domingo, dezembro 09, 2007

Mãos

Alfredo um dia abordou a vizinha e, desde então, troca algumas palavras com ela sempre que se encontram no elevador. Encontros não raros, é verdade, haja vista a sua diligência intuitiva em perceber os horários dela. Agora ele escreve também, movido pelo mesmo encantamento que outrora despertara o interesse do remetente, do qual, aliás, não temos mais notícias. Alfredo tem manias estranhas, como a sua fixação por mãos. Uma vez ele me disse que era capaz de extrair todo o perfil psicológico de uma pessoa só de olhar para as mãos dela. Não duvido que ele realmente leve a sério essa idéia, embora eu seja incrédulo sobre os seus resultados. Mas isso é lá com ele. Ontem ele me mostrou um bilhete que escreveu para ela e o reproduzo aqui a título de curiosidade, como exemplo da sua mania.

Enquanto te ouço falar, é difícil às vezes não me deixar levar pela beleza das tuas mãos, elas me magnetizam de tal maneira que só com muito esforço junto as tuas palavras em uma frase com sentido. Fico perturbado. Teus dedos perfeitamente arredondados, delicadamente grossos, sem gordura, diria ternos e maternais, embora não tenha ainda entrelaçado a minha mão na tua, entram imponentes na minha imaginação, arrebatando-me emoções e sensações. Tenho a impressão de que me sentiria seguro e calmo ao apertá-las. Preciso dizer: não há outras mais belas na minha experiência lembrada e não digo isso como clichê de sedução, não, não mesmo. As mãos sempre tiveram sobre mim um efeito notável de encantamento, diria até que não raramente viso-as antes mesmo de encarar a face de uma mulher, desinteressando-me dela, a despeito de tudo o mais, se forem grosseiras ou vulgares. Mas as tuas mãos se casam perfeitamente com tudo o que vejo em você. São francas, firmes, clássicas, sem excesso nas pinturas e no tamanho das unhas, que, aliás, estão sempre muito bem polidas. Não pretendo me delongar, só queria me explicar, caso algum dia tenha me estranhado por demorar demais na contemplação das tuas mãos. É consciente sim, mas nem por isso tenho o controle, é como se elas emitissem o canto das sereias e confesso estar muito longe da virtude de Odisseu. Sucumbo. Quando penso em você, lembro-me delas, sempre.

5 comentários:

Unknown disse...

Também gosto de mãos. Mas, ironicamente, fico insegura perto de pessoas que reparam nisso. Uma cisma boba que minha mãe me ensinou a ter com extremidades cheias de veias como a minha (e a dela).

marie disse...

interessante, seu texto me fez lembrar que tenho as mãos de algumas pessoas perfeitamente guardadas na memória, com estranha riqueza de detalhes. e olhe que nem sou tão ligada assim em mãos. pelo menos não como o alfredo ;)
bjs

Luiselza Pinto disse...

Que as mãos percebam Alfredo!

Luiselza Pinto disse...

Obrigada pela visita. Sua presença é uma honra e, apesar de não ser unanimidade, "Luiselza (de Souza) Pinto" é melhor.

Eros disse...

Fernanda, pior que reparei que você as escondia, e uns e outros não poderiam justamente ter prazer em admirar o exótico azulado das suas extremidades? Deixe de ser egoísta!

Viu só, Marie, até o seu inconsciente concorda que as mãos são sublimes, demasiadas humanas para serem esquecidas. ;)

Pois só de imaginar essa percepção, o Alfredo se enche do mais pueril sorriso, Luiselza.