De uma forma ou de outra todos nós somos egoístas. Uma tentativa de separar egoístas de não-egoístas seria dizer que os primeiros agem tendo em vista apenas os seus desejos e vontades, enquanto os segundos levam em consideração também os desejos e vontades de terceiros. Mas não é difícil perceber que se alguém leva em consideração o desejo de um terceiro, então ela teve desejo ou vontade de fazê-lo e, assim, ela é tão egoísta quanto os primeiros ali, conceitualmente não há diferença. Não vislumbro fuga possível da caverninha subjetiva. No máximo, concedo como altruístas atitudes irrefletidas e instintivas selecionados pela natureza para a proliferação e perpetuação da espécie, como a atitude de um pai ou mãe que se lança à morte para salvar a prole de um perigo ou ameaça iminente. E só, nada mais.
Embora sejamos todos essencialmente egoístas, há diversos sabores de egoísmo, conforme os desejos e as vontades eleitos como centrais em cada sujeito. Há aqueles que têm o desejo e a vontade de se sacrificar para atender os desejos e as vontades de terceiros. No fundo, é possível que estejam sendo movidos por algum medo, medo de magoar, de frustrar, de decepcionar. Então essas pessoas sacrificam muitos dos seus desejos para atender um desejo seu, o de não desapontar o outro. O outro nem precisa saber, e frequentemente não sabe, se essa pessoa atende as suas vontades por medo ou por querer, para ele, o efeito é o mesmo. E há aqueles que não se sentem muito inclinados para atender os desejos alheios a não ser quando assim estão com vontade, mas não por medo. Claro que entre um e outro há uma infinita gradação. Desconheço quem não tenha sentido medo de magoar alguma vez, que não tenha se sacrificado uma vez que fosse, da mesma maneira, mesmo os mais temerosos em magoar solapam em algum momento os seus medos para escutar outros desejos seus. E também é evidente que, em cada situação, cada qual ponderará a dimensão do seu sacrifício e a intensidade da mágoa alheia para a tomada de decisão. Não tudo é assim só branco ou preto, no meio há espaço para muita arte equilibrista.
Eu tenho como ideal o segundo sabor de egoísmo, embora esteja muito longe dele e me veja agindo por medo de magoar freqüentemente. Por que o prefiro? Por conta de outras crenças que eu tenho sobre autenticidade e sentido das minhas vivências. Quando alguém atende um desejo meu por medo, embora ela, de certa forma, não tenha se traído, pois atendeu o seu próprio medo, ela vive uma tensão, vive uma morte, a morte do desejo que ela teve de solapar para dar vida ao seu medo. Ela vive e morre ao mesmo tempo. E eu estaria vivendo uma ilusão, a ilusão de que a pessoa estaria, naquela minha vivência de prazer, pulsando, como eu, apenas vida. E nem eu, de fato, estaria pulsando vida completamente, quando muito, uma ilusória. Quando, ao contrário, os desejos e vontades de ambas as partes se conformam, a experiência de ambos é autêntica, genuína, repleta de vida, sem morte, sem cisão do ser, ambos estão plenos ali naquela vivência. Não tenho uma razão para lhes dar, mas essa é uma vivência que aos meus olhos está repleta de sentido.
Não espero dela certezas eternas, assim em um plano mais elevado do pensamento, embora em um momento ou outro, a insegurança emocional possa fazer esse clamor, mas isso é efêmero, não devo permitir que me domine. Como não desejar que ela dê vazão a toda a sua necessária solidão, que lhe é tão afeita e produtiva, que lhe rende o bem-estar de estar consigo mesma e as palavras de quem se entende ou busca se compreender? Como poderia gostar, ter por ela um sentimento e lhe desejar uma vida cindida, tensa e regida pelo medo? Não, não posso fazer isso sem deixar de ser fiel às minhas demandas mais profundas de sentido. Quando estivermos juntos será pela sinceridade das suas vontades, e das minhas, e isso é sublime, é vida pura, é belo. Eis um dos meus tons esperançosos diante da vida. Dela espero a mais admirável das sinceridades consigo mesma. E tentarei retribuir em igualdade. Tudo isso é muito ideal, é verdade, mas nossas ações são pautadas em ideais.
sexta-feira, março 21, 2008
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Um comentário:
Muito bem colocado. Realmente, ser ególatra é o desejo de quase todos nos embora não aceitemos.
Prof. Dr. Adroaldo.
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