Esta casa, onde já não tenho mais um quarto, sempre me assombrou pela sua fauna diversificada. Agora não, nas suas paredes velhas e descascadas, restam apenas as lagartixas, bem gordinhas, é verdade, pois no verão são abençoadas pelo excesso de pernilongos. Desde que fiquem ali na sala, não me incomodo. Não sei se iria querer dormir com uma no quarto onde 30 anos atrás fui feito. Não combina.
Nos meus primeiros anos de vida, a selvageria por aqui era mais intensa. Nos dias de chuva, bastava ir até a garagem para observar as rãs que buscavam refúgio no interior de casa, depois vinhamos com a vassoura devolvê-las à sarjeta. À noite, ao menos enquanto o terreno ao lado permaneceu baldio, era a vez dos ratos invadirem a cozinha em busca literalmente do queijo mineiro que aqui nunca faltou. Bem planejada para essa terra infernal, ela tem uma claraboia em uma de suas extremidades, permitindo uma agradável ventilação; em contrapartida, uma passagem desimpedida para os ratos da vizinhança. Lembro de armar as ratoeiras com a Dona Maria e lembro também de ver pela manhã bem cedo, com um certo nojo e terror, o rato ensangüentado, quase partido ao meio.
O banheiro que ficava imediatamente ao lado do quarto onde dormíamos eu e a minha irmã era literalmente sombrio. Suas pequenas basculantes eram insuficientes para que o sol lhe desse um tom agradável e aceitável. Mas o motivo principal para este cômodo até hoje me causar uma impressão desagradável, diria até um certo medo angustiado, é outro: foi lá que me deparei umas três ou quatro vezes com aranhas caranguejeiras. Numa destas, eu já estava sentado no vaso fazendo as minha necessidades, quando eu a vi saindo debaixo do cesto de roupas, enorme e imponente, dirigiu-se para a frente da porta, que estava fechada, e ali ficou, impedindo-me a retirada. Então com seis anos fui apresentado ao pânico. Ele foi-me tão monstruoso que já não lembro mais o que se sucedeu dali em diante. Gritei e muito.
Depois adolescente, morando em Minas, notei novidades quando certa vez vim passar aqui as minhas férias. A noite veio caindo e logo percebi uma movimentação para fechar as janelas. Bati de peito, isso não, com esse calor? Nem pensar! Logo me explicaram que, com a "urbanização" do lote vizinho baldio, a derrubada das mangueiras que ali habitavam e tornavam o meu dezembro suculento, os ratos evoluídos, vulgo morcegos, arranjaram novo pouso e morada no telhado de nossa casa. Nessas férias mesmo tive que lutar com um que se perdeu aqui dentro.
O episódio mais bizarro aconteceu ainda na infância. Estávamos todos na sala assistindo ao Fantástico, que, na década de 80, era certamente dirigido por um sádico, com seus fundos musicais assustadores e a voz grave do Cid Moreira pedindo aos pais que retirassem as crianças da sala em virtude das fortes cenas que viriam a seguir...eu e minha irmã ficávamos atrás da parede escutando os gritos e imaginando o terror. Se tivéssemos visto as cenas, possivelmente o medo seria menor. Mas como vinha dizendo, estávamos na sala, meu pai deitado no sofá e eu e minha irmã empoleirados nele. Foi quando eu apontei para o rodapé da parede e disse quase rindo com os meus inocentes sete anos, "Pai, olhe, é um cobra". Acostumado com a nossa fauna diversificada, ele retrucou sem olhar. "É só uma minhoca, filho". Eu já tinha visto minhocas e a achei muito grande para ser uma, resolvi insistir. "Não é não, é um cobra e ela está indo para o meu quarto!". Meu pai olhou então, e só me lembro dos seus olhos ficando esbugalhados de terror ao notar viva e colorida a jararaca venenosa se rastejando pela sala. Depois disso foi um deus nos acuda, eu, minha irmã, minha mãe pulando para cima do sofá e o meu pai e a Dona Maria correndo atrás da cobra com vassouras. Lá se foram mais quinze minutos de pânico até darem um fim à pobre coitada que provavelmente havia se perdido do leito do Rio das Graças.
terça-feira, janeiro 15, 2008
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2 comentários:
*MEDO*
Uma vez eles mandaram tirar as crianças da sala e eu não saí. Era um documentário sobre a KKK e eu vi a foto de um sujeito enforcado. Até hoje eu saio da sala com as cenas fortes!
Hahahaha! Meu Deus, parece um filme de terror! Acho que eu, que nunca desmaiei na vida, se fosse da sua família já teria tido vários desmaios! Socorrooooooo!!!
(comentário de menina criada na cidade, hahaha)
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