quarta-feira, abril 23, 2008

Ela, o vermelho e a confissão.

Ela chegou de mansinho, com dúvidas, reticente, como era de se esperar com a dor tão recente. Se eu confessar a ela, não vai acreditar, mas a verdade é essa: quando seus olhos pequenos e doces me encontraram pela primeira vez, tremi todo; o vermelho dos seus cabelos dilatou agradavelmente a minha atenção. Eu estava com o meu livro azul do Nietzsche nas mãos, abaixei a cabeça e fingi que lia compenetrado um último pensamento, enquanto ela se aproximava; estava nervoso, não conseguia ter nenhuma idéia para a primeira fala, embora milhares de pensamentos passassem cortantes pela minha mente. Eu com essa minha mania de me achegar nas pessoas pelas suas palavras, já tinha apreciado as dela, estive com seus pensamentos sem estar com ela e agora ela me aparecia bem diante de mim, provocando-me a tremura de um admirador. Segurei firme o meu livro, esperado dele talvez algum apoio, e senti aumentar a cada passo que ela dava, na boca do estômago, o receio da rejeição. Foi ela quem perguntou do livro azul. Eu lhe respondi gestualmente, mostrando a capa. Não fez nem que sim, nem que não, eu desconhecia, então, o seu desgosto pelo autor. Arrogância desmedida, confessou-me depois. Concordo, ainda assim aprecio a sua iluminação, nada que umas boas reprimendas e correções não resolvam. E que importa isso agora na minha lembrança? Nada. Enrolo para postergar a confissão do meu desejo súbito, ao sentir irrefutável a sua presença, de enfiar-me na mochila junto com o livro ou de sair correndo dali desesperado. Esconda-se, esconda-se rapaz..., agora é tarde, ela está ao lado te olhando e espera alguma reação. Nessa idade e com essa vergonha. Que vergonha! O calor era imenso e ela deu a agradável sugestão de caminharmos pela rua. Eu suava muito, calorento que sou, e ainda mais pelo nervosismo. E a consciência desse fato só me fazia suar ainda mais. Lastimável. Queria sumir, definitivamente. Mas aceitei a sua sugestão, controlando as minhas pernas fugidias, e assim fomos peripatéticos. Feitos baratas tontas, cruzamos as mesmas quadras e ruas dezenas de vezes. A tontura, eu assumo, era toda minha. Quase tive uma síncope na primeira curva quando ela soltou: "acho que a conversa ainda não engatou". O sinal da rejeição apitou forte, respirei fundo e chamei em meu socorro a tranqüilidade do introverso, só ela poderia salvar-me do pânico do tímido. E ela veio. Mais alguns passos e pude voltar a respirar normalmente. Conversamos bem, muito bem mesmo e fiquei ainda mais admirado do que já estava. Não vivo só de pensamentos e também gosto de ver as pessoas no mundo. Adorei vê-la assim. Adoro vê-la assim.

Sei que nesse primeiro encontro não causei nela o mesmo impacto que ela me causou. Só no segundo, talvez. Paciência. Culpa minha de ter falado menos para observar mais? Não sei. Quando nos despedimos, ela me deu um abraço e um sorriso, guardei-os comigo a noite toda; na verdade, até hoje os tenho bem vivos e coloridos. Fui embora para casa sonhando alto, só fui dormir quando a madrugada perdia a sua mocidade.

3 comentários:

Caminhante disse...

Menino, isso foi tããããããããão lindo. Pode ter certeza de que ela vai se derreter inteira quando ler isso. Eu, que não tenho nada a ver com a história, fiquei sem ar!

Marcely Costa disse...

é, ela deve estar mesmo derretida e impactada, concordo com a caminhante. tão, tãooo bonito o texto.

(engraçado que, eu que sempre sou tão autobiográfica, pela primeira vez me senti dentro de um livro, de uma história. além de tudo, tudo o que podia sentir e senti: a sensação perfeita de estar dentro de uma história. A vida é perfeita nas histórias.)

Eros disse...

Marcely,

Em um tom otimista eu diria que a perfeição da história reflete a perfeição vivida e assim foi. Em um tom pessimista, poderíamos dizer que a perfeição da história, não desta, é claro, provém do distanciamento do vivido, ao lhe dar um excesso de colorido, ou ainda por lhe dar um sentido que somente à distância, abarcando todo o vivido, se pode perceber e dar.

Sou completamente otimista sobre essa história. :*