sábado, dezembro 29, 2007

Calor

A umidade brota da pele impiedosa, rompe poros, escorre incomodamente pelo corpo e deixa a sua marca salgada. Olho para a cama, os livros que lá estão, a vontade de ler, de apropriar-me de algum pensamento, mas sinto um cansaço só de me imaginar lendo suando, as palavras se arrastando, a concentração embotada. Realmente não dá. Realmente eu não poderia. Não aquentaria. Aquela oferta de fazer pós-doutorado em João Pessoa foi bem recusada. Eu não suportaria por muito tempo. O ser humano se adapta, mas bem, uns se adaptam mais facilmente que outros, há toda uma fisiologia particular, particularíssima a se considerar, eu sou calorento, é fato. Aos 15 graus ainda estou só de camiseta. E de mais a mais, chega dessa vida de cigano. E que família a nossa, ein, estava comentando mesmo esses dias com a minha irmã. Migrante desde os antepassados. Conosco não foi diferente. Eu aqui, ela em São Paulo, o pai no Espírito Santo, o irmão em Porto Alegre, a mãe em Minas. O mesmo destino para a família do irmão da minha mãe, que, durante toda a minha infância, foi muito próxima da gente. A prima querida no Rio, a irmã dela em Natal, o irmão em Tocantins, a mãe nos confins do Pará, o pai no Espírito Santo. Poxa, só está faltando alguém no centro-oeste. Alguém tem de ir para lá! Nem olhem para mim. Cuiabá, imagine, uma cidade que fica num fosso, abaixo do nível do mar, onde 30 graus é fresco, brandura e suavidade. Família de curiosos, isso sim. E agora volto ao Espírito Santo, passar uns dias, rever o pai, a dona Maria, minha segunda mãe, a sua comida boa, o seu colo gostoso, mas sinto um peso aqui sobre a minha pele, uma ardência queimada, só de imaginar o calor natural do vale do rio doce com o seu por do sol tão lindo quanto quente, incandescente. Pequeno, nos dias de mais violento calor, eu pegava gelo para chupá-lo ou passá-lo pelo corpo, depois ia me deitar no piso de ardósia, lá na varanda, esperando pelas esporádicas correntes de vento e ria de prazer quando elas vinham. Ficava ali horas, às vezes com um livro, outras com algum brinquedo ou apenas olhando as formigas que traçavam o seu caminho entre os vãos das pedras. Só tem uma coisa boa nessa história de calor, minha carência baixa para zero, sai de perto, não tem abraço, nem beijo, nem nada. É, paz de espírito no meio de um inferno corporal.

Um comentário:

Caminhante disse...

Nossa, tua família consegue ser mais dispersa do que a minha! :o

Eu pensei em fazer doutorado na USP, cheguei até a encontrar com uma professora de lá. Mas - coisas do destino? - na volta eu perdi meu ônibus e vim de convencional. Aquilo não é um ônibus, e sim um castigo. E assim terminou de vez a vontade de ficar viajando pra estudar.