sexta-feira, fevereiro 09, 2007
Sentir
Quando a porta se fechou, teve medo. Não do escuro absoluto que incidiu sobre o quarto. Medo sim de se ver forçado cada vez mais a estar apenas consigo mesmo. Sem nada para ver, acabaria se voltando para a visão interna. Tremeu ao pensar em se ver assim tão intuitivamente. No primeiro dia, rastejou pelo chão, lambendo cada centímetro do seu piso. Mergulhou em seu sabor. Por excesso, perdeu o paladar. No segundo dia, bateu palmas, cantou e gritou. Se alguma luz pudesse entrar ali, perceberia as veias saltitando em seu pescoço. Exagerou no agudo e os seus tímpanos sangraram, perdeu a audição. No terceiro dia, rolava pelo chão, esfregava-se com força nas paredes, um tato voraz que parecia querer soldá-lo no concreto. Esmagou nervos, perdeu o tato. No quarto dia, inspirava com toda a força que podia, abrindo as narinas, para captar o cheiro do chão e das paredes. Não suportou a poeira, perdeu o olfato. No quinto dia, já desesperado, forçou bem os olhos. Mas a visão sozinha é impotente sem a luz. Não teve mais como fugir. Olhou-se, enfim, com a sua intuição. Neste instante, uma lágrima cresceu no seu olho esquerdo e desceu pela face, atingindo seus lábios semi-abertos. Mas ele não pôde vê-la, nem senti-la se deslizando sobre a pele. Em sua língua, a lágrima se misturou com a sua saliva sem que ele pudesse notar qualquer diferença, nenhum sabor. Enquanto se olhava, uma vontade crescia em seu peito. Quis se tocar, cheirar seus braços, degustar a pele, ouvir o timbre da sua voz e ver as silhuetas do seu corpo. Mas nada disso era possível agora. Tentou sem resultados. Teve, então, um medo ainda mais paralisante: o de não mais poder se sentir. Compreendeu que não lhe restava mais nada a não ser essa contemplação estática e vazia de si.
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