domingo, outubro 28, 2007

O Passado

Ontem assisti no cinema "O Passado", dirigido por Hector Babenco e contando com a atuação do galã Gael Garcia, no personagem de Rimini. Não vou narrar a trama, só quero chamar a atenção para a imagem negativa do comportamento feminino em relacionamentos amorosos pintada no filme. Todas as mulheres têm um comportamento emocional exagerado, uma compulsão que beira à loucura, e o ápice desse delírio é magistralmente encarnado pela personagem Sofia que, após se separar aparentemente de modo amigável de Rimini, passa a perseguí-lo, por anos, em busca do amor perdido; mesmo uma "separação pode fazer parte de uma história de amor", diz ela na sessão inaugural de um clube criado por ela para mulheres abandonadas compartilharem suas diferentes obsessões pela volta do marido/amor perdido. Vera, uma outra namorada de Rimini, é obcecada pelos seus ciúmes e chega a ter uma ataque completamente desmedido quando o vê dando pouca atenção ao que ela falava para brincar ternamente com uma menina de 6 ou 7 anos. Depois que ele agradece um biscoito que a menina lhe traz, brincando um pouco com ela, Vera explode, "E agora, vai querer chupar a xoxota dela também?". A mulher mais "normal" do filme é uma ricaça que tem fetiche por instrutores de academia, mantendo com eles intercursos sexuais. Mas ela racionaliza seu comportamento, não se apega aos rapazes e, assim, podemos vê-la como uma mulher com uma luz de razão no meio de outras que só agem segundo seus furores emocionais. É verdade que qualquer mulher tem razão suficiente para sair revoltada da sessão. Mas a imagem do comportamento masculino também não é muito melhor. Rimini é um puto, um canalha, quase trai a esposa na frente do próprio filho, ainda bebê, num motel de quinta categoria. Mas Rimini é sobretudo um fraco, incapaz de falar sobre seus sentimentos, se percebe que o relacionamento está acabando, já procura outra mulher, não consegue ficar sozinho e quando é abandonado pela segunda esposa e se vê desamparado, só e impossibilitado juridicamente de ver o filho, sucumbe na mais absoluta e abjeta depressão. A fraqueza de Rimini fica ainda mais evidenciada no alívio constante que ele procura encontrar com o uso da coca.

Assim, se o filme tem alguma tese sobre a diferença de comportamento entre os gêneros nos relacionamentos, ela é a de que as mulheres são obsessivas, capazes de cometer as maiores loucuras para reaver o amor perdido, remoendo um passado que assim se estende pelo presente, e os homens são emocionalmente fracos, não se aguentam sozinhos, verdadeiros bundões. É claro que as duas imagens são, genericamente falando, falsas. Nem todas as mulheres são obsessivas, assim como nem todo homem é fraco. Na verdade, pode muito bem ser o caso que mulheres nem sejam mais obsessivas que os homens ou, mesmo que sejam, é apenas um traço estimulado pela nossa cultura. Não sei, pouco importa. Importa mesmo é o efeito catártico que essas duas imagens provocam na platéia, na angústia gerada pela visão da situação ao mesmo tempo humilhante e patética a que uma pessoa pode chegar, seja ela homem ou mulher, por causa de uma obsessão sem limites. De maneira semelhante, a fraqueza de alguém que não se aguenta sozinho nos remete à importância do constante encontro consigo mesmo, da necessidade de aprender a sofrer a própria dor sem muletas.

Bolo de Mel


A receita me foi passada maternalmente, é a primeira não-de-caixinha que tento fazer e deu certo. Pudera também, mais simples impossível ;)

2 xícaras de trigo
1 xícara de açúcar mascavo
1 xícara de aveia
1 xícara de mel
1 xícara de água quente
1 ovo
1 colher (sopa) de fermento em pó.

Coloque em uma tigela o trigo, a aveia, o açúcar e o fermento. Despeje o mel e mexa. Despeje a água quente e mexa. Por último, coloque o ovo e mexa bem até ficar uma massa homogênea. Fica a critério adicionar nozes, castanhas etc. Optei pelas nozes e ficou muito bom.

domingo, outubro 21, 2007

Estar com

Abraço de irmão, abraço de irmã, abraço de mãe, todos em ciranda sorrindo, expelindo as saudades, meu olho em cada um deles, tudo abarcando, nada abarcando, só sentindo, mergulhado na emoção, até as fagulhas que antes incendiam, agora me são brisas, eu sei, eles sabem, mesmo sem saber, que o que mais importa é o simples, o mundano, o irreflexivo estar com.

domingo, outubro 14, 2007

A Concepção

Foi , mas vai aqui também:




A Concepção (2006), dirigido por José Eduardo Belmonte, narra a história de um grupo de jovens que, cansados de seus seres e de suas existências entediantes e repetitivas, funda um movimento chamando "concepcionista". O bordão do movimento é ser uma nova fraude a cada dia, inventar e viver uma nova personalidade que não dure mais que 24 horas. A chave para por em prática esse projeto é o hedonismo exagerado. Submergir em prazeres efêmeros, intensos e fugazes, valendo-se de drogas inclusive para ajudar a eliminar a prisão maior do ser: a memória. "Devemos eliminar a memória", diz um concepcionista. A busca incessante pelas múltiplas personalidades resulta da constatação de que "as pessoas estão doentes de si mesmas", há, em todo ser humano, uma angústia por estar preso ao seu ser. O personagem X (Matheus Nachtergaele), que serve de guru ao grupo de jovens e cuja identidade é desconhecida, lança a reflexão inaugural do movimento: "ser sempre o mesmo é como morrer aos poucos. Para viver, é preciso se libertar". O ego deve morrer em prol do prazer, da liberdade de si.

A execução do projeto concepcionista coloca uma dificuldade imediata de ordem prática: como garantir a subsistência se a cada dia você é uma personalidade diferente e não mantém qualquer consistência nas relações e nem persistência no trabalho? Problema que é resolvido com o conhecimento períto de X na falsificação de documentos e cartões de crédito. Assim o grupo pôde cair em orgias, consumir drogas, desligar-se do mundo, viver fantasias, fingir profissões sem se preocupar com o pão de amanhã.

O filme termina com um choque de realidade, quando a polícia faz uma batida no apartamento do grupo para apurar uma denúncia de tráfico de drogas. Os membros principais escapam a tempo, se separam e tentam ainda manter suas vidas concepcionistas, agora em situações mais precárias, sem a ajuda estelionatária do personagem X. Não há uma conclusão definitiva sobre o modo de vida concepcionista, o diretor parece mesmo oscilar no seu próprio julgamento. Os jovens peristem, apesar dos riscos e dificuldades, mesmo quando a prisão se apresenta como provável.

Em consonância com o mote da "morte ao ego", o filme explora o nú masculino o tempo inteiro. O pênis está sempre visível, solto e balouçante nas cenas de orgia, sobrepondo-se ao corpo feminino, que, embora apareça, não recebe grande destaque. Parece uma clara tentativa de chocar os padrões sociais que execram o nú masculino nas telas de cinema.

"A Concepção" deixa alguma reflexão interessante? O movimento tem um apelo fraco, afinal sua execução passa pela bandidagem, pela falsificação de documentos, riscos que poucas pessoas estarão dispostas a correr para "libertar" o seu eu. Há um certo irrealismo psicológico também na própria concepção do concepcionismo. A não ser que você elimine por completo a sua memória, jamais vai conseguir viver a farsa de dentro, como indistinta de si, ela sempre lhe será fingida, o que denuncia a percepção de um Eu constante, que não se altera, ou pelo menos que não se desintegra na velocidade diária requerida pelo concepcionista. O método hedônico de eliminar a memória, consumindo drogas compulsivamente, tem o efeito de deixar a pessoa tão desligada da realidade e tapada socialmente que é de se questionar se ainda faz sentido dizer que ela vive alguma personalidade de alguma maneira. Os próprios concepcionistas do filme não atingem esse grau absoluto de eliminação da memória. Isso fica vizível quando Liz, que fora para São Paulo passar um tempo aplicando suas farsas, resolve voltar à Brasília para se juntar novamente aos seus amigos concepcionistas, sentindo saudades de suas bagunças. Ora, saudades é algo que não cabe a um ser sem memória.

A despeito das falhas de argumento, "A Concepção" tem ao menos o mérito de colocar em destaque uma questão existencial que qualquer ser humano já deparou ou irá deparar um dia: a angústia e o desespero de ser quem é. Difícil imaginar uma pessoa que, em algum momento da sua vida, não tenha sentido um desespero enorme por se sentir preso à pessoa que é, às expectativas que são criadas em seu entorno, à impossibilidade de se mover em alternativas de vida. Esse tipo de angústia já havia sido identificado e explorado por Kierkegaard em "O Desespero Humano". No entanto, lá ele aponta a oscilação constante do Eu na sua relação consigo mesmo entre dois desesperos antagônicos, o primeiro é aquele já discutido e o segundo é justamente o seu oposto: a angústia de não ser quem é, o desespero em se ver forçado a se refugiar de si mesmo. Exemplo desse segundo tipo de desespero obtive pelo efeito catártico do próprio filme. Ao ver cenas de hedonismo exagerado e a tentativa de eliminar a memória, senti quase angustiado a necessidade de ser quem sou, de não perder as minhas memórias, de ser capaz de sentir saudades das pessoas que me foram caras, de não me afastar de mim mesmo num frenesi hedônico que não costure nenhum rumo a minha existência. Esse segundo tipo de desespero, tão comum quanto o primeiro, não é mencionado no filme, o que é até de se esperar, posto que ele enfraquece a tese concepcionista, ao nos fazer constatar que as pessoas não estão assim tão "doentes de si mesmas". Há sim uma oscilação existencial, em virtude das várias situações que vivemos, positivas e negativas, entre querer ser desesperadamente quem é e querer ser desesperadamente outro. Por fim, a própria solução hedônica para o primeiro tipo de angústia e desespero não parece de fato uma solução, mas uma fuga. Esquecer-se de si pela perda de memória e submergir no prazer fugaz e efêmero tem mais a cara de um encobrimento do problema que uma solução para ele. Põe-se o eu para dormir, assim a angústia não é vivenciada. Mas pode-se questionar se um efrentamento consciente do desespero não poderia resultar numa transformação positiva de si mesmo.

terça-feira, outubro 09, 2007

Sunga

Então que eu preciso comprar umas...chego na loja e a vendedora me pergunta o que eu quero e eu digo, você tem...não sai, travado, mudo. A vendedora com aquela cara de "não estou entendendo". Eu as vejo logo adiante e aponto. "Ah, cuecas, qual tamanho?". Gente, não dá para falar essa palavra em público sem pudor. Eu não consigo. Ela é suja, é feia, simplesmente deselegante. Nunca notaram o óbvio? CU - ECA. Ficou mais claro assim com essa divisão silábica? Ainda não? ECA - CU, perceberam? Então que eu sempre me refiro a essa vestimenta íntima por "sunga", mesmo sabendo que sungas são aquelas coisas que usamos na praia.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Irrealidade

Quando o sonho é assim suave e delicado, sedutor e envolvente, próximo do idealizado, leva um bom tempo para perceber a chuva ácida que cai sobre o corpo, criando bolhas na pele, feridas que ardem. O sonho é tão desejado que ficamos surdos para o coro de vozes que denunciam a sua irrealidade. No mundo ideal, a nossa capacidade de sonhar não é tão ilimitada.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Onírico

Sonhei que tinha um blog perdido, não mais visitado, atualizado e cujo endereço eu havia me esquecido. Eu o havia criado logo quando cheguei em Curitiba, mas depois fui escrevendo mais em outros e o deixei de lado, até esquecê-lo por completo. O pior de tudo foi, depois de acordar, continuar com a forte impressão de que ele realmente existiu. Já tentei olhar em várias contas minhas e nada, nenhum rastro, nenhuma pista ou sinal, o que evidencia o meu engano. Mas a impressão forte, vívida, imponente, não se desfaz. É como se eu realmente me lembrasse dele. E agora eu não sei se estou realmente me lembrando ou se um sonho entrou no canal errado e se solidificou na minha mente em forma de lembrança. Para avacalhar geral, no sonho, me lembrei que havia escrito coisas importantes nesse blog, mas ao acordar, só a parte de que eram importantes ainda estavam na memória, o conteúdo dos escritos não veio para a vigília comigo. Agora estou aqui completamente tomado pela curiosidade de saber o que eu supostamente um dia escrevi...É a idade.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Se ao menos...

Bilhete confessionário achado na rua:


Se ao menos eu pudesse distinguir a compaixão da paixão em teus olhos, eu teria um guia de ação. Mas até o seu abraço é nevoeiro, não deixa pistas no seu aperto incógnito. Invisto desarmado, quase nú no sentimento, ainda que mudo, e você se defende terna, porém distante, sem nunca ousar tatear a minha face. E, no entanto, você me procura. Doces olhos teus que pousavam em mim entre uma colherada e outra, eram de ternura ou admiração? Espero com a paciência de um Buda ou lanço-me na loucura de dizer o que com muito esforço tenho mantido calado no meu corpo? Não queria assustá-la, de modo algum, mas também não sei por quanto tempo conseguirei me domar.