Desde que cheguei nessa cidade meu hábito de cortar o cabelo ficou embotado. Aqui na minha quadra, há três salões, um deles supostamente unissex, pelo menos tem uma placa lá que o intitula assim. Por uma questão de comodidade, passei a freqüentá-lo, porém apenas de quatro em quatro meses. Nada contra o corte, que é bem feito até. O que me desmotiva a ir lá é o seu público majoritariamente feminino. Do sexo masculino, além de mim, só vi lá uma vez um menininho de uns 6 anos. Antes mesmo de chegar na porta fico envergonhado, a cara se avermelha ainda mais quando entro e todas aquelas mulheres me encaram interrogativas, como se eu fosse um criminoso por estar ali. "O que você deseja?". Fazer a unha do pé é que não, né minha cara?
Então que essa semana eu precisava cortar o cabelo, com esse calor, não o suporto muito grande. Acordei bem cedo para ver se encontrava o salão ainda vazio, só que exagerei na antecipação, estava fechado. Resolvi dar uma volta no quarteirão, passei ali no Mercado Municipal e lá dentro deparei com uma barbearia. Opa, vamos tentar, logo pensei. Entrei e sentei na poltrona de espera. Um sujeito nos seus 40 anos estava já na cadeira sendo servido pelos cortes do babeiro e um velhinho esperava também a vez. Ambiente silencioso, sem tagarelice e ao meu lado a gazeta do povo que, se não é um bom jornal, pelo menos é um jornal, pois lá no salão tinha só Caras, Gente e sei lá mais o que fofoqueiro que não me dizem respeito.
As conversas não foram ininterruptas, ao contrário, eram agradavelmente permeadas por silêncio, falou-se do caso da Colômbia, do governo, de carros e um pouco de futebol também, é claro, difícil faltar, o velhinho, quando me viu lendo a seção de economia, chegou mais perto para perguntar o preço da soja e me falou um pouco sobre o mercado da commoditie, mas sabe, tudo assim bem leve, agradável, pausado, nada histérico, nada muito pessoal, como aconteceu uma vez lá no salão, chegou-me uma patricinha, não, não sou eu que estou lhe dando esse rótulo, ela mesma se descreveu assim, estava cheia de trejeitos, chamando a atenção, e logo se pôs a narrar em alto bom tom e com detalhes sórdidos a briga que teve com a sua mãe na noite anterior; eu quase desesperado olhava para as outras mulheres esperando alguma cara de indignação ou mesmo de enfado, mas todas estavam muito bem sintonizadas e interessadas no relato, como se a novela da noite anterior continuasse ali. Nesse dia eu até queria um corte mais curto, mas quando a cabeleireira me perguntou pela primeira vez se estava bom, não pensei duas vezes, já fui me levantando, falando que estava ótimo e fugi dali o mais rápido possível.
Enfim, pela metade do preço tive um corte tão bom quanto o do salão e a minha espera foi adornada pela mais perfeita paz. Saí dali convicto de que lugar de homem é na barbearia.
quinta-feira, março 06, 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Já detestei mais os salões, hoje em dia tenho uma curiosidade antropológica que me faz achar quase tudo muito interessante. Ainda assim, sou do tipo que só vai em um salão a cada 3 ou 4 meses.
Quanto a questão da culpa, acho que quem perderia o interesse seria ela.
Até eu fiquei com vontade de ir lá. A barbearia é unissex? ;)
Postar um comentário