Hume já dizia, o ceticismo é inócuo, ele é incapaz de atentar contra a nossa tendência natural a crer. Isso não significa que a razão seja inoperante na formação de crenças, que não devamos até estimular um certo grau saudável de dúvida, mas apenas que a razão é escrava dos nossos impulsos e instintos. Quando tenta suplantá-los, pelo ceticismo, fracassa.
O ser humano, a besta das bestas, foi dotado pela natureza com uma inigualável capacidade de ter esperanças, somos instintivamente esperançosos. Eis a sabedoria da sobrevivência. Ao nos dotar da capacidade de "conhecer" o mundo e prever o futuro, a natureza precisou compensar o pessimismo que daí emergiria naturalmente, posto que a probabilidade de quem tá na merda é continuar na merda, nos congratulando com este instinto de se agarrar a meras possibilidades mesmo quando elas são improváveis.
Quase diariamente me perguntam, e eu também, a razão pela qual não me mato. Tivesse eu uma razão para não me matar talvez aí sim me mataria, pelo gosto de contestá-la, para sentir-me livre dela também, ainda que pela última vez. Mesmo o amor não é uma razão. Mesmo com amor, as coisas ruins continuam ruins, a diferença é que aquele instinto de esperança recebe um reforço.
Com o amor há, porém, uma compensação: as coisas que já eram boas ficam ainda melhores. Mas eu sei que isso não serve de consolo e não diminui em nada o desconforto do que é ruim.
quinta-feira, junho 26, 2008
Do Concurso.
Pena que o concurso, aquele referido tempos atrás, não é para mim. Não tive tempo para estudar adequadamente em virtude das aulas de computação que acabei assumido e das n disciplinas que estava fazendo. Não, não é papo de derrotado, estou sendo apenas realista. Tenho plena noção do que seria necessário estudar para fazer uma "boa" prova aos olhos da banca, assim como soube quando concorri com sucesso ao mestrado e ao doutorado. Nessas horas, é triste, não basta escrever com diligência e inteligência. Muita erudição é importantíssimo também. E fiquei sabendo que para esse concurso da UFPR se inscreveram nada menos e nada mais que 67 pessoas, euzinho aqui incluso. Alguns professores há anos da UFRGS, UFBA etc. E é uma vaga só. Mas fiquei feliz com uma coisa. Se antes eu pensava em fazer uma prova burocrática, cheia de dedos e montado em filósofos, para tentar convencer a banca, agora chutei o balde e vou fazer a prova do jeito que eu gosto, tematicamente. Pelo menos saio de lá feliz ao me reconhecer nas próprias palavras.
Das aulas
Ironia do destino. Não foi pela filosofia que perdi o medo de dar aulas. Muito pelo contrário. Eu me refugiei na computação não só pelo gosto de programar, mas por ter contado a mim mesmo enfaticamente a mentira de que padecia de fobia social. Pior, acreditei nessa mentira por muitos anos. E como a filosofia não me dava outra alternativa de sustento, corri atrás da computação, fugindo sempre do enfrentamento público. Mas agora eu sei, eu não tenho fobia social alguma, eu só tenho timidez, talvez um pouco acentuada, mas nada grave, nada que atrapalhe a boa execução de uma aula. E, como eu disse, foi a computação que me desmentiu, descortinou-me a verdade. Ela me empurrou para uma turma de 16 alunos e ali, durante dez dias, 4 horas por dia, eu tive de falar e ensinar. E eu ensinei e falei. Sem nervosismo, sem taquicardia, sem nada aterrador que me vinha à mente quando eu imaginava essa situação nos tempos em que ainda filosofava na graduação, mestrado ou doutorado. Agora que conheço a verdade, quero mais do que nunca dar aulas, de filosofia, pois filosofia, para ensinar, é mais divertido que computação. Muito mais.
quinta-feira, junho 19, 2008
Eu por mim mesmo.
Esses dias recebei do meu ex-orientador, o legal, não o ex-ex, o chato, um e-mail em que ele me pedia para escrever uma autobiografia de até 5000 caracteres; o motivo: minha tese foi escolhida para concorrer, pelo departamento de filosofia da UFMG, ao prêmio CAPES lá de melhor tese do ano. Eis, então, a minha "autobiografia":
É difícil para mim precisar em que momento tive o meu primeiro contato com a história da filosofia. Provavelmente, ainda pequeno, quando, curioso pela origem do meu nome, fui em busca de livros sobre a mitologia grega. Mas não foi nesta época que a conheci de fato. Passei a infância e a pré-adolescência com a mesma inquietação dos filósofos pré-socráticos, interessado em conhecer a origem do universo e seus elementos mais fundamentais. Cheguei, então, à física bem antes de conhecer a filosofia e, por muito tempo, motivado também pelo gosto e facilidade com os cálculos, projetei-me no futuro como físico. Somente naquele ano de decisão inadiável sobre o futuro profissional é que tomei um contato direto e efetivo com a filosofia através da leitura de alguns livros sobre filosofia da ciência indicados por um tio que, então, se formava em filosofia pela UFMG.
A leitura desses livros provocou uma completa reorientação das minhas inquietações intelectuais, percebi pela primeira vez que entender o que era o conhecimento e como ele poderia ser obtido eram questões para as quais eu precisava de uma resposta antes de procurar saber sobre as leis físicas que regem o universo. Hoje, claro, não vejo o assunto assim, mas na época, senti-me completamente compelido para a filosofia em virtude dessa reorientação das minhas próprias questões. Não só isso, senti-me, de fato, curioso por saber o que era o conhecimento, o que os filósofos haviam falado sobre ele. Era algo novo para mim, até então, essas questões tinham passado pela minha mente, se é que tinham, apenas de maneira obscura, confusa; quando as vi postas claramente, senti a necessidade de passar mais tempo com elas. Decidi, assim, pela filosofia profissionalmente. A física poderia esperar, ela tinha de esperar.
Ingressei na graduação de filosofia da UFMG em 1995, então, com 17 anos. Foi um ano desafiador e amedrontador, meu contato anterior com a disciplina se limitava àqueles livros citados acima, e, de cara, deparei com professores sequiosos em esbanjar o jargão filosófico. Muita coisa foi dita nas salas de aula sem que eu conseguisse entender. Temi que o curso não fosse para mim. Cogitei até mudar para física ou ciência da computação. Mas a medida que aprofundava as minhas leituras e me acostumava com o palavreado obtuso dos filósofos, senti-me mais à vontade entre eles. Vieram as provas, os trabalhos e sai-me bem neles. Alguns professores elogiaram a minha argumentação e eu comecei a me convencer que tinha jeito para a coisa. Novamente, as ciências exatas tiveram de esperar um pouco mais.
No ano de 1996, foi abrutamente arrancado do curso de filosofia. Já tinha ouvido falar de Hobbes e dos tentáculos poderosos do Leviatã, mas só fui compreender a sua real força quando ele me agarrou. O Exército achou que eu era interessante nas suas fileiras. Ironicamente, eu era, na época, anarquista. Aceitei, no entanto, o destino sem revolta, curioso até pela experiência inusitada, consolado com os relatos de filósofos que tinham também passado pela experiência militar.
Em 1997, voltei ao curso, com muita vontade e mesmo vigor físico para a pesquisa. Agradeço aos milicos por esse preparo. Conheci Wittgenstein e apaixonei-me pela sua vida e obra. Percebi que mais fundamental ainda que a questão do conhecimento era a questão do sentido. Nem tanto assim, é verdade, como se verá em seguida. Na época, pareceu-me claro, antes de perguntar qualquer coisa, essa pergunta precisa ter um sentido e o filósofo austríaco incutiu-me a dúvida de que muitas perguntas não tinham. Eu precisava, assim, saber (vejam só) o que era o sentido.
Daí em diante fui perdendo a minha ingenuidade intelectual e aprendendo a exercer essa atividade que se costuma denominar de "acadêmica", fazendo pesquisa, criticando artigos, buscando entender os filósofos, suas idéias e tentando escrever as próprias. Algo nessa atividade me irritava, na filosofia brasileira, em especial, a hegemonia exegética. Mas, por sorte, encontrei alguns professores que me estimularam e encorajaram a abordar a filosofia de uma maneira mais temática, que é o tipo de abordagem com a qual me sinto mais à vontade, por nenhuma razão fundamental, é verdade, apenas uma questão de gosto. Assim pude continuar na filosofia, seguindo mais ou menos o percurso esperado de um acadêmico: especializando-se. Formei-me no ano de 2000 e já em seguida iniciei o mestrado. Ainda interessado no conhecimento, foquei-me num tipo específico, o perceptivo. Critiquei aqueles que combatiam a idéia de que há crenças justificadas não-inferencialmente pela percepção. Em seguida, no doutorado, enfim, tentei positivamente articular essa idéia, provendo uma compreensão filosófica de como essa justificação se dá. Defendi a tese em 2007. Desde, então, sou um filósofo desempregado.
É difícil para mim precisar em que momento tive o meu primeiro contato com a história da filosofia. Provavelmente, ainda pequeno, quando, curioso pela origem do meu nome, fui em busca de livros sobre a mitologia grega. Mas não foi nesta época que a conheci de fato. Passei a infância e a pré-adolescência com a mesma inquietação dos filósofos pré-socráticos, interessado em conhecer a origem do universo e seus elementos mais fundamentais. Cheguei, então, à física bem antes de conhecer a filosofia e, por muito tempo, motivado também pelo gosto e facilidade com os cálculos, projetei-me no futuro como físico. Somente naquele ano de decisão inadiável sobre o futuro profissional é que tomei um contato direto e efetivo com a filosofia através da leitura de alguns livros sobre filosofia da ciência indicados por um tio que, então, se formava em filosofia pela UFMG.
A leitura desses livros provocou uma completa reorientação das minhas inquietações intelectuais, percebi pela primeira vez que entender o que era o conhecimento e como ele poderia ser obtido eram questões para as quais eu precisava de uma resposta antes de procurar saber sobre as leis físicas que regem o universo. Hoje, claro, não vejo o assunto assim, mas na época, senti-me completamente compelido para a filosofia em virtude dessa reorientação das minhas próprias questões. Não só isso, senti-me, de fato, curioso por saber o que era o conhecimento, o que os filósofos haviam falado sobre ele. Era algo novo para mim, até então, essas questões tinham passado pela minha mente, se é que tinham, apenas de maneira obscura, confusa; quando as vi postas claramente, senti a necessidade de passar mais tempo com elas. Decidi, assim, pela filosofia profissionalmente. A física poderia esperar, ela tinha de esperar.
Ingressei na graduação de filosofia da UFMG em 1995, então, com 17 anos. Foi um ano desafiador e amedrontador, meu contato anterior com a disciplina se limitava àqueles livros citados acima, e, de cara, deparei com professores sequiosos em esbanjar o jargão filosófico. Muita coisa foi dita nas salas de aula sem que eu conseguisse entender. Temi que o curso não fosse para mim. Cogitei até mudar para física ou ciência da computação. Mas a medida que aprofundava as minhas leituras e me acostumava com o palavreado obtuso dos filósofos, senti-me mais à vontade entre eles. Vieram as provas, os trabalhos e sai-me bem neles. Alguns professores elogiaram a minha argumentação e eu comecei a me convencer que tinha jeito para a coisa. Novamente, as ciências exatas tiveram de esperar um pouco mais.
No ano de 1996, foi abrutamente arrancado do curso de filosofia. Já tinha ouvido falar de Hobbes e dos tentáculos poderosos do Leviatã, mas só fui compreender a sua real força quando ele me agarrou. O Exército achou que eu era interessante nas suas fileiras. Ironicamente, eu era, na época, anarquista. Aceitei, no entanto, o destino sem revolta, curioso até pela experiência inusitada, consolado com os relatos de filósofos que tinham também passado pela experiência militar.
Em 1997, voltei ao curso, com muita vontade e mesmo vigor físico para a pesquisa. Agradeço aos milicos por esse preparo. Conheci Wittgenstein e apaixonei-me pela sua vida e obra. Percebi que mais fundamental ainda que a questão do conhecimento era a questão do sentido. Nem tanto assim, é verdade, como se verá em seguida. Na época, pareceu-me claro, antes de perguntar qualquer coisa, essa pergunta precisa ter um sentido e o filósofo austríaco incutiu-me a dúvida de que muitas perguntas não tinham. Eu precisava, assim, saber (vejam só) o que era o sentido.
Daí em diante fui perdendo a minha ingenuidade intelectual e aprendendo a exercer essa atividade que se costuma denominar de "acadêmica", fazendo pesquisa, criticando artigos, buscando entender os filósofos, suas idéias e tentando escrever as próprias. Algo nessa atividade me irritava, na filosofia brasileira, em especial, a hegemonia exegética. Mas, por sorte, encontrei alguns professores que me estimularam e encorajaram a abordar a filosofia de uma maneira mais temática, que é o tipo de abordagem com a qual me sinto mais à vontade, por nenhuma razão fundamental, é verdade, apenas uma questão de gosto. Assim pude continuar na filosofia, seguindo mais ou menos o percurso esperado de um acadêmico: especializando-se. Formei-me no ano de 2000 e já em seguida iniciei o mestrado. Ainda interessado no conhecimento, foquei-me num tipo específico, o perceptivo. Critiquei aqueles que combatiam a idéia de que há crenças justificadas não-inferencialmente pela percepção. Em seguida, no doutorado, enfim, tentei positivamente articular essa idéia, provendo uma compreensão filosófica de como essa justificação se dá. Defendi a tese em 2007. Desde, então, sou um filósofo desempregado.
quarta-feira, junho 18, 2008
Do azar
Qual a probabilidade de cair um raio na minha cabeça? Quase a mesma de ganhar na mega-sena, correto? Errado. Hoje a probabilidade de cair um raio na minha cabeça deve ser de 1 em 500000, ou até menos, quem sabe, 1 em 10000. Desculpem-me pelo sarcasmo, mas é impossível não ter agora diante do mundo e com o mundo, seja lá o que isso for, uma reação de revolta e indignação, mesmo sabendo que isso não faz sentido. E o que nessa vida faz sentido? Como se já não bastasse meu irmão ter quase morrido ao cair ou pular do quarto andar, depois de ter passado três semanas em coma, agora que ele começa a se recuperar, a falar, ainda que meio embolado, minha mãe que estava cuidando dele integralmente é atropelada. Urucubaca familiar? Tenho medo de ser estraçalhado pelo trem que passa aqui nas imediações da minha rua amanhã ou depois. Eu não preciso, como o Kyle do South Park, desenvolver aos 8 anos de idade uma hemorróida para duvidar da existência divina, nem ser submetido aos piores infortúnios, como o Cândido de Voltaire, para concluir que não vivemos no melhor dos mundos possíveis; o ateísmo/agnosticismo eu abraço com ou sem desgraças, mas é impossível diante de acumuladas desgraças não se sentir irracionalmente irritado com o mundo. O mundo é como ele é, sim, indiferente a mim, eu sei, mas ele é uma bosta, enfim, eu, agora, neste instante, não consigo ser indiferente a ele.
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