domingo, janeiro 27, 2008

Promessa

Há quem se ache virtuoso por cumprir uma promessa. Olha-se no espelho com ar de dignidade por ter mantido a palavra que dera um ano atrás ou até mais. O prazer consigo mesmo dispara quanto mais espinhoso e sangrento for o caminho. "Lutei, resisti e venci!", dirá. Lembrará desses dias de sofrimento com sabor de heroísmo. Sim, lutou, massacrou e eliminou cada uma de suas vontades desvirtuantes. Este homem ou mulher agora se sente limpo, mas trata-se de uma limpeza cadavérica; lipoaspirou toda a sua carne, pois lhe soava pútrida e ignóbil. Contudo, era a própria carne que cortava, era a sua própria vida que matava e suprimia. E para que? Para aplacar a sua consciência débil, incapaz de conviver com a própria imundice, com as contradições que habitam o peito de cada um. Também o amor, mantido pelas juras, se transforma na mais monstruosa pulsão de morte quando a sua brasa já não é mais alimentada pela vontade íntima, mas sim pela obrigação, pela consciência. O pseudo-amante assim embriagado pelo odor límpido da sua obrigação, arrotará com satisfação todo o martírio que se impõe pelo outro, contará aos quatro cantos tudo que deixou de lado pelo outro, tudo que fez para estar do lado outro, como se o amor tivesse mesmo algo de heróico. Ele diz que se sacrifica com prazer pelo outro, pois o ama. Mentira! Não é ao outro que ele ama, mas a sua obrigação de amar, a sua necessidade de amar, a sua vontade de estar limpo e cheirar à pureza. O amor por um outro, na sua manifestação pura, simplesmente não contradiz o seu objeto e, o que é mais importante, muito menos contradiz com sacrifícios aquele de quem emana, pois nasce uníssono numa pulsão de vida orientada pelo outro. O amor genuíno é vida plena, sempre e talvez por isso ele não seja tão constante quanto gostaríamos em nossa oscilante existência.

Um comentário:

Raquel disse...

Lindo o texto! Tão verdadeiro. Mas é muito difícil uma pessoa com essa consciência, a maioria prefere viver nessa dependência, viver essa mentira.