sexta-feira, outubro 30, 2009

Autoengano.

Eu me engano, você se engana, ele se engana, ela se engana, todos se enganam praticamente o tempo inteiro. Entendemos que aqueles que nos elogiam são pessoas confiáveis, competentes e respeitáveis, enquanto aqueles que nos criticam são pessoas incompetentes e desprezíveis. Nos alistamos em grupos, dos mais variados temas e tipos, para que chegue aos nossos ouvidos o reforço daquilo que já cremos. Criamos milhares de teorias conspiratórias para explicar nosso insucesso. É sempre muito mais provável que intenções e forças malignas se interponham à realização de nossas vontades do que não termos simplesmente os recursos físicos e mentais para realizá-las. Quando o elogio alheio não é suficiente para reforçar a crença no quão bom somos, nos autoelogiamos, nos aproximamos dos mais fracos e fazemos comparações. Montamos estratégias de propaganda, alardeamos os nossos feitos, enfatizamos que são nossos, só nossos, mas atenuamos os nossos fracassos, estes são relatados sempre com ressalvas, não são muito nossos. É claro que todo esse campo de força fabricado é útil (até um certo ponto) para a sobrevivência. Nos mantém fortes, convictos, otimistas, esperançosos. Mentiras úteis, enfim. Porém, este campo esconde uma dolorosa verdade: somos tão fracos que simplesmente não nos aquentamos, não queremos nos ver no espelho. Quase nunca nos enfrentamos, quase nunca nos deixamos estar a sós conosco mesmos. Estamos, na maior parte do tempo, com um outro. E não é por fingimento, não estou falando da baboseira metafórica das máscaras, falo algo muito simples: estar honesta e sinceramente com um outro, distante de si, é o modo que a nossa espécie miserável encontrou para sobreviver. Este truque dissociativo, no entanto, pode ser visto como aquilo de que temos de mais forte, é o nosso trunfo.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Mas o que é mesmo um argumento?

Quando o aluno vem me entregar a prova e diz defensivamente, "professor, não sou analfabeta, mas essas palavras 'premissa', 'conclusão', 'inferência', 'argumento' ainda me deixam muito confusa, como muitos aqui, ainda não tive aula de lógica", meu chão cai por completo, não por achar que eu não tenha feito o meu serviço didático direito, posso até não ter feito, mas por outros motivos; essas quatro palavrinhas "misteriosas" não é algo que só se aprende num curso de lógica, são palavras úteis para a apropriação ou interpretação de qualquer texto científico/teórico/jornalístico/informativo e que deveriam ter sido introduzidas à aluna antes mesmo dela entrar na universidade pela sua professora de português e reforçada e exemplificada por todos os outros professores das ciências específicas: histórica, geografia, matemática etc.  Confuso fico eu tentando imaginar a maneira confusa através da qual ela enxerga as relações entre as ideias de um texto que lê...Esses choques de realidade são bons para me fazer perceber que, às vezes, posso estar estimando as capacidades dos alunos erroneamente. É bom por forçar-me a fazer malabarismos para passar o básico junto com o essencial. É ruim se me tenta a baixar o nível do mínimo. 



sexta-feira, outubro 02, 2009

O eu e outro

Quanto mais elas gritam o que não são, mais marcam o que são. Intensifica-se o contraste para facilitar a percepção de si. E de onde vem toda esta necessidade de ser? Ser indistintamente seria, em si mesmo, pior que ser distintamente? A consciência mais radical de si tem um ônus: o peso de ser quem és aumenta. Assim como o seu peso corporal não é o mesmo se está na Terra ou na Lua, seu peso existencial não é o mesmo se a sua consciência de si é mais ou menos aguda. E no entanto, lá está a multidão rejeitando freneticamente tudo o que ela não é. Parece que é quase com repulsa que encontram algo indistinto em si. A idéia é manter consigo uma presença de si esquelética, míngua, mas que, no entanto, é só sua, absolutamente sua, depurada de todo o resto. É com prazer que a pessoa se descobre. Não sei se é com prazer que ela se aquenta.