Alfredo morreu. E você diz isso assim, a seco e sem a menor demonstração de dor ou pesar? Sim, e só me abalei até aqui para lhes contar, porque me lembro de pelo menos uma pessoa que tinha um certo apreço por ele e me senti na obrigação de informá-la. Nem adianta arregalar os olhos e me interpelar pelos pormenores. Sei sobre a causa da morte tanto quanto quem me trouxe a notícia: nada. E confesso não ter sentido a menor vontade de correr atrás do causo. Foi-se, é tudo o que me basta saber.
Hoje estou assim mesmo, recheado de plena indiferença. O que posso fazer se a minha sensação está aparedada por todos os lados? Deixem-na em paz, não me incomoda o seu jeito insonso. Não, não é que eu seja frio, vou até lhes confessar uma coisinha: há dias em que perco uma noite inteira me debulhando em lágrimas em razão de uma ofensa imaginada, irreal, diria até que impossível, mas só de pô-la a trabalhar na minha imaginação, pintando-a com traços bem fortes e marcantes, e eu me derreto todo. E não há enganação alguma, eu sei que tudo não passa de uma ilusão. Mesmo assim, as lágrimas escorrem. No entanto, vocês não sabem do pior. Escutem. Quando o meu primo suicida morreu, amigão do peito, parceiro diário, confidente, eu não soltei uma lágrima sequer, nenhuma mesmo, diria que nem meia. Vi seu corpo estendido no chão, ainda com a corda no pescoço, e passei a noite inteira com os olhos mais secos que os do próprio defunto. Nem me venham com a desculpa de que meus canais emotivos estavam tão obstruídos com o excesso de dor que não conseguiram se expressar. Nada disso, eles expressaram muito bem o que eu estava sentindo: nada. Lembro-me perfeitamente desse dia. Na verdade, eu só tive uma preocupação. Vendo todo aquele vai-vem de pessoas, cada uma chorando mais alto que a outra, temi que olhassem para mim e me acusassem de insensível e hipócrita, de ter fingindo até então uma amizade que não sentia na pele. Se tive alguma sensação, foi a de medo. Esgueirei-me na parede, no canto mais distante da confusão e ali fiquei parado como uma cobra a noite inteira, só pedindo cá comigo para que não me notassem. Sujo e egoísta, devem estar pensando, até eu pensei isso depois uma ou duas vezes, mas o que podia eu fazer se estava nesse mesmo estado em que me encontro hoje, vivenciando dentro de mim a mais absoluta indiferença?
Depois eu pensei que por uma questão de decoro, diria até que de estética também, a morte deveria se preocupar mais com a hora em que vem buscar as suas ovelhas. Ora essa, quem passou o vexame fui eu! O morto já estava morto, a morte só aparece para o morto e eu lá naquela situação. Aposto que não lhe custaria nada adivinhar-me assim insensível e esperar um pouco mais, por um momento mais propício, quando então a minha receptividade estivesse mais disposta. É, não lhe custaria.
terça-feira, fevereiro 19, 2008
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