terça-feira, fevereiro 12, 2008

Limites

Tudo tem limite. E mesmo amizades fortíssimas podem ser rompidas se certos limites forem ultrapassados. Cada pessoa tem lá os seus limites, alguns aleatórios, emocionalmente reativos, outros elaborados, racionalmente justificados, mas, enfim, cada um sabe muito bem a linha para além da qual o retorno fica bloqueado ou pelo menos dificultado, engasgado. O meu limite mais severo, o qual levo a ferro e fogo, é o respeito à minha individualidade e à minha representatividade. Falo em termos mais claros: a não ser que eu tenha lhe dito explicitamente que pode falar em meu nome em determinada questão, digo, em qualquer questão, não o faça, jamais, pois o perdão aqui talvez não seja dado, conforme a intensidade com que me sentir invadido ou desrespeitado. Entendeu? Acho que não, essa idéia geral pode ser instanciada de múltiplas maneira e talvez alguns exemplos sejam elucidativos. Eu convido, você, meu amigo, a vir em minha casa e você, talvez cheio de boas intenções e motivado pela intimidade, convida um outro amigo para vir também, que talvez até seja alguém que eu goste, amigo meu também. Ainda assim, não tem perdão, você deveria ter me consultado antes, ligado, mesmo que pouco antes, para saber se estava tudo bem; não lhe dei o poder de decidir quem eu quero ou não em minha casa. Evidentemente, há ocasiões de exceção, conto com o bom senso dos amigos para percebê-las e não generalizá-las. Mais um exemplo. Eu te empresto um livro. Você leva o livro, o lê, ele fica lá na sua casa, já que não nos encontramos, até que, num belo dia, um amigo teu aparece lá, vê o livro, se interessa e você o empresta numa boa. Poxa, assim tá pedindo a minha desamizade. O maior problema aqui é que as pessoas tendem a pensar que a confiança é uma relação transitiva, que se eu confio em A e A confia em B, então eu confio em B, mas isso é um absurdo! A confiança depende exclusivamente do conhecimento direto que você tem da pessoa, é algo delicado, não dá para transferir assim. Se te emprestei um livro, confiei no cuidado que você iria ter com ele, mas não, jamais no suposto cuidado de terceiros, mesmo que você confie nesses terceiros. E outra, se empresto um livro, empresto com uma finalidade bem específica, para que você o leia. Não lhe dei poder total sobre o livro. Da mesma forma, quando você aluga uma casa, não pode fazer com ela o que lhe aprouver, não pode, por exemplo, vendê-la. Se quer emprestar um livro que te emprestei, por favor, pergunte-me antes, a não ser que não julgue a nossa amizade importante. Pois eu garanto, ela estará sob um fio.

Não sei bem de onde veio esse meu limite, nem importa tanto saber, talvez, em parte, ele tomou forma com as minhas leituras anarco-liberais, lá na juventude, ainda meio adolescente, quando tomei consciência de que ninguém jamais estaria em melhores condições do que eu para decidir o que é melhor para mim, estando eu em pleno gozo das minhas capacidades intelectuais, também quando tomei consciência de que as decisões pessoais são atos particularíssimos, e intransferíveis; ou talvez, em parte, esse limite tenha muito a ver, pelo menos emocionalmente, com a minha natureza introspectiva, que faz de mim uma pessoa mais ciosa de si e reativa a intervenções alheias e não autorizadas ou mesmo apenas inesperadas. Como disse, isso pouco importa, apenas se lembre, você, meu amigo ou amiga: não use o meu nome em vão, não interceda por mim, nem com a melhor das intenções; se deseja muito fazê-lo, comunique-me antes.

Se eu lhe dei intimidade, isso não significa que agora você sabe o que eu quero. Só eu sei, às vezes, nem isso!

2 comentários:

Caminhante disse...

Também achei todas as coisas que você relatou imperdoáveis. Casa, livros e nomes são coisas sagradas. Por isso que quase ninguém vem na minha e eu nem empresto livros. Já vou dizendo - não vou te emprestar porque eu sei que vou acabar brigando com você, porque eu sou muito chata com meus livros!

Raquel disse...

Não acho nada absurdo o que você falou. E sabe outra que me irrita muito, perde muito ponto comigo? Você ter um problema comigo e ir falar com outro. Aí o outro chega pra você e vem dizer que fulano está chateado com não sei o quê. Poxa, seja gente, seja forte, venha até mim e fale o que te chateou. Tô dizendo isso porque acaba de acontecer comigo. "Disse me disse" é terrível.