domingo, fevereiro 17, 2008

Vozes


Acho que preciso de uma mudança literária, ao menos temporariamente. Sinto-me como uma tábula rasa tomando a forma dos personagens que vou encontrando na leitura. E não dá para fazer isso de uma maneira salutar, pelo menos não prolongadamente, com os personagens do Dostoievski. Acho que se lesse agora Crime e Castigo é bem capaz que ficasse tentado a matar alguém. O pior de tudo é que deve ter quem leia essas palavras e as tome ao pé da letra. Isso me põe a pensar. Eu não tenho pretensões literárias, mas será que isso me impede de escrever vozes que nem sempre são minhas? Quando for o caso, devo deixar isso explícito? Hoje fui até a minha estante, peguei o "How to do things with words" do Austin, dei uma folheada, abri, quase sem querer, na página em que ele discorria sobre as várias coisas que se faz implicitamente com as palavras ao usá-las e fiquei pensando nas implicações morais das palavrinhas que solto aqui e tudo ficou meio pesado, turvo. No meio do que eu digo há coisas em que acredito, outras não, e há variações de intensidade também, e há ainda mudanças de opinião, quem é que não muda? Senti uma certa opressão moral ao pensar que não poderia infiltrar outras vozes sem destacá-las explicitamente da minha própria. Por que não posso colocar aqui, sem causar espanto, um bêbado lançando arroubos que ora são meus e ora não são? Olho para todas essas palavras e começo a ver nelas armas letais, mortais. Talvez alguém já esteja se perguntando com quem me preocupo ou a quem desejo me justificar, mas não há, nem houve alguém que tenha se levantado contra o meu bêbado. Mas essas idéias e questões começaram a fervilhar na minha cabeça quando pensei que alguém pudesse vir aqui para me encontrar, mesmo alguém que me desconhecesse por completo, mesmo um anônimo. Vai encontrar muito de mim sim, acho que tudo aqui, de certa forma, começa comigo, mas nem tudo termina comigo. Para falar a verdade, desconfio que sempre que tento me descrever, acabo me desfigurando. Pensando bem, deve haver um quê de vaidade nessa preocupação, afinal, por que diabos iria me preocupar se me vêm desfocado ou não? Azar de quem me vê. Aliás, não pedi para que ficassem me olhando, nem gosto mesmo que me encarem assim muito de perto. Eu tenho mais é de continuar me divertindo aqui, verdadeira e mentirosamente, se é o cético, o relativista, o romântico ou o imoralista quem toma a vez, pouco importa, são todos amigos meus, amigos íntimos. Ainda que eu não seja nenhum deles por completo, todos me habitam.

3 comentários:

Unknown disse...

Eu acho que os blogs são todos meio mentirosos mesmo, assim como perfis de orkut. Vejo que quem me conhece por esses meios tem uma imagem bem diferente dos amigos que me conhecem pessoalmente. E nem sei se dá pra dizer que o que somos pessoalmente é assim tão verdadeiro.. mas aí já é papo pra uma outra discussão!

Eros disse...

Geralmente a gente não consegue ser verdadeiro nem para nós mesmos, não o tempo inteiro...

Raquel disse...

Ai, somos todos assim, múltiplas personalidades, mas não quer dizer que somos falsos, apenas respondemos de acordo com as emoções do momento, não é mesmo?
beijo