sábado, setembro 29, 2007

Sentido

A dor e o sofrimento são praticamente ubíquas na vida de todo ser humano. Ao longo de nossas vidas, nos encontraremos com eles várias vezes. Contudo, as atitudes podem variar. Algumas pessoas preferem simplesmente ignorar que a dor e o sofrimento existem. Logram êxito nesse intento lançando mão da diversão e do entretenimento e, em casos mais extremados, das drogas, que também não deixam de ser entretenimento. Não há fuga melhor da dor que lançar-se no prazer. São pessoas que acabam tendo um sorriso constante para a vida, agitadas e inquietas. Eu as considero otimistas falsos, pois elas sorriem para a vida não por um motivo positivo, mas pela ausência de motivos negativos. Outras pessoas pecam de maneira oposta, preferem aprofundar a dor e o sofrimento presentes, tomando-os como a totalidade de seus mundos. Elas exageram a dor que possuem e, às vezes, reconhecem mesmo aquelas que não têm. A ordem do dia é reclamar. Conseguir sobreviver, para essas pessoas, é tão digno de mérito quanto os feitos de Hércules. A vida é sem sentido e absurda, pois, como nos lembra o mito de Sísifo, não há qualquer razão para vivermos imersos eternamente na repetição tediosa e dilacerante da dor. Esses são os pessimistas. Entre uma atitude e outra, penso que há espaço para uma posição que poderíamos chamar de "otimismo verdadeiro" ou ainda "otimismo pessimista". Ele é verdadeiro, pois engendra um motivo positivo para sorrir diante da vida, mas ele também é pessimista, pois não nega os motivos negativos, isto é, não ignora a dor e o sofrimento existentes. Óbvio que esse motivo positivo não pode ser o prazer presente, usado pelos otimistas falsos, pois ele é leve e efêmero demais para contrabalancear a ubiquidade do sofrimento. Um sujeito que se refugia o tempo inteiro no prazer reconhece automaticamente que esse mesmo prazer, ao cessar, ao se esgotar, não lhe deixa nada que o permita suportar a dor. Por isso mesmo a lógica da fuga incessante. Como, então, é possível o otimismo verdadeiro? Ora, se um motivo positivo para sorrir diante da vida não se encontra no prazer, no nível da sensação, ele deve estar no nível do sentido. Você precisa encontrar justamente aquilo que os pessimistas afirmam a vida não ter: um sentido. O sentido, se você o tem, é algo que lhe permite sorrir para a vida mesmo diante da dor, mesmo reconhecendo a dor. Ele lhe dá forças para enfrentá-la. Não precisa fugir. O único problema é que ele não se acha assim tão facilmente. Mas as possibilidades são inúmeras. Schopenhauer fala do contato com o absoluto por meio da intuição, Tolstoi, da experiência religiosa, o toque divino sobre o ser. Ambas têm em comum a trascendência, a idéia de que algo além do humano pudesse lhe dar um sentido, uma direção.

Eu sou mais modesto. Não nego a possibilidade de uma experiência religiosa ou de um contato intuitivo com o absoluto, apesar de considerá-los muito improváveis, mas acredito que há possibilidades mais mundanas para o sentido da vida e bem mais prováveis. Penso em especial na experiência do amor, que é, ao mesmo tempo, transcendente e imanente. O amor é completamente imanente, emana de nós mesmos, é humano, nasce da relação do eu com o outro, mas, ao mesmo tempo, transcende o eu em unidades maiores, ceifa o isolamento existencial, cria uma interseção onde só parecia haver silêncio, vazio ou incompreensão. É verdade que um amor talvez não lhe dê um sentido para toda a vida, mas ele lhe dá um sentido suficientemente forte para suportar o sofrimento mesmo quando cessa o prazer presente. Os amores particulares acabam e, com eles, a força do sentido que engendraram, mas o amor em si enquanto direção é um sentido perfeitamente mundano e realista para um otimista verdadeiro.

Eu sou um otimista verdadeiro com esporádicas e efêmeras recaídas pessimistas. Eu também não tenho nada contra o otimismo falso e me valho das suas estratégias vez ou outra. Só acho que a busca incessante pelo prazer efêmero entedia, além de pesar no bolso.

sexta-feira, setembro 28, 2007

Des-umanidade


Somos humanos por sermos desumanos ou desumanos por sermos humanos?
O homem ao fundo ainda não percebeu que o monge se queimando tem o fogo que ele precisa para ascender o seu cigarro. Questão de tempo. ;) A variação de valores é, ao mesmo tempo, a glória e a desgraça do humano.

domingo, setembro 23, 2007

30

10, 20, 30, idades que marcam, para nós que raramente nos tornamos centenários. Se vivêssemos 2000 mil anos, a passagem dos 9 para os 10 seria tão marcante quanto é atualmente a passagem de 23 para 24, por exemplo. Mas, enfim, na minha perspectiva decenária, lembro que ao fazer dez anos contava com a alegria de ter recebido um novo irmão, temporão. Deixei de ser o caçula, mas isso sinceramente não me incomodou. Ao completar 10 anos, estava mais concentrado nos meus planos de ser algum tipo de cientista, ainda não sabia que tipo, se é que nessa época eu tinha clareza dos tipos em que eles poderiam se dividir. Acho que não. Tinha apenas uma vaga imagem de um sujeito que faz invenções mirabolantes e era o que eu queria fazer. Foi nessa época que comecei a me interessar por ficção científica, inicialmente manifestada na minha seleção literária. Minha independência já era visível. Ia nas livrarias sozinho, sim, essa era a vantagem de passar a infância numa pequena cidade, e comprava os livros do meu desejo, sem qualquer intervenção materna ou paterna. Mas a melhor parte vinha depois. Eu caçava o endereço das editoras e enviava cartas pedindo catálogos dos seus livros. A Ediouro era a única que tinha um programa de vendas por reembolso postal e durante um tempo tive que me limitar a ela. Pelo menos ela tinha, na época, umas coleções até interessantes, dados os meus gostos. Lembro bem até hoje da coleção Enrola e Desenrola. Geralmente histórias de ficção científica em um formato pré-hipertexto. A cada duas páginas, você escolhia um desenrolar possível da história, entre algumas opções que lhe eram dadas, de modo que o mesmo livro acabava contento entre 15 e 20 desenrolos possíveis. Toda essa transação, pedir o catálogo, fazer o próprio pedido e, em seguida, ir buscar no correio o pacote quando recebia o aviso de chegada, era feito por mim mesmo sem nem que os meus pais às vezes soubessem. Recebia uma mesadinha, então não havia necessidade de pedir dinheiro para o pagamento. Com que alegria eu não ia ao correio pegar os meus livros! E assim os meus 10 anos foram marcados por essa busca frenética pela ficção, pelo imaginário de ser um cientista.

Os 20, posso dizer, vieram coroar um certo otimismo com a vida, brando é verdade, mas suficiente para ao menos solapar a acumulada depressão dos anos anteriores, nascida com a adolescência e intensificada até então. O contato com a filosofia, dos 16 aos 19, embora tenha consumido minha atenção, meu tempo e proporcionado intensas fruições intelectuais, acentuava também as minhas dúvidas. Minha relação com a filosofia sempre foi paradoxal, de amor e ódio. E o amor...o amor, que até então havia passado ao largo da minha vida, apenas como idealização, imaginação e desejo não realizado, desabrochou nessa passagem dos 19 para os 20. Descobri em mim a intempestividade, a loucura, a adorável sensação de seguir a desrazão em prol de uma emoção. Ter sido assim tocado pelo amor de uma maneira tão profunda numa época me que o meu desespero existencial era máximo teve o efeito de me abrir uma nova perspectiva diante da vida.
Até então, a realização profissional, o desejo de fazer alguma contribuição relevante para a filosofia me apareciam como as únicas finalidades mais profundas legítimas. Contudo, na primavera dos meus 20, percebi que o relacionamento com o outro tinha uma importância tão fundamental ou ainda maior que a realização profissional, que por ela me humanizava e me descobria enquanto ser e existência, percebia meus limites, defeitos e os ultrapassava. Desde então a busca pela vivência de um relacionamento mais profundo e significativo passou a fazer parte da minha agenda, do meu horizonte.

Hoje completo 30. Ou melhor, completei às 7:05 da manhã, segundo a minha certidão de nascimento. Mas como disse uma amiga esses dias, não dá para confiar nesses registros e um número assim redondo como o 5 levanta suspeitas. Concordo. E vou mais longe. Acho que o nascimento deveria ser o desabrochar da consciência, provavelmente ainda em estado fetal. Contudo, quem sou eu para criar dificuldades epistêmicas ainda mais fundas. Se já é difícil precisar a hora que você veio ao mundo enquanto corpo, destacando-se da mãe, quanto mais precisar o emergir da sua consciência. Enfim, enfim, os 30 chegaram e ainda não sei o que marcam. Talvez a consolidação das mudanças mais bruscas dos últimos anos. Mudança de cidade, de profissão. Meus compromissos burocráticos com a filosofia foram definitivamente saldados, com a defesa do doutorado esse ano e, ao menos por enquanto, não tenho maiores planos para ela que a diversão que me proporciona ao final do dia antes de dormir, junto com os livros de literatura. Estou feliz com as escolhas que fiz, por mais que, pelo lado financeiro, isso tenha atrasado um pouco os resultados que se espera de um burguesinho da classe média. Mas se tem algo que marca esses meus 30 é a perspectiva de não ter lá grandes perspectivas, de não tentar submeter e forçar todo o meu futuro
a um plano que tenho hoje, de saber aproveitar bem as possibilidades que tenho abertas agora para mim. Tenho sim algumas direções, alguns planos, mas que podem ser mudados conforme o vento que bater em minha porta. Não quero decidir apenas para ser consistente com o passado, não preciso olhar para trás e sentir uma linearidade. O sentido, se há algum, está na própria decisão presente, limitada que seja. E o amor...continua sendo fundamental, cada vez mais fundamental.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Atividade

Nunca entendi muito bem as pessoas que me diziam não sentir prazer por nenhum tipo de atividade. "Nem bordado, ler romances?", perguntava eu. Recebia uns "não" tão decisivos que a minha compreensão ficava muda. Alguns diziam que, se gostavam de algo, era de não fazer nada. Eu também gosto de ócio. Quem não gosta? Mas essas mesmas pessoas reclamavam de tédio e angústia durante o seu ócio sofrido. Aí eu já não entendo mais nada. Tédio eu sinto quando ou estou fazendo algo que não gosto, ao qual estou obrigado, ou se o ócio se prolonga demasiadamente sem envolver nada criativo. No primeiro caso, quero que passe logo a atividade indesejada, no segundo, quero que uma atividade apareça logo para me ocupar. Causas bem diversas, mas ambas têm por efeito fazer com que a minha experiência tenha por conteúdo a própria passagem do tempo, a qual se torna, então, um martírio que eu padeço. Sinto o próprio tempo passar ao invés de passar através dele. A minha solução para isso é buscar atividades que me coloquem desafios e obstáculos, que tragam alguma porção de enigma, instigando, enfim, a minha curiosidade e que catalizem a minha atenção por completo. E o principal: que eu sinta algum prazer, alguma fruição em enfrentar as dificuldades dessa atividade. Quando encontro o par prazer e obstáculo cercando juntos uma atividade e me envolvo com ela, esqueço-me de mim, do tempo, do tédio e mesmo da angústia, que, aliás, muito raramente se apossa de mim. Simplesmente sumo, desapareço, entro em alfa, em comunhão com a atividade.

E a chuva caindo cada vez mais forte, derrubando meus olhos, que quase se fecham diante do computador. Pelo menos vem entrando um vento fresco. Mas antes que me esqueça do propósito inicial, não queria dizer que não entendo as pessoas que não buscam atividades para matar o seu tédio, não, não é por isso que não as entendo. O que não compreendo é a pura e simples ausência de prazer, de gosto, de querência. O que poderia ter atrofiado a sensibilidade de uma pessoa a ponto de ela não sentir prazer por nada?

domingo, setembro 16, 2007

Sinaleiros

Eu realmente adoro essa cidade, suas qualidades superam em muito as de outras cidades que já habitei e justamente por lhe querer bem, noto seus defeitos com a esperança de que algum dia eles sejam podados ou atenuados. Então, eu gostaria de falar um pouco da disposição dos semáforos nas ruas de Curitiba. A situação é a seguinte. Imagine que você venha de São Paulo, Belo Horizonte, Brasília ou Rio de Janeiro, aporte em uma rua curitibana e vá caminhando pela sua calçada até a próxima esquina. Na sua frente, uma rua transversal que, na situação de pedestre, se apresenta como um obstáculo a ser ultrapassado, no caso, atravessado. Um cidadão das cidades supracitadas, de imediato, olharia para frente em busca de um sinal para pedestre. Primeira frustração. Eles praticamente não existem aqui. Objeto em extinção. Tudo bem, pensa o cidadão. E continua, posso extrair a informação de que necessito do semáforo (sinaleiro para os curitibanos) para os carros. Então ele vai olhar para a sua esquerda ou direita, conforme a esquina da quadra em que estiver, em busca do semáforo. Ele vai ver o semáforo, vai coçar a cabeça e soltar a sua indignação e incompreensão, como eu fiz logo que aqui cheguei: "como é que esses gênios da urbanização querem que eu descubra se posso atravessar ou não a rua se o semáforo está de costas para mim?". Sim, pasmem. O cidadão está exatamente na linha da faixa de pedestre. O semáforo, ao invés de estar bem no final da quadra, de modo que o pedestre pudesse vê-lo junto com os motoristas, não, está recuado, antes da faixa e, portanto, de costas para ele. Talvez os gênios da urbanização tenham pressuposto a correção moral do condutor curitibano de modo que qualquer pedestre pudesse inferir, com absoluta certeza e sem receios, o sinal vermelho ao ver os carros parados e o sinal verde ao ver os carros em movimento. Tenha a santa paciência!

quarta-feira, setembro 12, 2007

Diferenças II

- Sim, não sou mesmo como tu, sempre de cara feliz. Resplandeço minha dúvida no existir. No entanto, a mesma dúvida que me joga no chão também me eleva. Sou, por assim dizer, bipolar.
- Não esperava outra coisa de ti, meu caro, teu rosto sempre interrogado, louco. Não me espanta que não obtenhas com as mulheres o sucesso que eu obtenho com os homens. A minha crista de convicção seduz, a tua sombra de incerteza repele.
- Hoje estou mais ferino, não me pisarás como no outro dia. Teu sucesso com os homens não se deve tanto assim a ti, mas à tolice deles. Ausentes de vontade, encontraram em ti o guia de suas existências. Eu, ao contrário, não quero a companhia de tolos insensíveis ao pensar, mas sim daqueles que se sentem atraídos pela curiosidade, no seio da qual a dúvida se aloja.
- Tu se refugias em um elitismo que jamais poderá bater de frente com as legiões que trago debaixo dos meus braços.
- De frente jamais, minha tática é a da guerrilha, ataco pelas bordas. Talvez sim, talvez não, teus soldados aos poucos cairão atrás de outras ainda mais cegas que tu. O líder sempre está só entre os seus partidários.
- Tantos a me rodear e tens a coragem de dizer que estou sozinha?
- Tanta convicção para tão pouca percepção. Não vês a fraqueza do elo que os liga a você. Sugam a tua certeza até esgotá-la ou até depararem com outra mais cristalina, sedutora. Vão de porto em porto, ávidos pela mentira maior. Outra como ti a contará, cedo ou tarde. Que verdade já não foi traída?

domingo, setembro 09, 2007

Enfadonho

Estudo psicológico mostra que se você repete a sua opinião várias vezes, em um grupo, as chances de que esta opinião seja percebida pelos outros membros como representativa do grupo são significativas. Ou seja, o enfadonho convence. Mas sinceramente eu prefiro um baixo desempenho no convencimento de manada e imaginar que a platéia que eu realmente espero ser sensível ao que digo seja suficientemente esperta e atenta para captar e absorver as minhas idéias de primeira e as assimile por reflexão e não por preguiça.

terça-feira, setembro 04, 2007

Inefável

O clichê do inefável acontece quando você desculpa a sua falta de palavras com o transbordar dos sentimentos. Não há apaixonado que não o tenha utilizado pelo menos uma vez na vida. Mas há também aqueles poucos afetados que usam o clichê para ludibriar, afirmar um excesso de sentimento que estão muito longe de sentir. Acho muito chinfrim o apaixonado que se vale desse clichê. Prefiro o apaixonado extasiado, que abre as porteiras da imaginação e deixa fluir seus sentimentos em metáforas. Boas ou más, floreadas ou não, bem ou mal escritas, é verdade que elas não transmitirão exatamente o que ele sente, não servirão de pintura realista do quadro que ele contempla em seu peito, mas serão capazes de causar no outro alguma reação, possivelmente o aguçamento da receptividade. A minha paixão nunca será a tua, nunca passará de mim para ti, mas a minha paixão pode despertar a tua.