diabos, onde então Curitiba se saia melhor? Vejamos antes no que ela se iguala: o povo, a cultura. Começo a pensar que o problema sou eu, nenhuma cultura me agrada no geral, apenas nas partes. Odiava o nariz empinado pequeno burguês iletrado do curitibano. Me tapearam aqui com a outra face da moeda: odeio o nariz empinado esclarecidamente intelectualoide do brasiliense. O espírito curitibano de vamos só falar merda e o espírito brasiliense de vamos só politizar soam-me como males de mesma raiz. Vamos, enfim, à vitória curitibana: na verdade, nada que dependa muito dos curitibanos, falo do seu clima. A geografia lhe brindou com o frio que toca fundo na minha alma. Neste quesito ela não tem concorrentes. No computo geral, está melhor Brasília. Sem dúvida. Jamais a largaria para estar como estava em Curitiba. Isso não implica obviamente que Curitiba não seja melhor que Brasília. Mas enquanto o meu estar aqui é melhor que o meu estar lá, manda-me o bom senso estar em Brasília.
quarta-feira, fevereiro 03, 2010
A boçalidade do esclarecido
Os intelectuais não estão mais imunes a preconceitos boçais do que as outras pessoas. Pelo contrário, tenho o palpite de que são muito mais suscetíveis a eles e por uma razão muito simples: a autoconfiança que têm no seu esclarecimento ou no seu bom uso da razão facilita o processo de adquirir e reforçar preconceitos boçais. A crença de que tudo vai indo muito bem ajuda a que tudo caminhe para ir muito mal. Protegidos pela falsa crença de que usam bem a razão, acabam fazendo um péssimo uso da razão sem o perceber. Nada mais infrutífero do que se crer muito esclarecido, já nos lembrava lá Sócrates alguns milênios atrás.
sábado, janeiro 30, 2010
Telefone não é para mim.
Nunca curti e continuo não curtindo este meio de comunicação. Ele não respeita as pausas, a necessidade de ficar calado. Mesmo numa conversa ao vivo, é aceitável alguma espera quando se é interpelado e, se não for, podemos forçá-la com alguma ação, pegar um livro, beber uma água etc. Ao telefone, não há nada que se possa fazer para parecer razoável a quem está do outro lado da linha a sua delonga em responder. O telefone é todo centrado na audição, não há como distraí-lo por meio dos outros sentidos. Enfim, não acho que dê para conversar a sério pelo telefone. Eu não sou o tipo de pessoa que pensa o que fala, mas que fala o que pensa e, por isso, preciso de tempo no ir e vir da conversa. Telefone para mim não passa de um telegrama sofisticado e instantâneo, serve para trocar informações, dar um aviso, marcar um encontro e só.
O orientando queria evitar um encontro na universidade pedindo-me para discutir o seu trabalho pelo telefone. Sem chances, ou deixa de preguiça e escreve suas dificuldades por email, o que eu até prefiro, ou vem até a mim para dizê-las ao vivo.
O orientando queria evitar um encontro na universidade pedindo-me para discutir o seu trabalho pelo telefone. Sem chances, ou deixa de preguiça e escreve suas dificuldades por email, o que eu até prefiro, ou vem até a mim para dizê-las ao vivo.
domingo, janeiro 24, 2010
Nenhum contato social é bom! Pra mim!!!
Não adianta dizer que há um problema comigo, que perco todo um universo rico se não me exponho ao contato social, nada disso muda o fato incontestável: sair do twitter, não ligar o msn, google talk etc. me deixa mais em paz, faz-me não ficar ciente de todo um mundo de bestialidades que só servem para tirar a minha tranqüilidade. Outro resultado colateral: me torno mais produtivo, faço outras coisas que me dão mais prazer e, por conseguinte, mais satisfeito comigo mesmo. O computo geral é todo positivo.
Enfim, não recomendo a solidão para todo mundo não. Eu sou um caso particular de introversão. Nem estou de todo só, tenho a Marcely como companheira de todos os dias, o que me possibilita emocionalmente ignorar quase que por completo todo o resto da humanidade. Desta quero apenas a sua excelência transmutada em livros, obras de arte, bom humor etc.
Enfim, não recomendo a solidão para todo mundo não. Eu sou um caso particular de introversão. Nem estou de todo só, tenho a Marcely como companheira de todos os dias, o que me possibilita emocionalmente ignorar quase que por completo todo o resto da humanidade. Desta quero apenas a sua excelência transmutada em livros, obras de arte, bom humor etc.
terça-feira, janeiro 12, 2010
Meu título não vale nada, nem o teu, nem o de ninguém!
Vai aqui a minha "resposta" à postagem da Caminhante.
Pra mim, pouco importa se o título é obtido com 30, com 20 ou com 80 anos. O título em si não é algo que eu admire. O que a pessoa faz, e nisso incluo não só o que ela escreve, mas também as suas atitudes, e cada vez mais as suas atitudes, é o que pode ser alvo da minha admiração.
Bom, o que a pessoa faz não depende de um título. Muitos fazem sem ele e muitas vezes fazem até melhor do que com ele. Mas eu fico no "muitas vezes". Não acho que o acadêmico ultra joven especializado seja em si um cocô humano, nem que o gênio marginal idoso seja em si um santo, um Gandhi, sempre admirável.
Também não consigo ver, diante da variedade humana, como possa haver um único ou melhor caminho seja lá para o que for. Alguns são Saramagos e demonstram o seu melhor só tardiamente, outros são S. Mills e demonstram o seu melhor bem cedo; mas isso não faz do Stuart Mill mais admirável que o Saramago. Há tantos tempos quanto pessoas. Nem quero entrar na questão mais espinhosa do vácuo que muitas vezes há entre mostrar o seu melhor e ele ser percebido.
Concordo que alguém que nunca tenha sofrido um revés na vida tende a ser menos humano se não compensa a falta de frustração e sofrimento com muita imaginação dos mesmos. Porém, ter uma carreira acadêmica meteórica não exclui de modo algum dezenas de outros reveses que o sujeito possa ter tido em centenas de outros setores da sua vida, revezes estes que certamente contribuiriam para a sua humanização tanto quanto os reveses acadêmicos, em muitos casos, até mais. Também não podemos nos esquecer dos inúmeros casos de pessoas que são, por alguma razão desconhecida, completamente refratárias aos reveses, elas não mudam nada, não aprendem nada, continuam as mesmas. E tem aquelas que não só não se humanizam, como se tornam ainda mais amargas. Não há dose certa de revés para a humanização sem uma boa dose de sorte psíquica.
Algo também para lembrar: até 20 anos atrás, era normal, NO Brasil, o acadêmico adquirir o seu título de doutor só aos 40 ou 50 anos. Agora, entre os 25 e 35. O que mudou? As pessoas ficaram mais obsecadas com o sucesso acadêmico e por isso começaram a antecipar o que naturalmente só iria se adquirir lá no meio ou no final da vida? Não acho que seja isso. Simplesmente que até 20 anos atrás existiam poucos programas de doutorado no país, então, de duas uma, ou você ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas, quiça Porto Alegre ou ia para fora do país, se quisesse o título de doutor. Levando em conta que aos 25, 30, freqüentemente você já não é mais uma unidade que decide tudo sozinho, conversando com o próprio umbigo, qualquer uma das opções envolve empecilhos que só com muito acordo, suor e tempo para superar. Nos EUA, já era muito comum ver doutores com 30 anos desde a década de 30. A partir do momento em que começa a ter programas de doutorado em tudo quanto é lugar, é natural que se antecipe a aquisição do título. Fica mais fácil. Simples assim.
Por que adquirir o título? Ele em si é valioso? Tem gente que acha, tem gente que o ostenta nas paredes, que pensa que ele é um signo confiável da sua inteligência ou mesmo do seu esforço. Eu não acho nada disso. Envolve algum esforço e disciplina sim, mas nada que vá além do esforço que outras pessoas fazem em outras áreas para adquirir outras coisas. Enfim, título acadêmico não é algo que procuro numa "carta" de apresentação, nem vou admirar mais uma pessoa por saber que ela possui um.
Então, pra final de conversa, o que eu avalio é a atitude. Se o camarada procurou o título de doutor pelas honrarias sociais, direi que isso é tolo. Se ele almeja um emprego de professor universitário, e almeja isso menos pelo status social e mais pelo prazer em exercer essa profissão, ou, quem sabe, nenhuma das duas coisas, mas o salário que é pago por esta profissão, então corra logo atrás dos títulos necessários. O título de doutor vale exatamente isso: um emprego. Se achamos isso certo ou não, se achamos que a carreira acadêmica deveria ser completamente reformulada, mudando ou eliminando as etapas de aquisição de títulos, é absolutamente outra questão.
Meu caso pessoal: o que me fez adquirir sem interstícios os títulos de mestre e doutor não foi nem as honrarias, muitos que me conheceram só tardiamente vieram a saber deles, freqüentemente por terceiros, nem a vontade de ser logo professor universitário, algo que, por muito tempo, duvidei ser capaz de ser, mas simplesmente por, estando sozinho e sem grandes ambições intelectuais e financeiras, ter encontrado nas bolsas governamentais algo que, ao mesmo tempo, satisfazia as minhas necessidades imediatas de sobrevivência e prazer. Meu pai foi enfático quando decidi fazer a graduação de filosofia: "não te dou um centavo depois que terminar a graduação". Quando o final do curso foi se aproximando, não havia outra opção, mestrado na certa. Filosofia, nessa época, nem era ainda obrigatória no ensino médio, alguns colégios particulares tinham a disciplina, mas era muito mais difícil penetrar neste escasso mercado que numa vaga de mestrado na cidade em que morava. Do mestrado para o doutorado a lógica foi a mesma: mais fácil entrar no doutorado que entrar no mercado de professores universitários em universidades particulares. Ganho menos mas continuo fazendo algo que gosto: ler e pesquisar.
O percurso também não foi de todo sem percalços. Sem muita fé de que poderia enfrentar a minha timidez e ser mesmo professor, quase larguei o doutorado, na verdade, por 6 meses eu o larguei, quando desentendimentos com o orientador impediram a qualificação final e, por conseguinte, a defesa. Neste meio tempo, atinando para outros prazeres meus, comecei outra graduação, mas isso já é outra história.
Enfim, se me perguntassem no início da graduação de filosofia se eu me via onde estou hoje, estaria mentido se dissesse que sim. Muitos acasos, escolhas, derrotas e vitórias me trouxeram até aqui. Nunca tracei e nunca traçarei grandes metas para minha vida a não ser esta: tentar fazer com que ela pareça ter cada vez mais sentido para mim; o que também pode ser um grande engodo, talvez só haja o absurdo...hei de descobrir, ou não...
Pra mim, pouco importa se o título é obtido com 30, com 20 ou com 80 anos. O título em si não é algo que eu admire. O que a pessoa faz, e nisso incluo não só o que ela escreve, mas também as suas atitudes, e cada vez mais as suas atitudes, é o que pode ser alvo da minha admiração.
Bom, o que a pessoa faz não depende de um título. Muitos fazem sem ele e muitas vezes fazem até melhor do que com ele. Mas eu fico no "muitas vezes". Não acho que o acadêmico ultra joven especializado seja em si um cocô humano, nem que o gênio marginal idoso seja em si um santo, um Gandhi, sempre admirável.
Também não consigo ver, diante da variedade humana, como possa haver um único ou melhor caminho seja lá para o que for. Alguns são Saramagos e demonstram o seu melhor só tardiamente, outros são S. Mills e demonstram o seu melhor bem cedo; mas isso não faz do Stuart Mill mais admirável que o Saramago. Há tantos tempos quanto pessoas. Nem quero entrar na questão mais espinhosa do vácuo que muitas vezes há entre mostrar o seu melhor e ele ser percebido.
Concordo que alguém que nunca tenha sofrido um revés na vida tende a ser menos humano se não compensa a falta de frustração e sofrimento com muita imaginação dos mesmos. Porém, ter uma carreira acadêmica meteórica não exclui de modo algum dezenas de outros reveses que o sujeito possa ter tido em centenas de outros setores da sua vida, revezes estes que certamente contribuiriam para a sua humanização tanto quanto os reveses acadêmicos, em muitos casos, até mais. Também não podemos nos esquecer dos inúmeros casos de pessoas que são, por alguma razão desconhecida, completamente refratárias aos reveses, elas não mudam nada, não aprendem nada, continuam as mesmas. E tem aquelas que não só não se humanizam, como se tornam ainda mais amargas. Não há dose certa de revés para a humanização sem uma boa dose de sorte psíquica.
Algo também para lembrar: até 20 anos atrás, era normal, NO Brasil, o acadêmico adquirir o seu título de doutor só aos 40 ou 50 anos. Agora, entre os 25 e 35. O que mudou? As pessoas ficaram mais obsecadas com o sucesso acadêmico e por isso começaram a antecipar o que naturalmente só iria se adquirir lá no meio ou no final da vida? Não acho que seja isso. Simplesmente que até 20 anos atrás existiam poucos programas de doutorado no país, então, de duas uma, ou você ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas, quiça Porto Alegre ou ia para fora do país, se quisesse o título de doutor. Levando em conta que aos 25, 30, freqüentemente você já não é mais uma unidade que decide tudo sozinho, conversando com o próprio umbigo, qualquer uma das opções envolve empecilhos que só com muito acordo, suor e tempo para superar. Nos EUA, já era muito comum ver doutores com 30 anos desde a década de 30. A partir do momento em que começa a ter programas de doutorado em tudo quanto é lugar, é natural que se antecipe a aquisição do título. Fica mais fácil. Simples assim.
Por que adquirir o título? Ele em si é valioso? Tem gente que acha, tem gente que o ostenta nas paredes, que pensa que ele é um signo confiável da sua inteligência ou mesmo do seu esforço. Eu não acho nada disso. Envolve algum esforço e disciplina sim, mas nada que vá além do esforço que outras pessoas fazem em outras áreas para adquirir outras coisas. Enfim, título acadêmico não é algo que procuro numa "carta" de apresentação, nem vou admirar mais uma pessoa por saber que ela possui um.
Então, pra final de conversa, o que eu avalio é a atitude. Se o camarada procurou o título de doutor pelas honrarias sociais, direi que isso é tolo. Se ele almeja um emprego de professor universitário, e almeja isso menos pelo status social e mais pelo prazer em exercer essa profissão, ou, quem sabe, nenhuma das duas coisas, mas o salário que é pago por esta profissão, então corra logo atrás dos títulos necessários. O título de doutor vale exatamente isso: um emprego. Se achamos isso certo ou não, se achamos que a carreira acadêmica deveria ser completamente reformulada, mudando ou eliminando as etapas de aquisição de títulos, é absolutamente outra questão.
Meu caso pessoal: o que me fez adquirir sem interstícios os títulos de mestre e doutor não foi nem as honrarias, muitos que me conheceram só tardiamente vieram a saber deles, freqüentemente por terceiros, nem a vontade de ser logo professor universitário, algo que, por muito tempo, duvidei ser capaz de ser, mas simplesmente por, estando sozinho e sem grandes ambições intelectuais e financeiras, ter encontrado nas bolsas governamentais algo que, ao mesmo tempo, satisfazia as minhas necessidades imediatas de sobrevivência e prazer. Meu pai foi enfático quando decidi fazer a graduação de filosofia: "não te dou um centavo depois que terminar a graduação". Quando o final do curso foi se aproximando, não havia outra opção, mestrado na certa. Filosofia, nessa época, nem era ainda obrigatória no ensino médio, alguns colégios particulares tinham a disciplina, mas era muito mais difícil penetrar neste escasso mercado que numa vaga de mestrado na cidade em que morava. Do mestrado para o doutorado a lógica foi a mesma: mais fácil entrar no doutorado que entrar no mercado de professores universitários em universidades particulares. Ganho menos mas continuo fazendo algo que gosto: ler e pesquisar.
O percurso também não foi de todo sem percalços. Sem muita fé de que poderia enfrentar a minha timidez e ser mesmo professor, quase larguei o doutorado, na verdade, por 6 meses eu o larguei, quando desentendimentos com o orientador impediram a qualificação final e, por conseguinte, a defesa. Neste meio tempo, atinando para outros prazeres meus, comecei outra graduação, mas isso já é outra história.
Enfim, se me perguntassem no início da graduação de filosofia se eu me via onde estou hoje, estaria mentido se dissesse que sim. Muitos acasos, escolhas, derrotas e vitórias me trouxeram até aqui. Nunca tracei e nunca traçarei grandes metas para minha vida a não ser esta: tentar fazer com que ela pareça ter cada vez mais sentido para mim; o que também pode ser um grande engodo, talvez só haja o absurdo...hei de descobrir, ou não...
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