quinta-feira, setembro 16, 2010

Do Aluno

Supostamente é um espécime ávido por saber ou, se não tanto, pelo menos comprometido em aprender, por razões internas ou externas. Na prática, porém, não conseguimos saber ao certo porque a maioria está ali. Seus comportamentos não parecem ser meios adequados à finalidade de aprender. Tome, por exemplo, o caso do aluno que, ao ficar ciente de uma nota já revela estar indignado com ela sem nem olhar para as correções ou mostrar curiosidade por elas. Tal aluno, por princípio, não aceita ser avaliado, não aceita ser corrigido e, portanto, não aceita ser ensinado. E, no entanto, por que ele despende energias para aparentar ter o desejo de aprender alguma coisa? São os mistérios da educação.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Dos arrogantes

Há dois tipos de pessoas arrogantes, os verdadeiramente sábios e os idiotas. Os primeiros se tornam arrogantes por cansaço. Começam pacientes, visto que almejam levar sua sabedoria aos menos dotados. Com o tempo, porém, percebem que a delicadeza raramente é efetiva na transmissão do saber. Os menos dotados parecem sentir prazer em serem arrebatados por certezas, não têm a persistência para acompanhar um raciocínio longo e complexo, ainda que dividido didaticamente em passos bem simples. Querem já o resultado. Bater violentamente, assim, parece ter mais efeito, ainda que o resultado seja a absorção de fórmulas que não entendem, mas, nem por isso, inválidas. Como os sábios estão majoritariamente cercados de bestas e precisam lidar com elas o tempo todo, acabam fazendo da arrogância um hábito, o qual, contudo, não se retém quando estão apenas entre iguais. Se sábios só vivessem entre sábios, esse vício não lhes tentaria. Já o idiota se transforma no tipo mais bestial de arrogante por ignorar a sua idiotice e manter, justamente por isso, as crenças elevadas mais estapafúrdias a seu próprio respeito. São como cegos andando pelas ruas sem bengalas. Só causam incômodo e aborrecimento. Quanto menos ciência têm da sua cegueira, mais peremptório é o seu passo. Não há como se lhes opor, nem o que lhes dizer, também são surdos. O melhor a fazer é se desviar. Mas são tantos que uma hora também precisamos lhes bater energicamente. Só assim tomam ciência de uma realidade que se lhes opõe. Mas pouco fazem disso também. Não há cura para eles. Entre esses dois extremos de arrogantes há uma pequena classe média de inteligentes, ávidos de saber o suficiente para acompanhar as longas e minuciosas explicações dos sábios, e pacientes o bastante para tolerar a intolerância das bestas, refreando-as quando necessário e possível.

terça-feira, julho 13, 2010

Não há tempo para o tempo

O tempo precisa de tempo, de tempo para que lhe dediquemos atenção sincera e curiosa, para que lhe descubramos seus meandros, ou mesmo sem tantas pretensões filosóficas ou intelectuais, ainda assim o tempo precisa de tempo para que o sintamos, é preciso de tempo para sentir o tempo, é preciso de tempo para percebê-lo passar, rapida ou vagarosamente, não importa, sem ele, nos direcionamos às coisas, às mudanças, aos acontecimentos, mas não à própria passagem do tempo, perdemos tempo com coisas outras que o próprio tempo, precisamos de tempo para perder tempo com o próprio tempo, mas não há tempo para o tempo, não damos tempo ao tempo, nem ele coopera conosco para que lhe demos mais tempo, nem mesmo com os meus alunos encontrei tempo para o tempo, enquanto assunto, foi negligenciado por outros assuntos, não houve tempo para o tempo, e assim o tempo vai passando sem que encontremos um lugar para ele, ele que a tudo circunscreve, jamais é circunscrito. Não há tempo para o tempo.

sábado, maio 08, 2010

Do amor das misérias

Só entendemos o outro quando aprendemos a amar as suas misérias, faltas e pulsões. É o que nos permite enxergar a sua alma em cada movimento.

terça-feira, abril 27, 2010

Antes de dormir

Antes de dormir se pergunte se pede para ler tanto quanto pede para ser lido. Embora não haja nada de errado em pedir mais para ser lido do que para ler, isto lhe dá uma boa medida do quanto você acha que as coisas que diz são mais importantes que as coisas que os outros dizem. A medida não é tão fiel, já que muitas vezes você pode pedir para ser lido com o intuito de se corrigir. Ainda assim, pode-se retrucar: por que se corrigir seria mais importante que corrigir os outros a não se que se julgue mais importante que os outros? Mas também é perfeitamente natural que cada um se julgue, em certo sentido, mais importante que os demais. Pelo menos, em muitos contextos, prioritário. Feio é quando pelo fato de em geral você ser ou lhe ser permitido ser prioritário você conclua que seja ou o deva ser sempre.

domingo, abril 18, 2010

Cefaléia Ordinária!

Hoje tive a pior cefaléia de minha vida. Fui deitar com uma leve dor de cabeça e fui acordado de madrugada por uma dor aguda insuportável. Ela pulsava no ritmo da minha respiração. Quando inspirava, era como se algo estivesse sendo forçado para dentro no meu cérebro, quando espirava, a dor não sumia, mas o esforço para explodir a minha cabeça abrandava. Fiquei fraco e tive calafrios. Tomei duas neosaldinas. O tempo passava e nada. Ao mesmo tempo, estava mortalmente cansado, com muito sono. Bocejava sem parar, um sono daqueles que em qualquer outra circunstância me faria apagar em segundos. Mas ele não era nada diante dessa dor que me possuía. Cogitei ir a uma hospital e pedir: "me apaguem". Sem efeito, resolvi tomar mais um comprimido. Só depois de uma hora e meia agonizado os remédios começaram a abrandar a situação. Não o foi de uma vez, nem de forma gradual contínua. Às vezes parecia diminuir, mas logo depois voltava a sentir aquelas fortes pontadas na cabeça. Mas essa oscilação já me dava alguma esperança. Quando vieram os calafrios, apesar da desagradável sensação de fraqueza, animei-me com a idéia de que pudesse desmaiar. Seria a minha salvação. O corpo heróico, no entanto, suportou. Por mim, ele teria se acovardado desde o início. Definitivamente, dor física não é para mim. Passou, o pior pelo menos já passou. Consegui dormir. A dor que se apossou de mim, aquela dor ordinária, de vida própria, ainda não foi totalmente abatida. Ainda sinto ela tentando se remexer na minha cabeça. Acho que vou tomar mais um comprimido, dar-lhe mais uma vassourada, que tá difícil desse bicho ruim morrer

quarta-feira, abril 14, 2010

Brincando de calcular

Brasília está melhor que Curitiba? Sim, claro. Então Curitiba é pior que Brasília? Não, evidentemente. O português felizmente me dá sem ginástica linguística esta preciosa distinção entre ser e estar. Lá eu me fazia caber num cubículo, aqui eu realmente moro. O conceito de "andar pela casa" pode agora ser aplicado. Lá eu achava que até comia bem fora de casa, especialmente nos últimos tempos, quando a renda o permitiu, mas agora vejo que este bem poderia ser bem melhor. Aqui eu me delicio com a diversidade gastronômica e posso me permitir deliciar ainda mais vezes com a renda mais segura e abastada. Fui conquistado pela comida do cerrado e do nordeste. Mas que diabos, onde então Curitiba se saia melhor? Vejamos antes no que ela se iguala: o povo, a cultura. Começo a pensar que o problema sou eu, nenhuma cultura me agrada no geral, apenas nas partes. Odiava o nariz empinado pequeno burguês iletrado do curitibano. Me tapearam aqui com a outra face da moeda: odeio o nariz empinado esclarecidamente intelectualoide do brasiliense. O espírito curitibano de vamos só falar merda e o espírito brasiliense de vamos só politizar soam-me como males de mesma raiz. Vamos, enfim, à vitória curitibana: na verdade, nada que dependa muito dos curitibanos, falo do seu clima. A geografia lhe brindou com o frio que toca fundo na minha alma. Neste quesito ela não tem concorrentes. No computo geral, está melhor Brasília. Sem dúvida. Jamais a largaria para estar como estava em Curitiba. Isso não implica obviamente que Curitiba não seja melhor que Brasília. Mas enquanto o meu estar aqui é melhor que o meu estar lá, manda-me o bom senso estar em Brasília.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

A boçalidade do esclarecido

Os intelectuais não estão mais imunes a preconceitos boçais do que as outras pessoas. Pelo contrário, tenho o palpite de que são muito mais suscetíveis a eles e por uma razão muito simples: a autoconfiança que têm no seu esclarecimento ou no seu bom uso da razão facilita o processo de adquirir e reforçar preconceitos boçais. A crença de que tudo vai indo muito bem ajuda a que tudo caminhe para ir muito mal. Protegidos pela falsa crença de que usam bem a razão, acabam fazendo um péssimo uso da razão sem o perceber. Nada mais infrutífero do que se crer muito esclarecido, já nos lembrava lá Sócrates alguns milênios atrás.

sábado, janeiro 30, 2010

Telefone não é para mim.

Nunca curti e continuo não curtindo este meio de comunicação. Ele não respeita as pausas, a necessidade de ficar calado. Mesmo numa conversa ao vivo, é aceitável alguma espera quando se é interpelado e, se não for, podemos forçá-la com alguma ação, pegar um livro, beber uma água etc. Ao telefone, não há nada que se possa fazer para parecer razoável a quem está do outro lado da linha a sua delonga em responder. O telefone é todo centrado na audição, não há como distraí-lo por meio dos outros sentidos. Enfim, não acho que dê para conversar a sério pelo telefone. Eu não sou o tipo de pessoa que pensa o que fala, mas que fala o que pensa e, por isso, preciso de tempo no ir e vir da conversa. Telefone para mim não passa de um telegrama sofisticado e instantâneo, serve para trocar informações, dar um aviso, marcar um encontro e só.

O orientando queria evitar um encontro na universidade pedindo-me para discutir o seu trabalho pelo telefone. Sem chances, ou deixa de preguiça e escreve suas dificuldades por email, o que eu até prefiro, ou vem até a mim para dizê-las ao vivo.

domingo, janeiro 24, 2010

Nenhum contato social é bom! Pra mim!!!

Não adianta dizer que há um problema comigo, que perco todo um universo rico se não me exponho ao contato social, nada disso muda o fato incontestável: sair do twitter, não ligar o msn, google talk etc. me deixa mais em paz, faz-me não ficar ciente de todo um mundo de bestialidades que só servem para tirar a minha tranqüilidade. Outro resultado colateral: me torno mais produtivo, faço outras coisas que me dão mais prazer e, por conseguinte, mais satisfeito comigo mesmo. O computo geral é todo positivo.

Enfim, não recomendo a solidão para todo mundo não. Eu sou um caso particular de introversão. Nem estou de todo só, tenho a Marcely como companheira de todos os dias, o que me possibilita emocionalmente ignorar quase que por completo todo o resto da humanidade. Desta quero apenas a sua excelência transmutada em livros, obras de arte, bom humor etc.

terça-feira, janeiro 12, 2010

Meu título não vale nada, nem o teu, nem o de ninguém!

Vai aqui a minha "resposta" à postagem da Caminhante.

Pra mim, pouco importa se o título é obtido com 30, com 20 ou com 80 anos. O título em si não é algo que eu admire. O que a pessoa faz, e nisso incluo não só o que ela escreve, mas também as suas atitudes, e cada vez mais as suas atitudes, é o que pode ser alvo da minha admiração.

Bom, o que a pessoa faz não depende de um título. Muitos fazem sem ele e muitas vezes fazem até melhor do que com ele. Mas eu fico no "muitas vezes". Não acho que o acadêmico ultra joven especializado seja em si um cocô humano, nem que o gênio marginal idoso seja em si um santo, um Gandhi, sempre admirável.

Também não consigo ver, diante da variedade humana, como possa haver um único ou melhor caminho seja lá para o que for. Alguns são Saramagos e demonstram o seu melhor só tardiamente, outros são S. Mills e demonstram o seu melhor bem cedo; mas isso não faz do Stuart Mill mais admirável que o Saramago. Há tantos tempos quanto pessoas. Nem quero entrar na questão mais espinhosa do vácuo que muitas vezes há entre mostrar o seu melhor e ele ser percebido.

Concordo que alguém que nunca tenha sofrido um revés na vida tende a ser menos humano se não compensa a falta de frustração e sofrimento com muita imaginação dos mesmos. Porém, ter uma carreira acadêmica meteórica não exclui de modo algum dezenas de outros reveses que o sujeito possa ter tido em centenas de outros setores da sua vida, revezes estes que certamente contribuiriam para a sua humanização tanto quanto os reveses acadêmicos, em muitos casos, até mais. Também não podemos nos esquecer dos inúmeros casos de pessoas que são, por alguma razão desconhecida, completamente refratárias aos reveses, elas não mudam nada, não aprendem nada, continuam as mesmas. E tem aquelas que não só não se humanizam, como se tornam ainda mais amargas. Não há dose certa de revés para a humanização sem uma boa dose de sorte psíquica.

Algo também para lembrar: até 20 anos atrás, era normal, NO Brasil, o acadêmico adquirir o seu título de doutor só aos 40 ou 50 anos. Agora, entre os 25 e 35. O que mudou? As pessoas ficaram mais obsecadas com o sucesso acadêmico e por isso começaram a antecipar o que naturalmente só iria se adquirir lá no meio ou no final da vida? Não acho que seja isso. Simplesmente que até 20 anos atrás existiam poucos programas de doutorado no país, então, de duas uma, ou você ia para São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Campinas, quiça Porto Alegre ou ia para fora do país, se quisesse o título de doutor. Levando em conta que aos 25, 30, freqüentemente você já não é mais uma unidade que decide tudo sozinho, conversando com o próprio umbigo, qualquer uma das opções envolve empecilhos que só com muito acordo, suor e tempo para superar. Nos EUA, já era muito comum ver doutores com 30 anos desde a década de 30. A partir do momento em que começa a ter programas de doutorado em tudo quanto é lugar, é natural que se antecipe a aquisição do título. Fica mais fácil. Simples assim.

Por que adquirir o título? Ele em si é valioso? Tem gente que acha, tem gente que o ostenta nas paredes, que pensa que ele é um signo confiável da sua inteligência ou mesmo do seu esforço. Eu não acho nada disso. Envolve algum esforço e disciplina sim, mas nada que vá além do esforço que outras pessoas fazem em outras áreas para adquirir outras coisas. Enfim, título acadêmico não é algo que procuro numa "carta" de apresentação, nem vou admirar mais uma pessoa por saber que ela possui um.

Então, pra final de conversa, o que eu avalio é a atitude. Se o camarada procurou o título de doutor pelas honrarias sociais, direi que isso é tolo. Se ele almeja um emprego de professor universitário, e almeja isso menos pelo status social e mais pelo prazer em exercer essa profissão, ou, quem sabe, nenhuma das duas coisas, mas o salário que é pago por esta profissão, então corra logo atrás dos títulos necessários. O título de doutor vale exatamente isso: um emprego. Se achamos isso certo ou não, se achamos que a carreira acadêmica deveria ser completamente reformulada, mudando ou eliminando as etapas de aquisição de títulos, é absolutamente outra questão.

Meu caso pessoal: o que me fez adquirir sem interstícios os títulos de mestre e doutor não foi nem as honrarias, muitos que me conheceram só tardiamente vieram a saber deles, freqüentemente por terceiros, nem a vontade de ser logo professor universitário, algo que, por muito tempo, duvidei ser capaz de ser, mas simplesmente por, estando sozinho e sem grandes ambições intelectuais e financeiras, ter encontrado nas bolsas governamentais algo que, ao mesmo tempo, satisfazia as minhas necessidades imediatas de sobrevivência e prazer. Meu pai foi enfático quando decidi fazer a graduação de filosofia: "não te dou um centavo depois que terminar a graduação". Quando o final do curso foi se aproximando, não havia outra opção, mestrado na certa. Filosofia, nessa época, nem era ainda obrigatória no ensino médio, alguns colégios particulares tinham a disciplina, mas era muito mais difícil penetrar neste escasso mercado que numa vaga de mestrado na cidade em que morava. Do mestrado para o doutorado a lógica foi a mesma: mais fácil entrar no doutorado que entrar no mercado de professores universitários em universidades particulares. Ganho menos mas continuo fazendo algo que gosto: ler e pesquisar.

O percurso também não foi de todo sem percalços. Sem muita fé de que poderia enfrentar a minha timidez e ser mesmo professor, quase larguei o doutorado, na verdade, por 6 meses eu o larguei, quando desentendimentos com o orientador impediram a qualificação final e, por conseguinte, a defesa. Neste meio tempo, atinando para outros prazeres meus, comecei outra graduação, mas isso já é outra história.

Enfim, se me perguntassem no início da graduação de filosofia se eu me via onde estou hoje, estaria mentido se dissesse que sim. Muitos acasos, escolhas, derrotas e vitórias me trouxeram até aqui. Nunca tracei e nunca traçarei grandes metas para minha vida a não ser esta: tentar fazer com que ela pareça ter cada vez mais sentido para mim; o que também pode ser um grande engodo, talvez só haja o absurdo...hei de descobrir, ou não...

segunda-feira, dezembro 28, 2009

Transcendência? Onde? Eu quero é paz!

Como não creio em felicidade transcendente, nirvana e coisas do tipo, a "felicidade" que almejo se resume em tranqüilidade, paz, ausência de tormenta, dor e sofrimento. Qualquer coisa além disso é brinde. É pouco? É medíocre querer apenas isso? Depende. Acho difícil comparar, nem é coisa tão fácil de se encontrar. Muitos pensam na experiência de paz como simplesmente ausência de sentir, uma espécie de morte em vida e, na pior das hipóteses, como um estado de tédio e apatia. Se estou a usar a palavra certa ou não, pouco importa, o fato é que nada disso está mais distante do que entendo pela experiência de paz. Ela infunde, tranqüiliza, põe-me no melhor contado/entendimento/compreensão que poderia ter de mim mesmo e do lugar que ocupo neste universo. Ela não é apática, põe-me sim em movimento, direciona-me contemplativamente a todas as coisas. E sim, ela tem o seu colorido próprio, uma sensação toda particular.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

Confusas sujeiras natalinas

Não vim dizer nada de importante, apenas resolvi espantar um pouco da poeria que se acumulou por aqui. Um pano só não será suficiente para limpar tudo. Mas, pensando bem, que há de tão mal em um pouco de sujeira? Quem tem mania de limpeza é a minha mãe e a Marcely, eu não tenho nada com isso. Até cultivo uma certa estética da bagunça organizada. Pedaços de papel velho aqui e ali, a lata de cerveja vazia fedendo a mijo bem do lado do meu Jaspers, restos de comida sobre o teclado, manchas de café, enfim, é o carimbo da minha vida diária bem aqui ao meu redor, na minha mesa. É isso, não quero limpar nada, cansei de limpar, quero sujeira, bagunça, caos pacífico. Foi um ano bom, com muitas mudanças, muitas provações, muitas descobertas. Vi-me, enfim, como professor. Ainda não curto a palavra, nunca curtirei. Na verdade, eu não a quero para mim, a não ser formalmente, é claro. Eu não ensino nada. No máximo, levanto dúvidas. Brinco. Preparo aulas pensando em múltiplos caminhos a percorrer. São muitos alunos, muitas variáveis. Alguns não precisam de mim, outros precisam, outros carecem de uma mão. Estou ali, presente, não necessariamente para ajudá-los, o que já seria muito professoral, mas para que usufruam de mim, para que tirem o proveito que puderem, se é que podem. Dou-me a eles, em sala de aula. Tento, tento espicaçar ideias. Espero pelo diálogo, pela discussão. Quase me desespero quando não falam. Quero, preciso sempre levar a eles alguma coisa, alguma tormenta. Não há filosofia sem um quinhão de desespero. Sorrio por dentro quando tentam me encurralar. Sinal de que lhes causei alguma coisa. No fundo, é isso, mesmo quando ruidoso, tento produzir algum devir para eles. 

sexta-feira, outubro 30, 2009

Autoengano.

Eu me engano, você se engana, ele se engana, ela se engana, todos se enganam praticamente o tempo inteiro. Entendemos que aqueles que nos elogiam são pessoas confiáveis, competentes e respeitáveis, enquanto aqueles que nos criticam são pessoas incompetentes e desprezíveis. Nos alistamos em grupos, dos mais variados temas e tipos, para que chegue aos nossos ouvidos o reforço daquilo que já cremos. Criamos milhares de teorias conspiratórias para explicar nosso insucesso. É sempre muito mais provável que intenções e forças malignas se interponham à realização de nossas vontades do que não termos simplesmente os recursos físicos e mentais para realizá-las. Quando o elogio alheio não é suficiente para reforçar a crença no quão bom somos, nos autoelogiamos, nos aproximamos dos mais fracos e fazemos comparações. Montamos estratégias de propaganda, alardeamos os nossos feitos, enfatizamos que são nossos, só nossos, mas atenuamos os nossos fracassos, estes são relatados sempre com ressalvas, não são muito nossos. É claro que todo esse campo de força fabricado é útil (até um certo ponto) para a sobrevivência. Nos mantém fortes, convictos, otimistas, esperançosos. Mentiras úteis, enfim. Porém, este campo esconde uma dolorosa verdade: somos tão fracos que simplesmente não nos aquentamos, não queremos nos ver no espelho. Quase nunca nos enfrentamos, quase nunca nos deixamos estar a sós conosco mesmos. Estamos, na maior parte do tempo, com um outro. E não é por fingimento, não estou falando da baboseira metafórica das máscaras, falo algo muito simples: estar honesta e sinceramente com um outro, distante de si, é o modo que a nossa espécie miserável encontrou para sobreviver. Este truque dissociativo, no entanto, pode ser visto como aquilo de que temos de mais forte, é o nosso trunfo.

quinta-feira, outubro 15, 2009

Mas o que é mesmo um argumento?

Quando o aluno vem me entregar a prova e diz defensivamente, "professor, não sou analfabeta, mas essas palavras 'premissa', 'conclusão', 'inferência', 'argumento' ainda me deixam muito confusa, como muitos aqui, ainda não tive aula de lógica", meu chão cai por completo, não por achar que eu não tenha feito o meu serviço didático direito, posso até não ter feito, mas por outros motivos; essas quatro palavrinhas "misteriosas" não é algo que só se aprende num curso de lógica, são palavras úteis para a apropriação ou interpretação de qualquer texto científico/teórico/jornalístico/informativo e que deveriam ter sido introduzidas à aluna antes mesmo dela entrar na universidade pela sua professora de português e reforçada e exemplificada por todos os outros professores das ciências específicas: histórica, geografia, matemática etc.  Confuso fico eu tentando imaginar a maneira confusa através da qual ela enxerga as relações entre as ideias de um texto que lê...Esses choques de realidade são bons para me fazer perceber que, às vezes, posso estar estimando as capacidades dos alunos erroneamente. É bom por forçar-me a fazer malabarismos para passar o básico junto com o essencial. É ruim se me tenta a baixar o nível do mínimo. 



sexta-feira, outubro 02, 2009

O eu e outro

Quanto mais elas gritam o que não são, mais marcam o que são. Intensifica-se o contraste para facilitar a percepção de si. E de onde vem toda esta necessidade de ser? Ser indistintamente seria, em si mesmo, pior que ser distintamente? A consciência mais radical de si tem um ônus: o peso de ser quem és aumenta. Assim como o seu peso corporal não é o mesmo se está na Terra ou na Lua, seu peso existencial não é o mesmo se a sua consciência de si é mais ou menos aguda. E no entanto, lá está a multidão rejeitando freneticamente tudo o que ela não é. Parece que é quase com repulsa que encontram algo indistinto em si. A idéia é manter consigo uma presença de si esquelética, míngua, mas que, no entanto, é só sua, absolutamente sua, depurada de todo o resto. É com prazer que a pessoa se descobre. Não sei se é com prazer que ela se aquenta.

terça-feira, setembro 29, 2009

Da arrogância arbitrária

Quanto menos incertos estão, mais arrogantes ficam, como se a arbitrariedade justificasse a arrogância. Arrogância arbitrária não tem outro adjetivo, é arbitrária e pronto. Agir como se tivesse alguma razão é dar tiro no pé.

Mas quão difícil é para o homem encontrar o meio termo! Quando certos demais, cometem as maiores atrocidades em nome dessa certeza, como se ela os licenciasse. Quando incertos demais, cometem igualmente as mesmas atrocidades, não em nome da incerteza, mas em nome da arbitrariedade que eles vêem agora em qualquer lugar e, assim, justificando qualquer coisa.

quinta-feira, setembro 10, 2009

O eu só se revela pelo enfrentamento

Ainda sinto uma leve descarga de adrenalina toda vez que entro no corredor que me leva à sala 92. Mas pára por aí. Não fico nervoso, não tenho brancos, brinco, sou irônico com os filósofos que não gosto e tudo isso para um público de 40 a 50 alunos. Quando penso nisso, percebo a trivialidade: nunca nos conhecemos realmente até que nos coloquemos nas situações que, em pensamento, acharíamos não enfrentáveis. Deixar-se levar pelo medo é a melhor maneira de afastar-se do conhecimento de si. Contudo, mesmo repetindo-me esta última frase em alto e bom tom, não farei como a personagem da Clarice, não vou tocar na barata não. Esse meu lado eu faço questão de não conhecer. :)

sexta-feira, julho 17, 2009

Canseira

Embalar, embalar e embalar. Caixas, caixas e mais caixas empilhadas pela casa ou microcasa. Já tinha me esquecido como é chato fazer a mudança, por mais que o mudar seja desejado.

sábado, julho 04, 2009

Potencialização da felicidade

Vê-la sorrindo me faz sorrir mais do que as outras coisas que normalmente me fazem sorrir. É um fato: relacionar-se de forma comprometida potencializa a sua felicidade. É verdade que também potencializa a sua tristeza. A infelicidade do outro transforma-se em sua infelicidade também. Mas se o preço a pagar para ter graus mais elevados de felicidade é poder ter também graus mais elevados de infelicidade, é um preço justo a se pagar. Ademais, a relação em si é algo que, a despeito da felicidade que pode trazer, eu quero. É como se, sem ela, eu não fosse tudo o que posso ser.