domingo, setembro 23, 2007

30

10, 20, 30, idades que marcam, para nós que raramente nos tornamos centenários. Se vivêssemos 2000 mil anos, a passagem dos 9 para os 10 seria tão marcante quanto é atualmente a passagem de 23 para 24, por exemplo. Mas, enfim, na minha perspectiva decenária, lembro que ao fazer dez anos contava com a alegria de ter recebido um novo irmão, temporão. Deixei de ser o caçula, mas isso sinceramente não me incomodou. Ao completar 10 anos, estava mais concentrado nos meus planos de ser algum tipo de cientista, ainda não sabia que tipo, se é que nessa época eu tinha clareza dos tipos em que eles poderiam se dividir. Acho que não. Tinha apenas uma vaga imagem de um sujeito que faz invenções mirabolantes e era o que eu queria fazer. Foi nessa época que comecei a me interessar por ficção científica, inicialmente manifestada na minha seleção literária. Minha independência já era visível. Ia nas livrarias sozinho, sim, essa era a vantagem de passar a infância numa pequena cidade, e comprava os livros do meu desejo, sem qualquer intervenção materna ou paterna. Mas a melhor parte vinha depois. Eu caçava o endereço das editoras e enviava cartas pedindo catálogos dos seus livros. A Ediouro era a única que tinha um programa de vendas por reembolso postal e durante um tempo tive que me limitar a ela. Pelo menos ela tinha, na época, umas coleções até interessantes, dados os meus gostos. Lembro bem até hoje da coleção Enrola e Desenrola. Geralmente histórias de ficção científica em um formato pré-hipertexto. A cada duas páginas, você escolhia um desenrolar possível da história, entre algumas opções que lhe eram dadas, de modo que o mesmo livro acabava contento entre 15 e 20 desenrolos possíveis. Toda essa transação, pedir o catálogo, fazer o próprio pedido e, em seguida, ir buscar no correio o pacote quando recebia o aviso de chegada, era feito por mim mesmo sem nem que os meus pais às vezes soubessem. Recebia uma mesadinha, então não havia necessidade de pedir dinheiro para o pagamento. Com que alegria eu não ia ao correio pegar os meus livros! E assim os meus 10 anos foram marcados por essa busca frenética pela ficção, pelo imaginário de ser um cientista.

Os 20, posso dizer, vieram coroar um certo otimismo com a vida, brando é verdade, mas suficiente para ao menos solapar a acumulada depressão dos anos anteriores, nascida com a adolescência e intensificada até então. O contato com a filosofia, dos 16 aos 19, embora tenha consumido minha atenção, meu tempo e proporcionado intensas fruições intelectuais, acentuava também as minhas dúvidas. Minha relação com a filosofia sempre foi paradoxal, de amor e ódio. E o amor...o amor, que até então havia passado ao largo da minha vida, apenas como idealização, imaginação e desejo não realizado, desabrochou nessa passagem dos 19 para os 20. Descobri em mim a intempestividade, a loucura, a adorável sensação de seguir a desrazão em prol de uma emoção. Ter sido assim tocado pelo amor de uma maneira tão profunda numa época me que o meu desespero existencial era máximo teve o efeito de me abrir uma nova perspectiva diante da vida.
Até então, a realização profissional, o desejo de fazer alguma contribuição relevante para a filosofia me apareciam como as únicas finalidades mais profundas legítimas. Contudo, na primavera dos meus 20, percebi que o relacionamento com o outro tinha uma importância tão fundamental ou ainda maior que a realização profissional, que por ela me humanizava e me descobria enquanto ser e existência, percebia meus limites, defeitos e os ultrapassava. Desde então a busca pela vivência de um relacionamento mais profundo e significativo passou a fazer parte da minha agenda, do meu horizonte.

Hoje completo 30. Ou melhor, completei às 7:05 da manhã, segundo a minha certidão de nascimento. Mas como disse uma amiga esses dias, não dá para confiar nesses registros e um número assim redondo como o 5 levanta suspeitas. Concordo. E vou mais longe. Acho que o nascimento deveria ser o desabrochar da consciência, provavelmente ainda em estado fetal. Contudo, quem sou eu para criar dificuldades epistêmicas ainda mais fundas. Se já é difícil precisar a hora que você veio ao mundo enquanto corpo, destacando-se da mãe, quanto mais precisar o emergir da sua consciência. Enfim, enfim, os 30 chegaram e ainda não sei o que marcam. Talvez a consolidação das mudanças mais bruscas dos últimos anos. Mudança de cidade, de profissão. Meus compromissos burocráticos com a filosofia foram definitivamente saldados, com a defesa do doutorado esse ano e, ao menos por enquanto, não tenho maiores planos para ela que a diversão que me proporciona ao final do dia antes de dormir, junto com os livros de literatura. Estou feliz com as escolhas que fiz, por mais que, pelo lado financeiro, isso tenha atrasado um pouco os resultados que se espera de um burguesinho da classe média. Mas se tem algo que marca esses meus 30 é a perspectiva de não ter lá grandes perspectivas, de não tentar submeter e forçar todo o meu futuro
a um plano que tenho hoje, de saber aproveitar bem as possibilidades que tenho abertas agora para mim. Tenho sim algumas direções, alguns planos, mas que podem ser mudados conforme o vento que bater em minha porta. Não quero decidir apenas para ser consistente com o passado, não preciso olhar para trás e sentir uma linearidade. O sentido, se há algum, está na própria decisão presente, limitada que seja. E o amor...continua sendo fundamental, cada vez mais fundamental.

4 comentários:

Unknown disse...

Acho que foi o texto que mais gostei até agora. O mais franco, o mais humano dos que eu li. Benvindo a essa confusa idade dos 30!
PS1: por que o orkut não me avisou?
PS2: eu tbm lia Enrola e Desenrola!

Eros disse...

Obrigado pela boa recepção nos novos anos, Fernada, hehe.
O orkut não avisou pq ele está desconfigurado para avisar. Não foi nada pessoal! rs.

Maria Helena disse...

É verdade, Eros, dos seus textos, foi um dos melhores que já li. Sinto saudade! Vc me fez lembrar tb dos meus dez, meus vinte... quem sabe eu o releia aos trinta! Uma amiga minha, que vai fazer 31 em breve, fez a mesma reflexão sobre os 30 que vc: "ainda não sei ao certo o que vou fazer". Acho que a nossa geração sofre de uma adolescência tardia! Sem achar isso bom ou ruim.

Nesse final-de-semana fomos visitar um casal de amigos do meu namorado, que acabaram de ganhar um bebezinho. Precisava ver que lindo, tranqüilinho, dormindo. Aí eu peguei ele no colo e fiquei pensando que ele assim, pequenino, vivia tudo pela primeira vez. Até mesmo um carinho, as mãos de alguém sobre a pele, era inteiramente novo! Vai ver a gente continua nascendo um pouquinho mais todos os dias...

Um grande abraço,

MH

Eros disse...

Obrigado pelas palavras, MH. Sua opinião é sempre importante!

Mas não sei não, tendo a discordar um pouco. Não acho que a ausência de linearidade nas decisões seja um indício de adolescência tardia, pois falando assim soa que só é maduro quem tem uma vida toda certinha, planejada, concatenada, progressiva, bem-sucedida materialmente e eu não creio que isso tenha tanto assim a ver com maturidade. Ou pelo menos não gosto de associar as duas coisas. Para o meu bem, hehe.

Na minha cabecinha, essa fragmentação da vida faz todo o sentido numa perspectiva que leva a sério a finitude humana e ignora qualquer idéia de sentido/direção transcendente. Soa até mais natural.

Outro abração.