Dou de ombros para o seu achar-me louco. Isso só mostra que a sua capacidade de compreender é mais limitada que a minha capacidade de ser. Nunca acreditei na existência da loucura. Eu acredito em deficiências e distúrbios mentais que podem ser remontados a deficiências cerebrais. Loucura em cérebro são? Conte outra piada, use outro subterfúgio para escamotear a sua ignorância. Ah, você não quer me compreender. Oh, mas eu também não faço questão de ser compreendido por você. Não mesmo, eu ficaria completamente disforme nessas caixas mal feitas que você usa para apreender o ser do ente. Quer que eu lhe traga um espelho? Venha cá, veja-se. Passaste a vida numa lama de conceitos e crenças, sem nunca lhes dispensar nenhuma atenção organizadora, nenhum esforço higiênico para eliminar os excrementos herdados e amontoados no seu habitat. Teus pais rezavam e você gritava "amém!" mecanicamente, condicionada; até um robô mais moderninho, com fuzzy logic, entende?, seria capaz de emular um livre-arbítrio mais decente. Tua linguagem é um caos, tua rede de conceitos é vazada, não pega nem robalo, quanto mais a fineza do meu ser. Veja bem, veja bem. Deixe-me lhe explicar uma coisinha, básica até. A compreensão, a interpretação, o entendimento, a hermenêutica são completamente dependentes da arte de distinguir. Isso mesmo, a compreensão é um ofício artesanal, demanda um olhar atento e fino, uma disposição sobrehumana para rever cada grão de areia que lhe passou nas mãos, procurando erros, reclassificando peças, enfim, ela demanda um esforço e uma dedicação que só uma mente com excesso de vontade é capaz de levar adiante. Definitivamente, não. Não é com essa lama que você usa para construir castelos infantis que você vai compreender um ser humano, não mesmo. Por favor, não tente me tocar com a sua apreensão.
E ela sabiamente partiu, ao intuir, bem de longe, sem tocá-lo, o rancor do seu esperneio patético, deixando-o só, na companhia do seu amor-próprio.
segunda-feira, agosto 20, 2007
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