fragmentos de um boêmio.
Hoje estou com criatividade etílica, com desejo de destilar verdades, torcer o pano para que até a sua última gota verídica se extraia. O bêbado não tem medo de nada. Mas o que é isso? Quem aqui está bêbado? Até parece que dois ou três copinhos de cerveja me alterariam em alguma coisa. Fossem outros os tempos, só a vodka me derrubaria, hoje talvez esses copinhos me entortem. A verdade, a verdade, vamos lá, ela quer sair, quero vomitá-la, afastem-se os mais enjoados, pois o seu cheiro é pútrido. Ontem comi carne de jacaré, então esperem o pior.
O bom dessa cidade é que até os bêbados míopes não têm dificuldade em perceber a mulher comprometida. Basta focar o anular brilhoso e grosseiro, mesmo a uma distância considerável, ele salta às vistas. Mas ela ainda assim correspondeu aos meus olhares impertinentes!
Três casais, seis estudantes, seis imbecis. O estudante sempre me pareceu um ser assim muito idiota, muito senhor de si, cheio de confiança cega, dessas que se vê mesmo nos incapazes. Vale dizer que sou um estudante também.
Fui ao banheiro e em três minutos vomitei toda a filosofia que aprendi em 10 anos. Que alívio!
Arregalei os olhos e concertei os óculos na cara. Morenaça peituda, rabuda e carnuda, jogando sinuca, oh, como isso é fálico. Enquanto o seu parceiro faz o vai-vem com o taco, pensa em penetrá-la; vejam que patético o seu estrabismo forçado, um olho na bola e outro nos seios, chega a babar. Eu não faria/seria diferente.
Agora já não são mais apenas uns copinhos, mas vários, já o perceberam, é claro.
O meu pendor para mentir é tão intenso quanto a minha disposição para a verdade. É isso, o bêbado deixa fluir a sua propensão natural para a contradição.
Estou aqui como se assistisse a um filme. Os indies chegaram, Scorpions de fundo, eu tinha treze anos quando conheci essa banda, mas são uns merdinhas esses indies. Perdem tempo demais pensando no visual e nunca pensam nada, é o que eu acho. O indie gay não pára de me olhar. É nessas horas que sinto toda a ironia divina: por que não causo nas mulheres o mesmo efeito magnético que causo nessas bichas?
O bêbado sempre fala como se fosse genial a mais banal das idéias. Nisso ele não se distingue do filósofo, só que este faz ainda pior, fala com sobriedade e ar de gravidade. Oh céus, tive loucos como tutores! E agora, falo como bêbado ou como filósofo? Que dilema! Ah não, já a vomitei, é verdade, tinha me esquecido.
Cara legal aqui é o Jeferson, acho que é esse o nome dele, se não ouvi errado quando o carinha da sinuca o cumprimentou. Está sempre na dele, em paz, às vezes parece imerso em densos pensamentos, depois dá uma olhadinha para ver se alguém está querendo alguma coisa. A seleção musical é dele, perguntei depois. Dá para vir aqui só para ficar numa boa escutando música. Quinta-feira é dia de poesia, quem quiser pode pegar o microfone e despejar a sua prole verbal. O Jeferson foi lá duas vezes. Não lembro mais o que ele recitou, mas tinha algo de homem nu, homem só, sei que gostei.
Sempre achei a existência inteligente uma coisa tosca. O inteligente vê longe, tem olhos de águia, mas suas pernas são curtas, de anão. Anda, anda, anda, corre esbaforido e nunca chega lá. De tempos em tempos é abatido pela consciência dessa sua infeliz situação. Aí ele pára, senta, descansa um pouco e depois entediado volta a correr, que nem um pateta. E convenhamos, é patético ver um anão correr para um destino que suas diminutas pernas não podem alcançar. O gênio é um gigante cujas passadas atravessam oceanos, simples assim. Já o homem da massa, para não usar um desses adjetivos vulgares, nasceu cego e feliz está com a sua cegueira inconsciente. O gênio e o cego, por motivos bem diversos, compartilham, no entanto, a mesma confiança. Já o inteligente é essa coisa dúbia e titubeante que vemos aí. Não sabe se corre, se fica parado, enfim, é tosco.
Que pouca vergonha, vejam só, o carinha abraçando a namorada todo apaixonado e ela tá olhando para onde? Adivinhem? Não, não é para mim. Para a televisão! Piorou, olha só, ela tá fazendo careta. Xi! Feliz ele que vive transbordado de ignorância.
Chega, chega, mais uns copinhos e decaio ainda mais.
quinta-feira, fevereiro 14, 2008
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Um comentário:
Adorei o texto, ótimo! Me senti no bar vendo a cena. Tem cada cena em bar que, às vezes, é melhor fingir que não viu. =*
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