"De alegre já basta a vida", disse o professor amigo, em defesa da sua apreciação estética de ambientes sombrios, vitorianos. Eu vou mais longe: que pena que até a vida seja alegre ou tenha de nos aparecer sempre alegre! Não há nada mais sofrido e entristecedor que a pressão por parecer alegre. Sabe-se que ela é mais cultural que humana. Argentinos, ao contrário de nós, cultivam a experiência dramática da dor, do sofrimento. Cultivam, na verdade, a não-distância entre o que se sente e o que se manifesta. Já nós na altura dos trópicos temos maior apetite pela esquizofrenia, sentimos a obrigação moral de mostrar os dentes mesmo quando há dor, ou quando a dor é suficientemente insuporável para permitir o sorriso, sentimos a obrigação de nos esconder, de não mostrar a cara à vida, poupando, assim, os nossos pares desta visão maledicente. E muitas vezes pode não ter nada mais doloroso do que ter de esconder a própria dor ou fingir que não a sente. Sem contar o roubo de significado que esta pressão realiza sobre a vida. A dor é tão signficativa quanto a alegria e o prazer. Absorver este significado demanda, no entanto, encarar a dor de frente, sem máscaras, senti-la de cabo a rabo. Mas não, a todo instante somos moralmente convidados a se esquivar de nossas próprias vidas, a deixar-lhe passar longe todo o sentido. E, assim, a sociedade que mais transparece felicidade é certamente a sociedade em que as pessoas tem menos chances de perceber os sentidos para as suas vidas, o que é paradoxal, uma vez que ser feliz, agora numa acepção bem geral e não atrelada meramente ao prazer, é um dos principais sentidos da vida. Então quanto mais você se esforça para transparecer feliz mais distante está de ser efetivamente feliz.
2 comentários:
"quanto mais você se esforça para transparecer feliz mais distante está de ser efetivamente feliz."
concordo em gênero, número e grau. quis dizer isso aquele dia, mas não encontrei as palavras. eis porque também odeio otimistas e auto-ajuda forçados, pra mim eles ilustram essa última frase.
Eu acho que além da pressão, existe uma incapacidade. Pessoas que deveriam parar, se dar um tempo, e se obrigam a seguir em frente, a ser forçarem alegres. Parar pra sentir a dor faz bem.
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