Sempre digo que nunca me arrependo das minhas escolhas e decisões. A frase é um pouco exagerada. É raro realmente eu me arrepender, mas é possível. Quando? Nas situações em que pratico a burrice. E agora preciso lhes explicar o que entendo por tal coisa. Antes, a frase de efeito que gosto de propalar: a burrice sempre tem um preço, e é muito alto.
"burro", "burrice", "estultice" geralmente são palavras usadas em contextos em que queremos falar ou da falta de uma capacidade, ou da negligência de uma responsabilidade. Quando alguém diz "fulano é burro", e atenção aqui para o "é", está querendo dizer que falta a este sujeito alguma capacidade. Talvez ele não seja bom em uma matéria qualquer e alguém já lhe lança a ofensa, "seu burro". Penso que este não seja um bom uso da palavra, embora seja corriqueiro e eu esteja muito longe de querer legislar sobre a linguagem, o que realmente seria uma estultice. Contudo, imagine uma pessoa disléxica cuja capacidade de leitura é, então, deficitária. Embora alguns possam jocosamente se referir à leitura dessa pessoa como burra, há uma certa incongruência em fazê-lo. O disléxico não tem culpa pela sua deficiência. Ele simplesmente a tem. E "burro" é uma palavra de carga negativa, ela segrega, ela estigmatiza, ela contém um tom de reprovação moral. E não parece fazer muito sentido reprovar alguém por ter uma deficiência pela qual ela não é, nem foi responsável. Em todo caso, algumas capacidades podem ser adquiridas e mesmo desenvolvidas e, nesses casos, quando há uma falta e chamamos a pessoa de burra, não estamos tanto nos referindo a sua falta, mas a sua irresponsabilidade ou desleixo em não desenvolvê-la. Se eu digo que quero aprender a jogar bem xadrez, mas não treino muito e, a o me verem jogar mal, alguém diz "o cara ali está sendo burro", o que ele está dizendo é que estou sendo desleixado e negligente ao não tentar desenvolver a minha capacidade de jogar xadrez.
Então chegamos nessa segunda acepção da burrice, que não tem nada a ver com faltas cognitivas, mas sim com desleixo, negligência e irresponsabilidade. Este tipo de burrice está mais para um acontecimento, ela ocorre quando você sabe que seria melhor fazer X, mas acaba fazendo não-X. Daí até dizermos, nesses casos, que "fulano foi burro", não que ele seja. Por exemplo, fulano, universitário instruído, sabe tudo sobre a transmissão de DSTs, saí numa baladinha, conhece uma gostosinha, e acaba transando com ela sem camisinha, no furor lá do seu tesão. Ele sabe que não estava fazendo o melhor para si, mas fez mesmo assim. Foi burro. E a sua burrice pode vir a lhe custar muito cara, como disse. Ela sempre tem um preço elevado. Se vai ser cobrado ou não é, em parte, uma questão de sorte ou azar. Mas se for cobrado, não tem para onde chorar. Enfim, sempre que tenho um conhecimento e o negligencio nas minhas ações, fazendo o contrário do esperado, estou sendo burro e legitimo que outros apontam para mim e digam "ele foi burro!".
Este tipo de burrice não ocorre apenas quando você negligencia um conhecimento, ocorre também quando você ignora um valor que lhe é fundamental. O preço a pagar, nesse caso, será a auto-flagelação da sua própria consciência. Nada mais burro do que ser infiel a si mesmo e amargar depois a dor de enojar-se de si.
Assim todos os arrependimentos que tive em minha vida se resumem em todas as vezes em que fui burro, pois todas as minhas burrices me custaram muito e nem sempre pude contar com a sorte de uma dívida não cobrada. De outro modo, jamais me arrependo, mesmo que, mais tarde, adquirindo NOVAS informações e conhecimentos, eu perceba que decisões passadas não foram as melhores. Mas, se, no passado, foram as melhores, então não tenho porque me arrepender. Fiz o melhor de mim e, principalmente, fui fiel a mim mesmo. Jamais me arrependo por ser fiel a mim mesmo, ainda que mais tarde eu perceba, guiado por novos conhecimentos, que não tomei o melhor caminho. E julgar o meu eu passado pelo meu eu presente seria, aí sim, uma grande estultice, uma irresponsabilidade sem tamanha comigo mesmo e a minha auto-estima.
sexta-feira, março 28, 2008
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