quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Angústia

A angústia, como a entendo e sinto, é um processo de ajuste interno entre desejos, esperanças e sonhos, de um lado, e o seu conhecimento a respeito da realidade do outro. O processo é lento e tenso, nem sempre doloroso, triste ou lúgubre, mas certamente causa um incômodo, uma inquietação dúbia por não saber o que fazer, e a sensação de vazio é simplesmente a perda de sentido dos seus sonhos, os quais, até então, o norteavam. O conhecimento da realidade esmaga e tritura esse sentido. Quanto mais emocionalmente densos eram esses sonhos, tanto mais tensa e demorada será a vivência da angústia. Você sente que perde algo e sim, claro que perde, perde esses sonhos que lhe são tirados do rol das suas possibilidades de vivências.

Veja, você tinha sonhos e desejos bem arraigados no seu dia-a-dia, acordava pensando neles e tomava cursos de ações imaginando que elas lhe ajudariam a levá-lo até eles. Eram sonhos também cuja realização você imaginava lhe causando um profundo bem-estar, uma presença esmagadora de sentido. Enfim, sonhos tão presentes, tão obsecados em seus pensamentos, que tinha com eles uma verdadeira relação emocional. Eram, por assim dizer, sonhos-desejos-emocionados. Não seria de todo errôneo dizer também que você vivia por esses sonhos, que eles o animavam e lhe davam entusiasmo. E você os via como possíveis, alguns mais prováveis que outros, alguns mais tangíveis que outros, alguns mais próximos que outros, mas todos, de alguma forma, realizáveis, possíveis.

E talvez alguns deles nem fosse possíveis. Você apenas imaginava que eram, tinha idéias vagas de como chegaria a realização deles e se enganava com as ações que tomava achando que elas o levariam até eles. Que importa? Tudo vai bem enquanto você pensa que os seus sonhos são possíveis, mesmo que já não sejam mais ou nunca tivessem sido. A ignorância é uma benção para os sonhadores, pois lhes mantém a esperança.

Um dia a realidade bate na porta da sua casa na forma de saber. Você abre a porta e a realidade lhe diz: "veja, esses sonhos são impossíveis, não há absolutamente nada que você possa fazer para alcança-los". É neste exato momento que você começa a viver a angústia, quando compreende que vários cenários imaginados por você jamais poderão se apresentar ao vivo e a cores em sua experiência. É-lhe penoso pensar que a existência desses cenários ficará limitada à sua imaginação, que eles não existirão jamais nos seus sentidos, onde teriam uma existência muito mais viva, colorida, intensa e penetrante.

Leva um tempo até que o seu respeito e desejo pela verdade vença o seu desejo pelos sonhos. Eram sonhos tão emocionados que você não quer abrir mão deles, alguns tão centrais para o seu existir, que se sente perdido imaginar-se sem eles. A tensão está aí, em que você terá de viver o choque entre o que sabe e o que deseja, é uma experiência desconfortante, enfim, angustiante. Reside aqui o perigo de algumas patologias, se o seu desejo pela verdade é esmagado pelo seus sonhos desejados, levando-o a bater a porta na cara da realidade. Em outras palavras: psicose. A intensidade emocional dos sonhos, entre outros fatores, mas sobretudo ela, é quem decidirá a questão.

Eu diria até que o ceticismo é uma patologia também, o homem-cético não negará a realidade, não dará com a porta na sua cara, mas usará de todo o seu engenho e qualquer estratagema ludibrioso para retardar a sua entrada, para convencê-la a ficar ali, no limiar da entrada, dando, assim, uma sobrevida aos seus sonhos. Mas isso tem um custo. Diferentemente do psicótico que, ao fechar a porta, pode voltar-se tranqüilo para os seus sonhos, o homem-cético terá de persegui-los angustiado, temendo o avançado da realidade sobre si a qualquer momento. Já os Homens-de-ação sofrem bem menos de angústia, pois convidam a realidade para um chá assim que ela lhes bate à porta.

Quando eu a vi pela primeira vez, desejei, sonhei segurar-lhe as mãos, mesmo sem ter ainda qualquer sentimento por ela. São mãos tão belas e encantadoras que queria conhecê-las também ao modo de um cego, pelo tato. Esse mesmo sonho se avolumou e se preencheu de simbologias diversas quando nasceu o meu sentimento por ela. Mãos nas mãos sempre tiveram um significado especial para mim de tranqüilidade e compreensão. Dentre todos os sonhos que tive com ela, pelo menos desses que a gente desenha e colore na imaginação, este é o mais difícil de largar, agora que a realidade me bate à porta. Há dois dias o meu fundo musical é "your hand in mine", do Explosions in the Sky. Ainda sonho, um pouco angustiado, sabendo que será sempre apenas um sonho.

2 comentários:

Unknown disse...

Eu acho que a nossa geração tem a crise dos 30, e não dos 40. Só que a nossa crise não é pelas coisas que realizamos, justamente o contrário.

Conclusão horrível, né?

Eros disse...

Horrível sim. Lembra daquela discussão? Cansa às vezes, felizmente nem sempre, andar, andar, andar e não chegar a lugar algum.